Quantcast
Channel: Trip
Viewing all 3118 articles
Browse latest View live

Antonio Tabet, o Kibe Loco

$
0
0


Criador do Kibe Loco, um dos sites de humor mais acessados da Internet brasileira, e do Porta dos Fundos, a série de programas on-line que virou mania nacional, Antonio Tabet explica a trajetória de publicitário-que-virou-blogueiro-que-virou-ator e entrega: “Ser reconhecido me envaidece”

Antonio Pedro Tabet, publicitário por formação, blogueiro famoso quase por acaso e agora mais conhecido como “um dos caras do Porta dos Fundos”, o programa de humor que sacramentou a noção de que, sim, a televisão do futuro (ao menos até onde podemos vislumbrá-lo) é a internet, talvez nem tenha se dado conta: ele é prova de que John Cleese estava certo.

Cleese, o britânico com meio século de serviços prestados ao humor de alto nível – é um dos fundadores do Monty Python, grupo surgido em 1969 na TV inglesa e reverenciado por gerações de comediantes –, foi quem disse a frase que abre este texto, proferida em uma das inúmeras vezes em que foi consultado sobre “como ser criativo”. Tabet, um carioca de 38 anos que em 1994 entrou no curso de comunicação da UFRJ disposto a se tornar um publicitário de sucesso, desses que vivem em “escritórios branquinhos cheios de pufes” (a definição é dele), entre idas a Cannes e doses de champanhe, descobriu brincando, matando hora no expediente, que o caminho do sucesso estava longe dos leões de metal distribuídos na Riviera Francesa. Estava na internet.

No ano de 2002, funcionário frustrado do departamento de marketing do banco Icatu, Tabet passava as tardes enviando piadas e fotomontagens por e-mail aos colegas da empresa. Advertido por “um babaca do departamento de TI” (a definição também é dele) de que as brincadeiras seriam monitoradas pela empresa, achou por bem parar de usar o correio eletrônico da firma e passou a despejar as gracinhas em um blog, que ganhou o mesmo nome da coluna que produzia no jornal da faculdade: Kibe Loco – Kibe por causa de sua ascendência árabe; Loco por ser o portunhol o idioma oficial da extinta coluna.

Nascia uma das páginas mais acessadas da internet brasileira. Em 2005, a audiência era tal que o blog virou ocupação principal, remunerada pelo portal Globo.com, que o hospedava. Passados 11 anos, o Kibe segue como fonte de renda, trazida não só pelo hospedeiro, agora o R7, da Record, mas também pelas marcas que o elegem como vitrine para aparecer.

Sociedade alternativa

Mesmo quem não costuma digitar www.kibeloco.com.br para ver as blagues postadas diariamente por Tabet (e dois ajudantes de texto e arte) certamente já foi atingido por algum dos conteúdos que, para usar o internetês do Brasil, “bombaram” por causa dele. Dois exemplos: o vídeo de 2004 em que William Bonner imita o estilista Clodovil em um intervalo do Jornal Nacional (visto 4 milhões de vezes) e o clipe de “Dança do quadrado”, produção de baixíssimo orçamento lançada em 2008 que se tornou um dos vídeos virais de maior sucesso do país e rendeu a Tabet um prêmio da MTV.

Jorge Bispo

Antonio Tabet

Antonio Tabet

De olho na verve que deu origem a tais sucessos (e a sátiras como a que colocou a senadora Heloísa Helena numa capa da revista Playboy), Luciano Huck o convidou em 2007 para fazer parte da equipe do Caldeirão do Huck. A parceria terminou em janeiro de 2012, quando Tabet, que vinha de um certo desgaste na Globo (onde tentou emplacar, sem sucesso, projetos paralelos ao Caldeirão), decidiu que era hora de zarpar. A mudança o levou ao retumbante sucesso Porta dos Fundos, que desde agosto de 2012 já lançou quase 90 vídeos em um canal do YouTube e contabilizava no fechamento desta edição 2.622.000 espectadores inscritos e mais de 226 milhões de exibições.

O projeto começou com um encontro entre Tabet e Ian SBF, então diretor do Casseta & planeta, no início do ano passado. Como ele, Ian também produzia conteúdo de humor na internet, os vídeos do canal Anões em chamas. Entre chopes e petiscos do bar Diagonal, no Leblon, a dupla combinou de produzir episódios de CSI Nova Iguaçu, versão esculhambada de séries sobre investigação policial.

A ideia de fazer vídeos de humor para exibir na web atraiu um amigo de Ian, Fabio Porchat, talento da comédia stand-up que também tinha um pé na Globo. Pouco depois, embarcavam no negócio o ator e roteirista Gregório Duvivier e o publicitário João Vicente de Castro, outro egresso da equipe do Caldeirão. Estava formada a sociedade que nasceu alternativa – mas que hoje está por cima da carne-seca. Toda segunda e quinta-feira, quando são colocados novos episódios no ar, os cliques, likes e compartilhamentos on-line só aumentam.

Alegria de classe média

Assistidos por milhões de pessoas, prestigiados pelos colegas de profissão, assediados por emissoras de TV, os integrantes do Porta dos Fundos somam hoje quase 30 pessoas – os cinco sócios mais atores, editores e técnicos contratados. O grupo também caiu nas graças de diretores de marketing – ao menos os que entenderam que, em tempos de redes sociais, não adianta tentar abafar críticas ou dar respostas evasivas ao público: as marcas devem entrar no jogo com transparência; melhor ainda se for com bom humor.

Foi o que fez a rede de restaurantes Spoleto, alvo de um dos primeiros episódios da trupe. O vídeo que mostra uma consumidora sendo maltratada por um atendente da rede levou a marca a contratar o grupo para criar outro vídeo, este em seu favor. O case fez com que outras marcas aderissem à estratégia de rir de si mesmas: o Porta dos Fundos já produziu trabalhos sob encomenda para Bis Lacta, Fiat e Caixa Econômica.

Tabet não fala em valores, nem mesmo o custo dessa estrutura. “Primeiro porque correria o risco de dar um número errado”, diz ele. “Segundo porque nos comprometemos a não falar de grana.”

Ele recebeu a Trip no escritório do Kibe Loco, no Jardim Botânico, no Rio. Os quadros na parede revelam um pouco da vida do dono – de uma camisa do Flamengo emoldurada a imagens de reportagens que saíram com ele na imprensa. Tabet teme que a decoração dê sobre ele a falsa impressão de “empresário bem-sucedido se vangloriando de seus feitos”. E trata de explicar que a aparente egolatria é só “alegria de classe média”.

"Eu era o cara que se apaixonava. Chorei muito por mulher na escola"

Fã de Millôr Fernandes, Luis Fernando Verissimo, Tutty Vasques – e, claro, Monty Python, ao qual o Porta dos Fundos é corriqueiramente comparado –, Antonio Tabet não se importa com “a onda politicamente correta” que pareceu ameaçar comediantes ultimamente. Para ele, é bom que humoristas se policiem para que, em vez de cair em piadas agressivas, encontrem algo que faça mais gente rir junto. Uma ideia, aliás, também defendida por John Cleese, para quem o grande poder do riso é justamente o de igualar as pessoas, “destruindo qualquer sistema de divisão social”.

Vamos do começo: como é a história da sua família? 
Meu avô paterno era libanês, mas não conheço muitos detalhes. E a família por parte de mãe é portuguesa. Meus pais nasceram no Rio e viraram médicos, os dois. Tenho dois irmãos mais novos, um é médico e o outro é advogado, Marco Antonio e Fernando Antonio, que era o nome do meu pai também.

Seu pai já morreu? 
Meu pai morreu quando eu tinha 15 anos e foi a pior coisa que aconteceu na minha vida.

Do que ele morreu? 
Câncer. Meu pai era um médico respeitado, foi diretor do [Hospital] Pedro Ernesto, diretor da Uerj, já tinha sido convidado pra trabalhar em Secretaria de Saúde. E era um cara forte, corpulento, corria na praia todo dia. Ele teve câncer no cérebro, muito difícil de lidar porque tinha dia que ele estava ótimo e tinha dia que ele estava um vegetal. Então, de uma estrutura familiar toda montadinha – pai, mãe, eu, um irmão dois anos mais novo e outro que tinha acabado de nascer –, entramos num caos. Quando meu irmão fez 1 ano meu pai descobriu a doença. Dois anos depois ele morreu. Durante o tratamento, fiquei muito próximo dele, cheguei a dar banho, um processo doloroso. E quando ele morreu foi uma porrada porque eu tinha certeza de que ele ia ficar vivo.

Arquivo pessoal

Com Totoro, do Porta dos Fundos (2012)

Com Totoro, do Porta dos Fundos (2012)

Como foi o dia em que ele morreu? 
Ligaram no colégio falando pra eu ir pro hospital. Chegando lá um tio me abraçou tão apertado que até me machucou. Quando vi que ele estava chorando, não precisei perguntar nada. E aí eu chorei, chorei, chorei. Quando fui ver meu pai, abracei, mas tive aquela sensação que descrevem, de que a pessoa não está mais ali. Por muito tempo fiquei mal, virei uma pessoa angustiada. Isso só acabou com um sonho em que meu pai aparecia e dizia: “Cara, não sofre. Você aí sofrendo tá me fazendo sofrer aqui”. Eu estava com uns 20 anos e só então aceitei que tinha que seguir com a vida.

E como é a relação com a sua mãe? 
Foi muito boa até a morte do meu pai. Depois, ficou um pouco estremecida. Acho que minha mãe tinha muito medo de viver como a minha avó, que morreu viúva, morando num apartamento com a irmã em Copacabana. Então quando meu pai morreu ela deu uma surtada. Trabalhava muito e manteve nosso padrão de vida, mas nossa relação pessoal se desgastou. Ela casou de novo, depois separou. Hoje é tranquilo, relação normal, de mãe e filho.

Onde era a casa de vocês? 
Botafogo. Morávamos num prédio do caralho, cheio de criança, play gigante, guerra com o prédio da frente, amigos, futebol, campeonatos de botão. Minhas memórias de infância são as melhores do mundo. Com 11 anos andava de ônibus pra onde quisesse, ia à praia.

E onde você estudava? 
No Santo Inácio, até a doença do meu pai. Aí repeti a oitava série e mudei pro Santa Rosa de Lima. Saí de um colégio de padre pra um colégio de freira. Foi a melhor coisa, conheci outros tipos de pessoas, amigos que tenho até hoje.

Você namorou muito? Era pegador? 
Nada, eu era o cara que me apaixonava, levava cartãozinho, caixa de bombons. Minha primeira vez foi no meu quarto, na minha casa, com a minha primeira namorada, que era virgem também. E foi espetacular. Enfim, chorei muito por mulher na escola. Depois de velho isso passou.

Você é mais assediado agora que é famoso? 
Não, acho que não. Primeiro que eu não sou um galã, né? Não sou o bonitinho de 26 anos, tenho 38! E até pareço mais velho. A figura da “maria comédia” eu já vi por aí. Tem umas até conhecidas, você chega num lugar e o pessoal já fala: “Olha lá a fulana, querendo descobrir qual o pau mais engraçado do Brasil”. Mas eu não entro nessa. E, como falei, tem muitos outros caras na minha frente. Muito Danilo Gentilli pra elas se interessarem [risos].

Você é casado? Tem filhos?
Dessa parte da vida pessoal, família, não falo e nunca vou falar. Prefiro ser Antonio Fagundes nessas horas.

Você é publicitário, certo? Como foi sua trajetória profissional? 
Fiz publicidade na UFRJ, uma merda de curso, mas fui até o final. Ainda na faculdade fiz estágio na Rádio Globo, indo pra rua ver cadáver no jornalismo, cobrindo vestiário de Bangu e América em Moça Bonita... De lá fui para uma agência de publicidade pequena, depois consegui estágio na programação do Multishow, maravilhoso, porque me obrigou a assistir a todos os episódios de Trapalhões, I love Lucy, Kids in the hall... esse, aliás, mudou minha vida, virou referência. Depois fui para a programação do GNT. Mas aí recebi o convite para ir trabalhar no marketing de um banco de investimentos, o Icatu, com um salário bem melhor.

Como era o trabalho no banco? Foi lá que você começou o Kibe Loco, né? 
A ideia deles era criar uma equipe de marketing jovem pra renovar a linguagem dos produtos do banco – capitalização, seguro etc. Só que não funcionou. A galera era legal, mas é aquela coisa: você faz um trabalho pra renovar a linguagem, vem alguém que manda mais e não quer mudança nenhuma. 
O negócio começou a ficar maçante. Eu todo dia de terno e gravata, logo cedo, no centro da cidade... eu tava morrendo. Então inventei o Kibe Loco. Fazia as fotomontagens zoando o time de um, o time de outro. Comecei por e-mail, depois fiz o blog e mandei pra sete caras, que replicaram entre conhecidos. Um dia, um deles me falou que a tia dele adorava o site. Estranhei: “Mas você mandou pra tua tia?”. Ele: “Não, ela viu sozinha”. Só que ela era professora no Espírito Santo. Pensei: fodeu. Achei uma ferramenta de monitoramento de audiência e descobri que o Kibe Loco tinha 12 mil acessos por dia. Passei a me dedicar mais, fingi até que existia uma equipe. Os textos diziam sempre “nós do Kibe Loco”.

E você continuou no banco? 
Não, acabei saindo do banco e fui pra outra agência, que me permitia continuar tocando o site. Foi ótimo, aprendi coisa, fiz amigos, mas era mercadão de publicidade. E eu não tenho paciência com publicidade.

Por quê? 
É frustração, é gente com ego do tamanho do mundo. Eu estudei pra ser publicitário, pra estar numa agência branquinha, bonitinha, com pufes coloridos e Macintoshs e prêmios em Cannes. Eu queria isso! Mas depois que passei por rádio, agência e caí num departamento de marketing... puta que pariu, que merda.

Se você tivesse virado um super-redator de agência, indo pra Cannes e tal, acha que estaria feliz? 
Eu ia odiar! O-di-ar. Na faculdade meu sonho era esse, mas eu não conhecia, eu tava vendo de longe. Tem uma piada ótima: sabe por que publicitário não tem campainha em casa? Pro cara chegar e bater palma! É exatamente isso. O tempo todo, um querendo mais que o outro, um lambendo a caceta do outro, ou a própria caceta... não dá, puta saco.

Você tem amigos publicitários? 
Vários, e falo o tempo todo disso com eles. Eles mesmos se sacaneiam também. Enfim, a minha carreira estava sendo um fracasso. Mas o legal é que desse fracasso eu consegui quase sem querer inventar o que me tirou de lá. Acabei largando tudo pra viver só do Kibe Loco.

Mas já dava dinheiro? E dá dinheiro hoje? 
Eu tinha recebido umas propostas de ir pra portal, tipo UOLiGBRTurbo. Em 2005 as propostas para hospedar o site eram na faixa de R$ 3.500 por mês. Dava pra eu viver. Depois passei a ganhar mais, é minha fonte de renda até hoje. Ganho para estar hospedado e com publicidade. Nada que vá me deixar milionário, mas permite manter um padrão de vida.

Kibe ainda vive muito do que as pessoas mandam? Tem uma parte autoral, mas o forte ainda vem dos leitores. Se abrir meu Google você não vai acreditar, tenho tipo 70 mil e-mails não lidos. Um dia o Gregório [Duvivier] viu minha caixa postal e falou: “Brother, achei que a minha vida era um inferno! A sua é muito pior”.

“No banco, era todo dia de gravata, logo cedo, no centro. Eu tava morrendo. Então inventei o Kibe Loco

Kibe Loco já foi acusado de se apropriar de conteúdos alheios. “Kibar” virou sinônimo de copiar. 
Isso é coisa de hater da internet. O cara fala mal porque ele queria ser você. A internet projetou muita gente que é editor de si mesmo. Você faz um Twitter, um blog e aí rola uma egotrip louca. O Twitter foi letal. A pessoa ganha 5 mil seguidores e acha que realmente está com um microfone falando para 5 mil pessoas. E não é nada disso. Sobre autoria, é assim: o cara põe um vídeo no YouTube; outro vê e joga num blog. E aí? Ninguém mais pode publicar? Você acha que porque publicou o vídeo de alguém ele é seu? Ah, vai tomar no cu, né?

Mas você responde, entra na briga? 
Não, porque é tudo o que esses caras querem. Se cem caras estão falando mal de mim na internet, quantos estão falando bem? Sério, eu não dou atenção. O Twitter é a caixa de gordura da humanidade, o chorume. Ainda bem que está perdendo força. Você vê na audiência, está caindo vertiginosamente.

Você também faz consultoria de internet pra empresas. Como é isso? 
Há uns seis, sete anos começaram a aparecer muitas agências de marketing digital, viral, essas coisas. Só que é um mercado muito mais oportunista do que especialista. O que acontecia: uma empresa contratava uma agência de publicidade padrão, essa agência contratava uma agência de mídia digital e essa mídia me ligava. Pra pôr conteúdo no Kibe Loco, ou querendo dica pra fazer uma nova “Dança do quadrado”, ou saber se tal coisa tinha cara de viral...

Jorge Bispo

Antonio Tabet

Antonio Tabet

E é possível saber que determinada coisa vai pegar? 
Não dá pra prever 100%, mas tem artimanhas que podem alavancar um conteúdo. Negociar com uma fanpage gigantesca pra que publiquem teu vídeo, negociar com um tuiteiro ou outro, um blog ou outro, isso dá um gás. Mas se ele vai virar um “Para nossa alegria” você não consegue prever. O que dá pra falar é “com isso aqui você bate a tua meta” – tipo chegar em 100 mil acessos, que o cliente já vai amar. Isso não é tão complicado.

E dá pra prever o que não vai dar certo de jeito nenhum? 
Dá, e normalmente você vê culpa do profissional de marketing na parada: o cara que, não satisfeito em ter a caneca com a marca dele aparecendo no vídeo, quer que o cara fale [pega uma caneca na mesa]: “Nossa, mas que vontade de tomar essa Duff”. Não é natural! As pessoas veem isso na TV, na internet elas não querem. Querem autenticidade.

O que era trash, pauta de sites como o seu, hoje é notícia normal de grandes veículos. Como você vê isso?
É uma coisa curiosa. Se você pegar os veículos tradicionais da internet brasileira hoje, UOLiGR7Globo.com, você vai ver que metade do que está lá na home é lixo. “Mulher Melancia canta no chuveiro. Veja o vídeo.” Isso é conteúdo pro Kibe Loco! Mas tá lá no portal. Acho que o Kibe Loco, por ter conseguido audiência com coisas trash, foi muito responsável por isso. Não sei se me orgulho ou me envergonho disso [risos].

Ter notícias bizarras virou estratégia para ganhar audiência
Sim, eles estão atrás de números, como todo mundo. Mas no meu caso não foi estratégia. Não comecei pensando “agora vou fazer um negócio que vai pautar todo mundo”. Foi válvula de escape, eu tava num trabalho chato pra caralho e precisava desopilar. Se existisse YouTube naquela época talvez eu não tivesse feito nada: quando estivesse entediado, botaria o fone de ouvido e ficaria vendo bobagem. Fiz o Kibe Loco porque não tinha muito o que fazer. Eu amava as colunas do Tutty Vasquez, do Verissimo, do Millôr. Eu podia brincar de ser esses caras.

Como você foi parar na Globo? 
Um amigo meu conhecia o Luciano Huck. Eu tinha a ideia de lançar um candidato fictício nas eleições do Rio, então pedi pra ele perguntar se o Luciano não apoiaria. Ele nos colocou em contato e o Luciano me falou: “Esquece essa história de candidato e vem trabalhar comigo”. Fiquei em dúvida. A imagem que eu tinha dele era a de um mauricinho paulista, influente, que conhece umas gostosas. Mas conversei com ele e foi surpreendente. Encontrei um cara inteligente, esperto, generoso. Ele não é meu brother, de tomar chope, mas é um cara que se eu ligo tá disponível, dá ótimos conselhos. Vai ser sempre um parceiro.

No Caldeirão do Huck você era redator?
Sim, mas redator no Caldeirão não era só entregar o texto. Você escreve, viaja pra acompanhar a gravação, volta pra ilha de edição, é muita coisa. Depois de uns três anos e pouco tive vontade de mudar de ares. O Bruno Mazzeo me chamou pra fazer o Junto e misturado, mas não fui liberado; depois me chamaram pra fazer um quadro do Fantástico e não me liberaram de novo. Um dia falei: quero fazer outras coisas. Fiz uma oficina de humor, na Globo mesmo, criando uma série que nunca foi ao ar. Depois apareceu a hipótese de uma série do Kibe Loco, também não rolou. Acabei saindo em janeiro de 2012, depois de seis anos. E em fevereiro já conversei com o Ian [SBF, hoje sócio e diretor dos vídeos do Porta dos Fundos] pra fazermos coisas juntos.

Vocês dois se conheciam da Globo? Como essa turma se juntou? 
Eu e o Ian, a gente trocava umas ideias pela internet, um conhecia o trabalho do outro e sempre falava “vamos conversar”. Um dia a gente se reencontrou e combinou de fazer o CSI Nova Iguaçu. O [Fabio] Porchat já era sócio do Ian numa produtora, contamos pra ele que a ideia era fazer um projeto assim ou assado e ele falou: “Tô dentro”. Foi a mesma coisa com o Gregório [Duvivier]. O último foi o João [Vicente de Castro], que eu conhecia de passagem. Quando eu tava saindo do Caldeirão ele tava entrando. Ele veio pra ser o cara dos contatos. É afilhado do Caetano, estava casado com a Cleo Pires, poderia conseguir participações especiais. E assim a gente se juntou.

“mostramos primeiro pra Fox, pra Sony. Então botamos na internet. E agora não queremos outra coisa”

Vocês tinham uma ideia de negócio, de como isso ia se bancar? 
Não. A gente só sabia que ia ser bom. Só de falar das ideias soltas a gente ria de se esborrachar. Então, mesmo que ninguém gostasse, a gente ia se divertir pra caralho. Na pior das hipóteses, a gente tinha o Kibe Loco. A gente calculava: se a gente coloca um vídeo por semana no Kibe Loco e ele dá um tanto de views, a gente ganha tanto de Adsense no YouTube [o serviço de publicidade do Google gera lucro baseado na quantidade de cliques ou visualizações]. Como a equipe era mínima, nas nossas contas ainda sobraria grana. Claro, todo mundo tinha seu ganha-pão em outras coisas. Mas logo as expectativas foram superadas. No nosso primeiro vídeo, um programa de 15 minutos, a gente achava que se tivesse 70 mil acessos seria um sucesso. Teve muito mais que isso [hoje, só esse primeiro programa contabiliza quase 3 milhões de views].

Não tem nenhum investidor de fora? 
Existe um boato de que o Luciano Huck é dono do canal. O Luciano nunca botou um real no Porta dos Fundos. Nem ele nem ninguém. Só a gente botou, cara.

Vocês tentaram vender o projeto para a TV? 
Mostramos o primeiro pra Fox, pra Sony. O cara da Sony falou que não tinha grana... E a Fox tinha acabado de fechar com o Rafinha [Bastos]. Então botamos na internet. E agora não queremos outra coisa.

Tem muita emissora atrás de vocês? 
Muita. O tempo todo. O louco é que a gente estava num grande veículo, e estava todo mundo meio parado. A gente teve que sair de lá, inventar outra coisa pro veículo vir dizer: “Nossa, vocês existiam!”.

A Globo? 
É, a Globo nos procurou. E também a Rede TV, e canais por assinatura. Só que a gente tá bem. A gente não fecha porta pra TV, mas só iria se não atrapalhasse o que tá acontecendo. Censurando não dá.

Como você se sente com a celebridade súbita? Seu rosto agora é conhecido. 
É muito louco. É insano. No mês passado eu estava no Lollapalooza e me senti a Xuxa. Nego gritava: “Bola azul!”; “Mario Alberto, eu quero foder!”. É estranho, você entra num restaurante e o cara ao lado sabe quem é você. Eu já era feliz de ter conseguido, com o Kibe Loco, criar um negócio a partir do nada, uma oportunidade de fazer algum dinheiro e conhecer gente. Mas o reconhecimento do Porta dos Fundos é diferente, é muito bom. Me envaidece sim. E entre os humoristas vocês também viraram “os caras”, né? Acho que é porque a gente tá fazendo o que todo mundo queria fazer. Todos estávamos trabalhando na TV, que encanta, mas que também pode virar um exercício de frustração. Eu saí da publicidade porque entendi que tudo o que eu criava em algum momento ia passar pelo crivo de gente que não sabia o que tava falando. O cara que diz sim ou não às vezes é o filho do dono da empresa. Então não é impossível você ouvir: “Ah, meu sobrinho não gostou desse vermelho, vamos trocar por azul?”. Saí da publicidade muito por causa disso. Na TV, gostava da adrenalina e tal, mas também me senti tolhido.

Antes do Porta dos Fundos, já tinha experimentado ser ator? 
Fiz curso de teatro, mas era mais pra pegar as gatinhas. Curioso é que estão me elogiando, acredita?

Quando você se assiste, acha bom? 
Eu acho que não comprometo não! E boa parte do que eu faço no Porta são roteiros que eu escrevi. Então sei exatamente o tom, é mais fácil. Pô, estou sendo chamado para fazer séries agora, acredita? Fiz uma participação em Adorável psicose, do Multishow, e me chamaram para uma da Globo, uma da Fox e uma do GNT. Posso trabalhar como ator, mas não penso nisso. Gosto de escrever e atuar no Porta dos Fundos porque é divertido. Mas, se alguém convida, significa que o que faço como ator não é uma merda! Imagina se me chamam pra uma novela da Globo? Ia ser muito engraçado.

Arquivo Pessoal

 de Super-Homem, em foto para o jornal da faculdade (1998)

De Super-Homem, em foto para o jornal da faculdade (1998)

Você vê? 
Quase nada. Futebol, UFC, que adoro. Aqui no escritório a televisão fica o dia inteiro no Discovery Channel ou no Animal Planet, porque o nosso roteirista adora. O roteiro do Quem manda, pensei vendo essa porra. Vi o macaco e pensei: “Como esse filho da puta tem a bola azul?”. E tem umas guerras, o que tem a bola mais azul manda, só ele come as fêmeas... Aí pensei na situação do pai e da garota.

Você gosta de política? Como se definiria nesse campo? 
Humor é oposição, né? Os petistas me odeiam, acham que sou tucano. Não sou. Não tenho inclinação política, só odeio ladrão, filho da puta. Nas últimas eleições [para prefeito] eu votei no [Marcelo] Freixo, e continuo do lado dele.

E nas eleições pra presidente, o que você fez? 
Votei na Marina Silva. No segundo turno, não lembro. Devo ter votado no Serra ou anulado. O Lula não dá, essa história do mensalão foi foda.

O que você acha da discussão sobre politicamente correto e humor? 
Eu acho ótimo o politicamente correto, é importante um controle. Na minha juventude cansei de ver garotos fazendo piadas com o único negro da sala e acho ótimo que não façam mais ou se sintam constrangidos em fazer. É uma evolução natural das coisas.

Mas aí toda piada vira um debate. Não é chato? 
O problema não é o politicamente correto, mas a patrulha. Essa indústria do pointing finger, o cara que fica “isso é racismo!”, por qualquer razão. Os xiitas, de todos os lados, são muito piores do que os caras que supostamente disseminam preconceito. Quem vê preconceito em tudo, até onde não há, dissemina ódio. Acende o fósforo e joga no palheiro.

Coisas como A casa dos autistas (esquete do Comédia MTV) ou a piada com Auschwitz, feita por Danilo Gentilli, deveriam ter sido evitadas? Humorista deve ter freios? 
Nesses casos, e na polêmica com o Rafinha [afastado do CQC depois de uma piada com Wanessa Camargo], os três têm direito de fazer o que quiserem. E a Wanessa tem direito de processar, a associação dos autistas idem, a comunidade judaica idem. Mas tenho pra mim que quando a coisa é bem-feita, quando é engraçado, até a parte atingida releva. Então a discussão é outra: essas piadas eram engraçadas? Casa dos autistas foi uma coisa maravilhosa? Não foi, eles mesmos falam. O que vai salvar o humor da polêmica é ele ser engraçado, ser bom. Se for ofensivo, pode até ter alguém que ria, mas muita gente não vai rir. E o que a gente busca é isto: quanto mais gente rindo junto, melhor.


Ernesto Varela, o repórter

$
0
0


Ernesto Varela, o repórter fictício que perguntava aquilo que todos gostariam de saber, mas ninguém tinha coragem de perguntar, completa 30 anos e ganha um DVD com a sua história. Reunimos seus criadores, Marcelo Tas e Fernando Meirelles, para relembrar os bons tempos

Era o dia 3 de setembro de 1984, aniversário do então deputado federal Paulo Maluf. O líder do PDS, partido sucessor da Arena, de apoio ao regime militar, dava uma entrevista à imprensa em um hotel em Brasília quando surge um repórter atrapalhado, de óculos de aros vermelhos, com um bolo de chantili na mão. Ele puxa um coro de “Parabéns pra você”, provocando constrangimento geral. Em seguida, pergunta aquilo que todos gostariam de saber, mas ninguém tinha coragem de perguntar: “Deputado, muitas pessoas não gostam do senhor, dizem que o senhor é corrupto, ladrão. É verdade isso, deputado?”. Maluf olha, dá as costas e sai andando, sem responder a questão. A coletiva acaba.

A cena é um clássico de Ernesto Varela, o intrépido repórter criado pelo jornalista Marcelo Tas e pelo cineasta Fernando Meirelles, que encarnava o câmera Valdeci, seu parceiro de aventuras. Varela, o “repórter de mentira que entrevista personalidades de verdade”, estreou em um programa da TV Gazeta em 1983 e depois teve encarnações em outros canais, como SBT, Record, MTV e Globo. Em 2013, completa 30 anos de vida e, para comemorar, será lançado um DVD até o final do ano com registros preciosos de sua história, incluindo cenas da campanha pelas eleições diretas no Brasil, entrevista com o então líder sindical Luiz Inácio Lula da Silva e gravações em Cuba e na União Soviética. Para encerrar a carreira do repórter, Tas prepara com o cineasta e colunista da Trip Henrique Goldman a série “Varela volta ao mundo”. “Será gravada em cinco continentes para sair em 2015”, adianta. Outro documentário sobre a produtora Olhar Eletrônico, que criou o personagem, está sendo feito pelo diretor Kiko Mollica, do Canal Brasil.

“Os militares esperaram a gente desligar a câmera, nos levaram para uma sala e falaram: ‘podem apagar tudo, seus moleques’. O Fernando fingiu que apagava, mas, na verdade, gravou a cara deles e a gente botou no ar”

Trip reuniu Tas, 53 anos, e Meirelles, 57, em um estúdio da produtora O2, em São Paulo, para falar sobre esse personagem que soube unir humor e política como ninguém. “Hoje é normal ter um repórter engraçadinho em Brasília. Vemos no Pânico ou no CQC. Mas na época da ditadura ninguém fazia isso”, diz Meirelles. No encontro, os dois criticaram a chatice e o excesso de regulamentação que imperam hoje no Brasil e que, em casos extremos, tolhem a liberdade de expressão. “Sou muito mais processado hoje do que no regime militar, e por razões muito mais ridículas. Nesse sentido, o Brasil andou pra trás”, afirma Tas. Naquele dia, ele acabava de chegar de uma audiência judicial com um mágico que se sentiu insultado pelo programa apresentado pelo humorista na Band.

Como nasceu o Ernesto Varela?
Tas: A gente tinha essa produtora chamada Olhar Eletrônico. Éramos ruins em tudo, mas pior ainda na frente da câmera. Um dia eu estava em Santos com o Toniko Melo, outro integrante do grupo, e fiz uma reportagem tirando um sarro, num tom de voz que não era o meu. Peguei emprestados uns óculos vermelhos do operador de VT e coloquei. Estava uma temperatura surreal, e eu falei sobre uma estranha variação climática na cidade. Chegamos a São Paulo e o Toniko criou uma vinheta de “Santos urgente”, como se fosse uma notícia de última hora. A gente botou no ar e o pessoal riu. O Fernando olhou e disse: “Porra, e se a gente levar esse cara para outras pautas malucas como essa?”.

De onde veio o nome?
Meirelles: Ernesto veio do repórter Ernesto Paglia. Ele foi o primeiro cara que entrevistou a gente e é meu amigão até hoje. Já Varela era um médico, amigo do meu pai. Doutor Varela era o máximo da sobriedade, um senhor de bigode que andava sempre bem-vestido.
Tas: Nossa intenção era dar um nome antigo, que desse uma credibilidade ao repórter fictício. Deu certo. Nos eventos oficiais, meu crachá vinha sempre com o nome de Ernesto Varela e não de Marcelo Tas.

O fato de o Varela ser um repórter de mentira ajudou a fazer as perguntas mais cabeludas, como aquela famosa ao Maluf sobre se ele é ladrão?
Tas: Sempre. O humor dá uma licença muito importante. Quando você joga com o humor, amplia as possibilidades e deixa as pessoas mais despidas. As perguntas do Varela pareciam sem pé nem cabeça, mas eram difíceis de responder.

Arquivo Pessoal

Tas com Meirelles na União Soviética em 1985

Tas com Meirelles na União Soviética em 1985

Como foi o episódio em que vocês foram detidos em Brasília?
Tas: Nós não tínhamos eleições diretas no país e naquele dia poderíamos ter de volta o direito ao voto. Era o dia da votação da emenda de Dante de Oliveira, em 1984. Brasília estava um tumulto. O general Newton Cruz havia fechado as entradas da cidade. A gente saiu do avião e começou a gravar na pista do aeroporto. Passamos por uma fileira de militares e eu improvisei. Falei: “O tempo aqui em Brasília está muito bom, a temperatura está muito agradável”. Os caras esperaram a gente desligar a câmera, nos levaram para uma sala e falaram: “Podem apagar tudo, seus moleques”. O Fernando fingiu que apagava, mas, na verdade, gravou a cara deles. Depois a gente editou o material e colocou tudo no ar.
Meirelles: Teve outro episódio engraçado, quando a gente entrou numa garagem e encontrou o José Sarney. O Varela o entrevistou e, no final da matéria, eu perguntei: “Quem é esse cara, Marcelo?”. Ele respondeu: “É um alagoano, acho. Roney, Andrey, algo assim” [risos]. Ele fugiu de todas as perguntas.
Tas: Olha a sabedoria do Sarney. Ele apoiava a ditadura, mas percebeu que o barco podia mudar de direção. Ele mudou junto e acabou virando presidente da República. Ele está sempre do lado de quem está no poder e é capaz de iludir até as pessoas mais inteligentes. O Sarney arrasou o Maranhão durante 60 anos, deixou a população em um estado miserável e para quê? Para ter um iate, uma ilha? E ainda vem com esse verniz de escritor intelectual.

Como foi o comício no Pacaembu em que vocês entrevistaram o Lula?
Tas: Foi o nosso primeiro furo de reportagem.
Meirelles: Tem furo ali?
Tas: Você não sabia?
Meirelles: Não. Eu lembro que aparece a Marta [Suplicy] reclamando do [Eduardo] Suplicy, mas isso todo mundo já sabia, né? Ela fala que o então marido tinha mania de política, que a política competia com ela.
Tas: Ela dizia que não sabia qual era o prazer da política. Hoje em dia tem orgasmos com a política [risos]! Eu comecei a recuperar essas imagens e descobri que são as únicas desse comício, o primeiro da campanha pelas diretas no Brasil. Temos um documento histórico, Fernando. Além do Lula, também tem o José Genoino, o Hélio Bicudo e vários líderes estudantis da época.

Vocês têm gravado o episódio em que o Varela vai atrás do empresário José Victor Oliva no banheiro da boate Gallery, em São Paulo, e pergunta como são os ricos na intimidade?
Tas: Esse episódio infelizmente eu não consegui encontrar.
Meirelles Aconteceu uma coisa tristíssima. Quando a gente tinha bastante material e achava que aquilo tinha valor, decidimos gravar numas fitas melhores. Um dos nossos sócios trabalhava na Globo e falou: “Eu posso fazer à noite lá, na surdina”. Ele pegou duas caixas com tudo o que tinha do Varela, pôs no carro, parou numa padaria e roubaram o carro dele! Com isso, perdemos um ano e meio de histórias.

“Na época do Varela, a gente chutava canela sem medo.Era possível ser contudente e não tinha advogado ligando no dia seguinte. Hoje é mais cerceado. Se tivéssemos que pagar todos os direitos autorais, não teríamos feito nada”

Vocês sofreram processos na Justiça por causa do Varela?
Tas: É curioso isso. Fui pouco processado como Varela e hoje eu sou muito mais por causa do CQC. Os processos hoje são por razões muito mais ridículas. Nesse sentido, o Brasil andou pra trás nos últimos 30 anos.
Meirelles: Não é o Brasil, é o mundo. A minha teoria é que a indústria dos advogados está fazendo tudo ficar chato. Não é possível fazer mais nada! Eles têm uma profissão chata e, não contentes em ter uma vida chata, querem que a vida de todo mundo seja chata também.
Tas: Nos Estados Unidos, essa febre de processos já passou. No Brasil, como a Justiça não funcionava, ninguém processava ninguém. Agora a Justiça ameaçou funcionar e as pessoas começaram a processar. Elas pensam: “De repente ganho uma grana com isso”.

Quantos processos você tem nas costas?
Tas: Vários, mas menos do que quando começou o programa. É um jogo, um Banco Imobiliário do Judiciário. Quase todos os candidatos processam o CQC. Por quê? Para evitar que na campanha eleitoral a gente faça uma perguntinha mais pontiaguda para ele. Isso ocorreu muito na eleição de 2008. Na de 2010 diminuiu e na de 2012, se não me engano, não houve nenhum.

Já perderam processos na Justiça?
Tas: O CQC nunca foi condenado. Pelo contrário, ganhamos vários.

“Somos todos seres humanos precários, fingindo não ser mais macacos. O humor é quando você ri dessa precariedade. Temos que estar abertos para isso”

É mais difícil fazer humor hoje?
Meirelles: É, porque você faz uma piadinha com o mágico e vai parar no tribunal por causa disso. Na época do Varela, a gente chutava a canela sem medo. Éramos sempre respeitosos, nunca xingamos ninguém, mas era possível ser contundente e não tinha nenhum advogado ligando no dia seguinte. Hoje é tudo mais cerceado. Se tivesse que pagar todos os direitos autorais, a gente não teria feito nada. Nós pegávamos um filme do Batman, copiávamos e colocávamos no ar. Não tinha que falar nada com ninguém. Ou eu filmava o cara na rua e pronto. Não tinha que levar papelzinho com autorização para assinar.
Tas: Éramos fora da lei. Para publicar esse DVD do Varela eu estou sofrendo. A gente pegava um disco dos Rolling Stones e botava na trilha. Agora tenho que ver quantos segundos tem, se aquilo está caracterizado como uma exploração do fonograma X. Cada caso será analisado e, nos mais radicais, vamos ter que criar uma trilha nova e reinserir.

O que mudou e o que continua igual na política brasileira nos últimos 30 anos?
Meirelles: Não tenho dúvida de que hoje há mais liberdade e democracia. Mas a gente sedimentou essa coisa da troca de favor, do político de aluguel. Isso sempre existiu, mas era disfarçado.
Tas: Na época da ditadura, a gente tinha uma identificação com a esquerda porque era quem estava lutando contra o regime militar. A minha decepção é que hoje essa esquerda continua vivendo naquela época, em que ou você é amigo ou é inimigo. E o mundo não é mais assim. Muitas pessoas olham o CQC com preconceito. O cara não admite que a gente possa criticar o Lula. Se você discorda dele, recebe um carimbo de que é tucano. Eu acredito que podemos ter uma interlocução com todas as forças da sociedade. Essa é a falha trágica do momento atual. A pessoa não quer conviver com quem ela discorda. Se é evangélico, não quer conviver com os gays. E vice-versa. Assim como os gays criticam o Marco Feliciano [presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias na Câmara], os gays têm preconceito em relação aos evangélicos. Acham que todo pastor é pilantra e todo evangélico é boboca. E não é. A gente tem que perceber que todos nós somos seres humanos precários, fingindo que não somos mais macacos. O humor é o momento em que você ri dessa precariedade. E nós temos que estar abertos para isso: rir dos outros e de nós mesmos.

Rafael Cortez

$
0
0


Divulgação

Rafael Cortez

Rafael Cortez

Rafael Cortez é músico, jornalista, ator, humorista e atualmente apresenta o programa de televisão Got Talent Brasil, na Rede Record. Paulistano, ele se formou em jornalismo pela PUC e, antes de garimpar talentos na televisão, trabalhou como organizador de festa infantil, ator de teatro, produtor de circo, assessor parlamentar e redator de notícias para celular. A carreira televisiva começou em 2008, no programa CQC, da Band, onde ele foi repórter durante cinco anos.

O papo desta semana no Trip FM é com esse multi-homem que, em paralelo ao trabalho na televisão, apresenta aindo o show de humor “De Tudo um Pouco” e se dedica (e muito) a uma carreira musical: o cara é um violonista clássico de mão cheia e lançou em 2011 o disco instrumental Elegia da Alma.

O Trip FM vai ao ar na grande São Paulo às sextas às 20h, com reprise às terças às 23h pela Rádio Eldorado Brasil 3000, 107,3MHz

Descaminhos

$
0
0


Reprodução

Editora digital Descaminhos

Editora digital Descaminhos

A escritora Patrícia Galvão (1910-1962), a Pagu, já foi personagem de minissérie da Globo e “mais macho que muito homem” numa música-homenagem de Rita Lee e Zélia Duncan. Musa dos modernistas brasileiros, casou-se com Oswald de Andrade, que deu um pé na bunda da pintora Tarsila do Amaral por ela. Ao lado do poeta, lançou em 1931 o pasquim político O Homem do Povo. Quando o jornal definiu a Faculdade de Direito da USP como um dos dois “cancros de São Paulo” (ao lado do café), e alguns estudantes depredaram a sede na praça da Sé, ela revidou com unhadas e até tiros de revólver, segundo o noticiário da época. Irreverente, foi presa mais de 20 vezes ao longo da vida, por motivações políticas.

Pagu é, enfim, o que a agente literária Leda Cintra define como “midiática”. É também símbolo de uma indústria cada vez mais empoeirada. “Ela sempre chama atenção da mídia, mas não vende. Ou vende pouquíssimo”, lamenta. Segundo Leda, 3.000 exemplares de um livro da escritora (média da tiragem inicial no Brasil) “só com muita dificuldade esgotam”. A título de comparação: O Código da Vinci, de Dan Brown, vendeu 1,8 milhão de cópias no mercado nacional.

Se a coisa está feia para Pagu, imagina para tantos outros autores brasileiros bem menos pop. Dois amigos, Leda e o historiador André Caramuru, foram além de imaginar: resolveram fazer algo a respeito. Daí nasceu a editora digital Descaminhos, que será lançada nesta terça-feira (28), na Livraria da Vila, em São Paulo.

O projeto estreia na Amazon, gigante das publicações on-line, com a obra completa de autores prestigiados, mas desaparecidos das prateleiras. Entre eles, a própria Pagu, seu último marido, o escritor Geraldo Ferraz (190-1979), e o dramaturgo Jorge Andrade (1922-1984) – que terá comercializados, além de textos inéditos, trabalhos feitos para a revista Realidade e crônicas publicadas na Folha de S.Paulo. Escritores contemporâneos também entrarão no catálogo da Descaminhos.

“A gente não está preocupado com vendagens, e sim em deixar os livros à disposição do leitor. Pode vender três, quatro cópias por ano. Ao menos está lá. Há títulos de Pagu e de Jorge Andrade que você não encontra mais”, afirma Caramuru, que é colunista da Trip e que também terá obras suas à venda na editora.

Reprodução

Patrícia Galvão, a escritora Pagu

Patrícia Galvão, a escritora Pagu

Leda o representava no mercado editorial “e vinha sofrendo muito para que nós, autores representados por ela, furássemos a barreira”, diz. Isso porque Caramuru era um “novato”. A agente literária lembra que muitos bambas penam com o ostracismo. O paulista Raduan Nassar, de Lavoura Arcaica (1975) e Um Copo de Cólera (1978), é presença frequente na lista dos melhores autores brasileiros do século XX. “Mas desistiu da literatura quando viu uma pilha de livros dele tomando chuva num sebo”, diz a amiga Leda. Recluso, o escritor de 77 anos vive hoje num sítio em Pindorama (SP), sua cidade natal. Seu último conto inédito foi publicado em 1997, na coletânea Menina a Caminho.

Matemática

O problema do mercado literário, para Caramuru, é que a conta não fecha. Exemplo: ele estava atrás do livro Past Imperfect – French Intellectuals, 1944-1956, do colega inglês Tony Judt (1948-2010). Acabou topando com um passado imperfeito à parte: para comprar a cópia de capa dura do título, lançado em 1992, precisaria desembolsar US$ 44. Com a mesma quantia, daria para adquirir quatro versões digitais da mesma obra, a US$ 10 cada – e ainda sobrava troco para um ou dois chopinhos.

Caramuru entusiasma-se fácil ao falar da novas tecnologias aplicadas à literatura. Se deixar, dá um relatório completo das vantagens do e-book, o livro adaptado para tablets. Ao mesmo tempo, o ontem lhe interessa e muito, como os vários autores fora de catálogo e de moda.

Há vários argumentos contra e a favor das literaturas digital e em papel. Livro não dá pane elétrica, não cansa a vista e fica bonito na prateleira ou embaixo do sovaco, dizem aqueles que ainda não querem virar a página da leitura impressa. Dá para carregar centenas de e-books num tablet de 240 gramas, e os preços são bem mais em conta, rebatem os defensores da digitalização.

O lance é que, para as editoras, imprimir obras físicas é sempre um risco. “Custa muito dinheiro. Por isso, estão cada vez mais apostando em títulos certos”, afirma Caramuru. “A gente nunca entende quando um autor venderá, nem os editores entendem, e é por isso eles têm tanto medo”, completa Leda. O fenômeno se repete em outros segmentos da indústria cultural. Não à toa os estúdios de Hollywood preferem torrar milhões em sequências do Homem de Ferro, uma aposta relativamente segura de retorno financeiro, do que garimpar entre novos cineastas.

A Descaminhos, segundo seus sócios, seria uma trilha alternativa para um autor ser publicado, a custos bem mais baixos – um e-book será vendido por R$ 9,99 num primeiro momento. Ao autor serão repassados 50% desse valor, enquanto as grandes editoras costumam remunerá-los com 10% do preço da obra (uma fatia que muitas vezes ainda precisa ser dividida com o ilustrador).

Se o e-book está no descaminho certo? Leda lembra de uma máxima de Esdras de Nascimento, piauiense de 79 anos e um dos escritores publicados pela editora digital: “Não teremos mais ácaro, poeira e fungos”. Pergunte ao pó.

Vai láwww.facebook.com/Editora-Descaminhos

Marcelo D2

$
0
0


divulgação

Marcelo D2

Marcelo D2

Ele é um dos principais nomes do hip-hop nacional e um pioneiro da discussão sobre a regulamentação da maconha no Brasil. Carioca, sua trajetória na música começa no grupo Planet Hemp, com quem lançou em 95 o disco de estreia da banda, o Usuário. Três anos depois, em 98, ele lançou seu primeiro disco solo, o Eu Tiro é Onda, disco que evidenciou uma característica marcante do seu trabalho, a maestria com que ele mistura ao rap sonoridades tipicamente brasileiras, como o samba.

"A música é uma conversa e é muito bom conversar com todos. Gente mais nova, mais velha, de diferentes estilos...O que mais me fascina na música é isso, misturar ritmos"

O papo desta semana é com o Marcelo Maldonado Gomes Peixoto, mais conhecido como Marcelo D2, que está lançando seu quinto álbum solo, o Nada Pode Me Parar.

O Trip FM vai ao ar na grande São Paulo às sextas às 20h, com reprise às terças às 23h pela Rádio Eldorado Brasil 3000, 107,3MHz

Carioca no TripTV #28

$
0
0


O TRIP TV desta semana traz uma conversa franca com o humorista Carioca, do programa Pânico. Um dos mais talentosos imitadores da atualidade, Carioca revela detalhes sobre seu processo de criação e afirma: "A minha arte é de enganar mesmo e te convencer de que eu sou aquela outra pessoa. Às vezes, até eu acredito que sou".
--
Esse vídeo é parte integrante do programa TripTV #28
Veja na íntegra aqui: http://www.youtube.com/watch?v=nIMj4IQ146U
--
TRIP TV, o programa semanal da TRIP, vai ao ar pela Mix TV
todos os sábados, às 23h, com reprises às terças, às 23h30, e quintas, às 23h45
Saiba mais: http://revistatrip.uol.com.br/trip-tv

Fábio Porchat

$
0
0


Trip FM

Fabio Porchat

Fabio Porchat

Fábio Porchat é, seguramente, um dos maiores fenômenos do humor nacional da atualidade. Carioca criado em São Paulo, foi seu talento, sua cara de pau e uma “invasão” ao Programa do Jô que lhe renderam um convite para trabalhar como roteirista da Rede Globo.

 

"Já fiz stand up para ninguém"

 

Passou pelo Zorra Total, Junto e Misturado, Esquenta e, atualmente, integra o elenco fixo do seriado A Grande Família. Mas, por mais improvável que possa parecer, foi a internet que o elevou à condição de astro. Junto com um grupo de amigos, entre eles Antonio Tabet, capa da revista Trip de maio, ele é um dos fundadores do Porta dos Fundos, produtora de vídeos que tem consolidado a tese de que a televisão do futuro é mesmo a internet.

Além do trabalho com o Porta dos Fundos e com o seriado A Grande Família, ainda encontra tempo para participar de produções para o cinema, como o filme Vai que Dá Certo, e também para escrever uma coluna semanal no jornal O Estado de S. Paulo.

Marcelo D2: na lata, mas com dó

$
0
0


Marcelo D2 mostra a foto de Chico Science que postara em seu perfil no Instagram, o telefone toca. Era a mulher, se despedindo rumo a uma viagem para a Flórida. Pede que a produtora compre água. A voz rouca dá sinais do show do dia anterior tal como apareceu em 2010, na gravação do álbum com a obra de Bezerra, no qual cantava. Aponta, no computador, a plantação de maconha de uma amiga que serviu de locação para um dos clipes gravados na Califórnia. Um canal de televisão ainda gravaria um mini-documentário e a equipe aguardava pacientemente a nossa entrevista terminar. Os fãs-clientes passavam na porta fechada da loja récem-inaugurada onde fazia sua agenda de imprensa, apontavam para D2, de costas pro vidro. Um manequim às avessas. À venda, mas nem tanto.

Pacientemente, cita o nome de um dos convidados seu novo álbum, Nada pode me parar. Explicativo, diz não só o nome (na verdade, um apelido, Batoré), mas também o grupo original do convidado, Cone Crew Diretoria. Sacio minha curiosidade. “Ah, cara, não, é muito jovem pra mim”, diz, rindo nervoso, aceitando a provocação que faço sobre com qual frequência ele ouve o grupo emergente do rap carioca e da temática cannabis. Coincidência ou renovação natural, o mesmo trilho que D2, junto com seu tutor Skunk, pegou no começo dos anos 90 com a invenção do Planet Hemp. “Mas ao vivo eu gosto, acho legal. Ganho boné, casaco, os moleques lá de casa adoram. Na verdade, eu escuto Cone Crew pra c... por causa deles”, retoma talvez arrendido da declaração anterior. Hoje, Marcelo está a cinco anos de distância de completar 50 anos. O visual street chic não permite essa informação em imagem explícita. Mas a tranquilidade de D2 ao falar uma ou outra coisa mais polêmica, sim. Não é mais o da “lata e sem dó” de “Queimando Tudo”. Suas letras cada vez mais são auto-referenciais.

Até chegar a 2013 e largar um pouco do samba, o rapper já havia largado a ex-banda, seus parceiros B Negão e Black Alien e até os quase-ídolos Racionais MCs. O bode bateu até mesmo com o gênero no qual ele e seu álbum mais recente se enquadram. "'É culpa do governo, é culpa do sistema’. A coisa é maior do que isso. ‘O rap tem que salvar o mundo’. Desculpa, mas não vai ser o rap que vai ajudar nisso, não”, diz sério, sentado no sofá da loja itinerante que carrega seu nome e rosto impresso em skates e brindes promocionais e que está estacionada na Galeria Ouro Fino, do lado oposto da Rua Augusta que abrigou as últimas revelações do rap paulista. “Mas eu acho ótima essa nova fase do rap daqui, sabe qual é, que não precisa mais seguir aquela bíblia, o procedê. De repente, nem é culpa dos Racionais. Mas tinha que ter o carimbo, pedir benção”, diz fazendo menção aos contrapontos Emicida e Criolo.

 

"Quando fui no Faustão, e até hoje neguinho fala ‘pô, cara, tu foi no Faustão, tá vendido’, é desse desconforto que eu gosto"

 

Em 2013, o álbum À Procura da Batida Perfeita e a carreira de D2 fazem aniversário: 10 e 20 anos respectivamente. O novo álbum tem quase nada daquilo que consagrou o disco de 2003. “Deve ser porque eu tô velho”, diz encontrando o culpado novamente. À época, o hit era “Qual É”, híbrido de rock, samba e rap. “Demorou um ano pra tocar direito nas rádios”, relembra citando o loteamento das rádios brasileiras. Mas tocou e gerou desconforto. Não nos ouvintes, mas nos Racionais MCs. “Resolvemos, nem me lembra disso”, reclama desgostoso e desleixado quando menciono as ameaças (físicas, inclusive) que teria sofrido do maior grupo do gênero no país, dono de “Voz Ativa”, e que é mencionada (“uma homenagem”, conserta) por D2 nas primeiras estrofes do hit. Antes disso, o riso era menos evasivo quando viu que eu fingia anotar com muita ênfase a sua reclamação de que a loja “serve mais pros amigos beberem do que pra ganhar dinheiro”. “Jornalista da Folha que é assim. Você fala um negócio e pronto. Uma vez disse ‘foda-se o Caetano’, tá ligado? Mas para mudar do assunto que o repórter tava insistindo em relembrar [D2 foi chamado de ‘zé mané’ por Paula Lavigne, então mulher de Caetano, nos bastidores do Video Music Brasil de 2000 após ter furado um compromisso de gravação com Caetano e o rapper disparou contra o cantor em seguidas entrevistas]. Daí, já viu, né?”.

Yuri de Castro

Marcelo D2

Marcelo D2

Marcelo costuma respeitar outros nomes da MPB. Fala de Chico Science, de como se assustou com o hardcore do mangue ao vê-lo pela primeira vez na TV, no “Programa Livre”, de Serginho Groismann, no SBT. “Quero uma carreira sólida como as de Jorge Ben, Tim Maia... Sabe quem eu admiro muito? A Marisa Monte. Não participa de movimento, de onda, de hit do verão, tá ligado?”. Voltando da Califórnia, onde gravou os clipes de cada música do novo álbum, ganhou SMS elogioso de Maria Rita. Se sente bem no mainstream. “Quando fui no Faustão, e até hoje neguinho fala ‘pô, cara, tu foi no Faustão, tá vendido’, é desse desconforto que eu gosto. Me sinto confortável desconfortando as pessoas. ‘Não, o rap não pode ir no Faustão’ [imita um hater de voz fina]. Gosto de ir na Globo. Faz parte do jogo”, afirma. 

Mesmo assim, D2 parece menos disposto pra jogar do que há 10 anos. Depois de À procura..., lançou mais três álbuns que não repetiram o barulho da primeira mistura de samba e rap. Abandonou um deles, Meu Samba É Assim (“o boi só engorda aos olhos do dono. Viajei na época do lançamento. Fiz uma grande cagada”), mudou de gravadora no outro e homenageou o ídolo e amigo Bezerra da Silva. Sugere estar fluindo naturalmente pelas águas do mercado. Apesar disso, não parece tão fora de cena. Nesse meio tempo, cravou o hit “Desabafo” com o produtor Navebeatz (que viria a produzir quase-sucessos de Emicida e Karol Conká), colou com o Cone Crew, lotou casas de shows com a volta do Planet Hemp, se aproximou da obra de Miles Davis e de figurões como Aloe Blacc e Like (do pouco conhecido Pac Div, trio de rap californiano). Além disso, quer fazer funk um dia. “Eu fiquei impressionado como o funk tá forte aqui em SP... E como tem funk ruim pra c... Não só aqui, no Rio também. Sei lá. De vez em quando me dá vontade de fazer um disco de funk. Acho que vou fazer um disco com o Catra”, especula meio-sério, meio-jocoso.

 

“Já vinhamos lotando todos os shows, não íamos aceitar tocar pra 200 pessoas no sol” [sobre o festival Lollapalooza]

 

Quando fala da banda, o ânimo muda. Cita ter voltado a falar com BNegão (“não é como antes”, ele explica. “Mas a gente conversa por mensagem”), é marrento ao lembrar da condição de headliner no festival Lollapalooza (“já vinhamos lotando todos os shows, não íamos aceitar tocar pra 200 pessoas no sol”) e dá outra versão sobre o porquê de Gustavo Black Alien não ter voltado aos palcos com o Planet. Black Alien disse não mais se alinhar com o discurso da banda. “O poeta é bobão, ele escreve por ideologia, não quer saber de grana. Eu sou esse cara aí”, disse em entrevista ao Globo. “Mas ele toca com o Cone Crew, né?”, rebate D2. “O Gustavo, cara, ele é maluco. Não leva muito a sério o que ele fala [risos]. O que eu sei é que ele quis mais grana do que nós poderíamos dar. Tava todo mundo ganhando igual e tiramos a proposta. Resolvemos chamar pra, sei lá, [tirar o] peso na consciência e porra... Ele não quis”, revela para abrandar a situação logo depois. “Mas tá tudo certo. É o que mais brigo e com quem eu mais falo. A gente sempre resolve na hora, sacoé?”.

A entrevista acaba, deixo pra trás meu caderno. “Isso aqui é seu? Depois eu que esqueço das coisas”, se diverte fazendo chacota com a distração careta do repórter. Quando o Planet Hemp acabou, a vontade era não voltar à estaca zero (“vou fazer o que? Virar camelô de novo?”). Em 2010, D2 tinha receio de falar de maconha depois de tanto tempo pregando a causa. Naquele tempo, hesitava ainda sobre uma possível volta do Planet Hemp. Hoje, D2 gasta a energia que sobra fugindo de qualquer polêmica na imprensa que precise de seu aval de maconheiro popstar. “Minha meta tem sido provar que não sou mais um rostinho bonito na música brasileira, que eu tenho talento também. Tô cansado de neguinho explorar minha beleza” [risos]

Vai lá: www.facebook.com/marcelodedois // Instagram @sinistro67

(*) Yuri de Castro é jornalista e é um dos editores do site Fita Bruta


Danielle Dahoui e Felipe Andreoli

$
0
0


Neste Trip FM conversamos sobre violência e manifestações populares com Danielle Dahoui, chef de cozinha e proprietária do restaurante Ruella, e com o jornalista e repórter do CQC Felipe Andreoli.

Muita gente acompanhou pelo noticiário e pelos jornais que o restaurante de Dahoui foi mais um estabelecimento vítima dos constantes arrastões que vem acontecendo em São Paulo, seja nas avenidas congestionadas, nos restaurantes do Jardins e até nos botecos da periferia. Coincidentemente, Andreoli estava no restaurante de Dahoui.

Vamos conversar com os dois sobre a ineficiência da policia, sobre o descaso dos governantes e, claro, sobre as recentes manifestações populares, seja pela descriminalização da maconha, pelo fim da violência contra as mulheres ou pelo passe livre no transporte público.

William Ury

$
0
0


Kiko Ferrite

Movido por uma questão que o persegue desde sempre – como aprender a viver junto? –, o antropólogo William Ury se transformou em um dos mais requisitados mediadores de conflitos do mundo, desarmando bombas de ódio tanto na política internacional como nas relações entre empresas, famílias e indivíduos

William Ury era um menino de 9 anos de idade quando a Guerra Fria, instaurada entre o governo do seu país, os Estados Unidos, e o da extinta União Soviética, chegava a um de seus capítulos mais tensos. Era 1962 e a corrida armamentista entre as duas superpotências de então tinha atingido proporções tão delirantes que ambos os lados tinham o poder de destruir o planeta inteiro com um ataque nuclear. Naquele ano, o episódio que ficou conhecido como a crise dos mísseis em Cuba – país que abrigava o arsenal soviético estrategicamente apontado para o território inimigo – colocou no imaginário coletivo o temor de que, em um simples apertar de botão, a humanidade poderia chegar ao fim.

Ury estudava na Suíça nessa época, mas o fantasma da guerra nuclear que assombrou sua geração sempre esteve vivo em sua cabeça. Mais do que isso, foi uma das razões que o levaram a se dedicar à área em que hoje ele é um dos nomes mais proeminentes: a mediação de conflitos. Antropólogo formado pela Universidade de Yale e pós-graduado em Harvard – da qual é diretor do Global Negociation Project –, ele passou os últimos 35 anos envolvido em negociações tão encrencadas quanto o conflito entre a Rússia e a Chechênia, a guerra civil que desintegrou a ex-Iugoslávia, o apartheid na África do Sul, a crise entre o presidente venezuelano Hugo Chávez e a oposição que tentou lhe tomar o poder, e muitas outras.

Fora da política internacional, Ury também ganhou prestígio ao mediar negociações relacionadas ao mundo dos negócios, especialmente de empresas familiares ou que passaram por fusões, situações invariavelmente cobertas de conflitos. Por conta de experiências tão diversas, não é incomum que lhe perguntem quais as negociações mais difíceis e dolorosa: as que acontecem entre partes que não se conhecem (como países ou corporações com interesses divergentes) ou as que se dão entre pessoas que são próximas (como irmãos discutindo o futuro de um negócio criado pelo pai). Ele responde sem hesitar: é muito mais complicado resolver as questões que envolvem pessoas que cresceram juntas ou que têm o amor e a amizade como componentes do relacionamento.

 

"O Brasil tem essa habilidade de dissolver limites. Há um talento para convivência, algo que o munto inteiro precisa aprender"

 

Nascido em Chicago, criado em San Francisco, estudante por muitos anos na região de Boston e com andanças pelos cantos mais diversos do mundo – incluindo aí os tempos de escola suíça e suas vivências como antropólogo com nativos guerreiros da Nova Guiné, com o povo Semai, na Malásia, entre outros –, Ury cumpria sua agenda de cidadão global quando fez a mais recente passagem por São Paulo, no início de maio, para apresentar a palestra “Como negociar com eficiência com os membros da família”. Vinha do Chile, onde também ministrou a palestra, e seguiu para a Colômbia, onde está envolvido atualmente em tentativas de acordos relacionadas às Farc, as forças revolucionárias que aterrorizam aquele país há décadas. As incontáveis viagens fazem com que ele valorize ainda mais o porto seguro – a casa em meio às montanhas da cidade de Boulder, no Colorado, onde vive com a mulher, uma brasileira, e três filhos.

Outro ponto do globo pelo qual passa frequentemente é o Oriente Médio, região onde está um dos conflitos que especialistas (e leigos) do mundo todo consideram insolúvel. Para ele, não é. Na opinião de Ury, também parecia impensável logo depois da Segunda Guerra Mundial que um dia pudesse existir algo como a União Europeia, em que estados como França e Alemanha, inimigos históricos, se tornaram aliados. Ou que um terrorista do IRA, o Exército Republicano Irlandês, pudesse entrar em harmonia com os líderes protestantes que costumava atacar literalmente com ferro e fogo – o que, de fato, aconteceu há poucos anos.

Para Ury, há esperança de paz na Palestina e um dos caminhos é uma aposta na integração cultural dos povos daquela região. Foi com essa inspiração que ele criou, em 2006, o Caminho de Abraão, espécie de peregrinação que passa por diversos países em conflito e que já foi percorrido por 4 mil turistas com disposição não só para conhecer a história do berço das três maiores religiões monoteístas do mundo – o cristianismo, o judaísmo e o islamismo –, mas também para espalhar um ideal de pacificação e união entre povos hoje tidos como inimigos.

Apaixonado pelo Brasil, lugar que, segundo ele, tem muito a ensinar ao mundo sobre como lidar com a diversidade, o autor de best-sellers como Como chegar ao sim, Supere o não e o recém-lançado em português O poder do não positivo, que somam milhões de exemplares vendidos mundo afora, completa 60 anos em setembro. Ele recebeu a equipe da Trip em uma noite de domingo e falou não apenas das missões internacionais das quais participou, tão variadas quanto espinhosas, mas também da arena delicada e profunda em que são travadas batalhas diárias, em qualquer lugar do mundo onde houver mais de um ser humano convivendo: a família – e, mais especificamente, os relacionamentos afetivos. William Ury se tornou especialista nesse campo porque uma mesma pergunta o guia desde sempre, esteja ele em um gabinete de governo, em uma sala entre conselheiros de uma empresa ou discutindo com a filha adolescente: como aprender a viver junto?

 

"Tornou-se cada vez mais fácil ser destrutivo"

 

Quando você percebeu que tinha habilidade como negociador na vida? Já me fiz essa pergunta muitas vezes na vida [risos]. Há duas coisas que, acho, me predispuseram a isso: uma é que quando eu tinha 5 ou 6 anos nos mudamos para a Suíça, onde passei anos. E, frequentando uma escola internacional, meus primeiros companheiros eram gente do Líbano, Irã... havia estudantes de tantas partes do mundo que aprendi a lidar com a diversidade. A segunda coisa é que nas brigas em casa, quando meus pais discutiam, eu sempre assumia um papel de mediador.

Era algo natural pra você. Sim, acho que desde o começo eu já fazia a pergunta que se tornou minha paixão: como aprender a viver junto? Na adolescência, em plena Guerra Fria, vivíamos em alerta nos Estados Unidos. Estávamos preparados para, a qualquer momento louco, alguém acordar em Moscou e simplesmente dizer “este é o dia”, e então não haveria futuro. Isso nunca fez o menor sentido pra mim. Por que destruir o mundo? Foi mais uma coisa que me motivou a ir por esse caminho.

Por que antropologia? Em parte porque eu queria entender a natureza humana, a evolução da humanidade, e este momento particular na evolução, em que o gênio humano e as tecnologias criadas por ele podem ser usadas para destruição em massa. Tornou-se cada vez mais fácil ser destrutivo. A escolha é entre isto: a destruição e a nossa habilidade para nos desenvolvermos psicologicamente, emocionalmente, socialmente, espiritualmente.

O Brasil tem sido descrito como bem preparado para lidar com a diversidade. Qual sua impressão sobre a personalidade do país? Toda cultura tem seus pontos fortes, e um dos mais relevantes no Brasil é essa habilidade de dissolver limites. O termo “brasilidade” define essa habilidade de integrar de maneira natural, que flui. Tudo flui no Brasil, a música, até o jeito de as pessoas dirigirem ou jogarem futebol, em tudo há esse “dar um jeito”. Aqui há integração entre árabes e judeus. Há um talento para a convivência, algo que o mundo inteiro precisa aprender agora.

 

"Sim, a guerra faz parte da nossa natureza, mas tão potente quanto ela é a cooperação"

 

Você não percebe essas características em outros lugares? Há lugares semelhantes, mas não como o Brasil. Você até sente essa mistura em Manhattan,... mas o Brasil tem uma ligação com o coração, vejo aqui características mais femininas, receptividade, aceitação, sensualidade. Por isso o mundo todo adora os brasileiros. Um americano no Oriente Médio não desperta nenhuma reação calorosa, mas se a pessoa diz que é do Brasil há uma festa.

Ouço da minha filha de 7 anos perguntas como “o que é guerra?”, “por que as pessoas brigam?”. Difíceis de responder, não? Sim, eu faço as mesmas perguntas! Vi de perto muitos lugares em guerra e em todos eles me perguntei: por que as pessoas brigam? A resposta que arrisco é que elas brigam porque estão sofrendo. Quando há dor, geralmente associada a humilhação, a um sentimento de exclusão, elas se defendem. Quase todas as pessoas com quem você conversar numa disputa dirão que não estão atacando: elas dizem que estão se defendendo. Mesmo se estão atacando. Todo mundo tem essa construção interna de que tem a razão, de que está certo.

Quando um indivíduo entra numa briga, geralmente já criou uma história na cabeça. Quando eu trabalhava no conflito entre Estados Unidos e União Soviética, sempre ouvia: “Vamos brigar para sempre, é da natureza humana”. Mas, mergulhando na antropologia da guerra, passando algum tempo com sociedades muito simples, como os bosquímanos na África do Sul, os Semai na Malásia ou os guerreiros da Nova Guiné, descobri que, sim, a guerra faz parte da nossa natureza, mas tão potente quanto ela é a cooperação. Não somos guiados por genes que nos levam a inevitáveis disputas. Os suecos têm origem viking e são criaturas pacíficas. As guerras que já aconteceram entre franceses e alemães não impediram que hoje eles sejam aliados. A natureza humana é maleável.

Gostaria que você falasse sobre dinheiro, a energia em torno dessa ideia. As pessoas querem sempre mais, parecem nunca estar satisfeitas. Em negociações, muito frequentemente as pessoas estão brigando por dinheiro. E minha pergunta é: dinheiro para quê? Você não leva dinheiro com você quando a vida acabar, então qual o objetivo de querer mais e mais? Tenho visto muitas pessoas com grandes fortunas descobrindo que dividir o que têm traz mais resultados. Tenho um amigo em Nova York que era um bem-sucedido empresário da noite, com muito dinheiro, namorando as mais belas modelos, e durante um Natal em Punta del Este – grandes casas, aviões particulares – ele se sentiu desesperadamente infeliz. Foi trabalhar como fotógrafo voluntário num navio que provia serviços médicos na costa da Libéria. Acabou levantando fundos para construção de poços na África. O que ele diz é que se sentiu tão mais realizado... O dinheiro, muitas vezes, é uma ilusão.

Você está no Brasil para uma palestra sobre conflitos em empresas familiares. Conflitos em família são os mais difíceis que existem? Muitas vezes me perguntam o que é mais desafiador: conflitos em que as partes se conhecem ou entre estranhos? Respondo que a mais difícil negociação é entre pessoas que são próximas. Quando você soma as dinâmicas de um negócio, uma empresa, às dinâmicas internas de uma família, as questões do negócio – quem deve ser promovido, quem será o CEO etc. – se misturam a sentimentos do tipo “você sempre foi o preferido da mamãe”. É extremamente difícil mediar negócios em família. E, se você olhar para a política internacional, as guerras mais comuns hoje não são entre estados-nações: são conflitos internos.

O adversário está dentro de casa. Exatamente. Depois de 35 anos trabalhando nesse campo, vejo que a maior barreira para o sucesso de uma negociação não é o outro – “como é difícil tal pessoa, tal chefe, tal governante”. A grande barreira somos nós mesmos, e isso está ligado à tendência humana à reação. Só enxergamos a necessidade de brigar pelas coisas.

Qual sua experiência com conflitos entre casais? Quais as diferenças de sentimentos numa disputa entre um casal e uma negociação com adversários externos? Quando lidamos com uma situação de negócios, as bases são dinheiro, poder, prestígio, mas entre um casal a conversa tende a tocar em dores profundas, como a ideia de rejeição. Quanto mais você conhece aquela pessoa, quanto mais investiu naquele relacionamento, mais vulnerável fica à perda. Seu senso de identidade mudou: você é o casal. Vocês formaram família, vivem juntos, sua identidade está atrelada ao outro. As disputas nos negócios estão frequentemente relacionadas a uma diferença de interesses, mas a identidade é a camada mais profunda de um indivíduo, então a dor é muito maior quando isso está em discussão.

Um importante psicanalista brasileiro diz que homens e mulheres falam idiomas muito diferentes. Ele usa exemplos engraçados: quando um homem diz “que tal você pegar um táxi?”, querendo ser prático, a mulher pode entender como “eu rejeito você com toda a minha força”. O que você sabe sobre essas duas línguas tão diferentes? Há muito mal-entendido porque em geral as pessoas supõem que estão sendo claras, mas em comunicação nem sempre isso acontece: a outra pessoa pode não entender nada do que estamos falando. Para mim, a maior habilidade em negociação, ou melhor, na vida, é aprender a ouvir. Em geral achamos que estamos ouvindo, mas não estamos. Quando eu fiz parte de um grupo de pesquisadores reunidos para entender a crise dos mísseis em Cuba, que nos deixou muito perto de uma guerra nuclear, ficou claro que nenhum dos lados, russos e americanos, tinha ideia do que o outro estava dizendo. É a mesma coisa nos relacionamentos entre homens e mulheres.

E quem tem mais habilidade de ouvir, homens ou mulheres? Eu diria que em geral as mulheres tendem a ser melhores ouvintes e têm mais das características necessárias ao modelo mais moderno de gestão, em que ouvir e colaborar têm mais espaço do que a competição no estilo “macho”. Mas claro que ambos podem aprender a ouvir melhor. Acho que deveria haver cursos sobre isso nas escolas. Da mesma forma que aprendem geografia, as crianças deveriam ter aulas sobre ouvir. Porque não é exatamente fácil.

 

"É positivo para a paz que haja mais mulheres no poder"

 

O fato de haver mais mulheres no poder, negociando, muda seu trabalho? Está mudando. O mundo esteve em desequilíbrio por muito tempo, no que se refere a homens e mulheres, mas estamos na era em que as coisas estão se reequilibrando. Não quero dizer que ter mulheres negociando é por si o que torna tudo mais fácil – Margaret Thatcher foi uma das pessoas mais difíceis do mundo –, mas é uma tendência positiva, inclusive para a paz no mundo, que haja mais mulheres no poder.

No ano passado a Trip teve a chance de juntar o empresário Abílio Diniz e o lama Michel Rinpoche. De um lado, um homem muito rico de 76 anos, um sujeito forte, em meio a um enorme conflito nos negócios; do outro, um brasileiro de 33 anos que se tornou lama. E o lama, em certo momento, veio com esta definição: na maioria das vezes, para ganhar você precisa perder antes. Faz sentido, ainda que pareça paradoxal. Falando de mulheres e homens: quem é o vencedor em um casamento? É uma pergunta que não faz sentido de verdade, certo? Nos negócios, idem: quem está ganhando, você ou o cliente? Não é essa a pergunta. Se você for flexível, aprender a ouvir e ceder, vai ter melhores resultados. Há estudos sobre isto: pessoas que cedem mais ganham mais. Há a ideia de que é mais forte quem impõe e que só os fracos negociam. Mas uma nova lógica está mudando essa mentalidade.

Você vê o mundo progredindo nesse sentido ou estamos estagnados? Pode haver momentos de estagnação, mas é nesses momentos que somos obrigados a avaliar se algo não funciona, e vamos atrás de algo melhor. Estamos sendo forçados a superar o modelo em que as decisões ficam com quem está no topo e o resto das pessoas simplesmente obedece. As decisões hoje não são mais de uma figura que detém o conhecimento e o poder. Para mim, a revolução que precisa acontecer é a “revolução do nós”, em substituição à sociedade do eu, em que as necessidades individuais – o que eu preciso, o que eu desejo comprar etc. – se sobrepõem ao resto do mundo. É a hora de refletir: é possível um mundo em que todo ser humano tenha dignidade? Para os que veem nisso uma utopia, eu respondo como antropólogo: somos macacos que viviam em árvores e sobrevivemos ao longo do tempo aprendendo a nos comunicar, a cooperar. Por que não poderíamos aprender isso, a viver junto?

Como tudo isso se manifesta na sua vida pessoal? Você nunca briga? Bom, eu tenho uma filha de 15 anos que tem certeza de que me tem na palma da mão! E provavelmente é isso mesmo [risos]. Muitas vezes desisto de qualquer negociação e faço o que ela quer. Mas em geral tudo o que aprendi me ajuda na vida. Sempre aplico o que aprendi a cada negociação em situações diversas. Não estou dizendo que minha vida seja perfeita nesse aspecto, mas estou aberto a aprender.

Alguma vez já se envolveu em uma briga física? Sim... provavelmente na escola. Na Suíça estudei em colégio para meninos, então era preciso lutar pela sobrevivência. Mas faz muito tempo. Uma coisa que se aprende é a observar a si mesmo. A metáfora que gosto de usar sobre negociações é “imagine que você se afasta e vai para uma sacada, um lugar de calma, onde você assiste à situação de outra perspectiva”. É importante desenvolver essa capacidade de recuar e se perguntar: o que é realmente importante aqui? Meu ego? Que o meu jeito prevaleça? Ou resolver o conflito?

Quando a coisa esquenta numa conversa você sempre vai para essa sacada? Um exemplo: um tempo atrás estive na Venezuela atuando como a terceira parte no conflito entre Hugo Chávez e a oposição. Minha primeira conversa com ele estava agendada para as nove da noite, na sede do governo. Esperei 1, 2, 3 horas, até que à meia-noite um assessor apareceu e disse: “O presidente está pronto para vê-lo”. Eu esperava encontrá-lo sozinho, mas o ministério todo estava na sala. Ele perguntou qual era minha impressão da situação e respondi: “Senhor presidente, conversei com alguns de seus ministros e com líderes da oposição e me parece que estão fazendo progressos”. Ele respondeu: “O que quer dizer com progressos?”, e continuou, aos berros, a apontar como eu era ingênuo, não sabia nada etc. Quando me vi ali, acuado, vendo todo o trabalho de negociação indo para o ralo, lembrei do conselho de um amigo para situações difíceis: beliscar a palma da mão, que traz uma dor momentânea e o mantém alerta. Fiz isso, me pus na sacada imaginária e pensei: vai adiantar eu discustir?

Como acabou o encontro? Eu me mantive em silêncio enquanto ele falou por 30 minutos. Como eu não reagia, apenas assistia a ele, em silêncio, ele foi se desarmando, mudando o tom, até terminar a fala e perguntar: “E então? O que eu deveria fazer?”. Ali sua cabeça estava mais aberta, menos reativa, e respondi: “Senhor presidente, acho que toda a Venezuela precisa ir para a sacada”. Era dezembro e até as festividades do Natal estavam suspensas por causa da tensão. Sugeri uma trégua, um período de duas semanas em que os ânimos se acalmassem. Ele gostou, a conversa se desenrolou em um clima completamente diferente daquele início desfavorável.

Depois de tantas negociações importantes, que trabalhos você aceita hoje? Tenho me dedicado muito às questões do Oriente Médio, tido como um conflito impossível de solucionar. Para mim, não é. É difícil, mas não impossível. Ali, da mesma forma que falamos sobre casamentos, é imprescindível lidar com a noção de identidade. Pesquisando isso acabei chegando à história de Abraão, personagem bíblico que de alguma maneira inspirou as religiões formadas naquela região. A jornada dele e de sua família é a origem compartilhada por bilhões de pessoas unidas em torno do cristianismo, do islamismo e do judaísmo. Na pesquisa sobre isso tive a ideia de uma caminhada. Juntar uma experiência como a do Caminho de Santigo de Compostela, que faz enorme sucesso, com esse aprendizado. Foi assim que criei, há sete anos, o Caminho de Abraão.

Como está esse projeto? Já tivemos quase 4 mil pessoas fazendo o caminho, uma jornada que requer enorme diplomacia. Quando consegui apoio de investidores para refazer a viagem original de Abraão pela primeira vez, muitos nos diziam que seria impossível. Mas juntamos 25 pessoas, incluindo brasileiros como o rabino Nilton Bonder, e representantes de diferentes crenças. Trabalhamos com comitês nos diferentes países – Turquia, Síria, Jordânia, Israel – e em cada lugar que passamos explicamos o significado daquele caminho. Claro, é um percurso bem maior que o Caminho de Santiago, há uma logística. Mas esse trajeto é a melhor metáfora para o que buscamos: inclusão, compreensão, tolerância, união.

 

"É importante a capacidade de se perguntar: o que é importante aqui? Meu ego? Ou resolver o conflito?"

 

O Tibete é um caso interessante: depois de ter a terra invadida, templos destruídos, crimes hediondos e sem fim, eles falaram de paz, amor. Reações pacíficas como essa são muito raras, não? São exceções. Já tive a chance de estar com o dalai-lama e, quando ele fala da dor em seu coração, em seu povo, não demonstra animosidade em relação à China ou a qualquer agressor. É uma grande demonstração de poder. Há outros exemplos, como Gandhi, Nelson Mandela. E Martin Luther King, que representa a maior mudança de paradigmas em meu país, com o movimento por direitos civis. Com o discurso de paz, ele mudou uma sociedade inteira.

As religiões têm essas bases, amor, solidariedade. Mas, com o tempo, poder e dinheiro dominam tudo. O que acontece? As pessoas esquecem a essência dos próprios profetas fundadores de cada religião. Buda, Cristo, Maomé, Moisés... as ideias são distorcidas. Uma aula de semântica que nunca esqueci começava com a frase: “Lembrem que o mapa não é o território”. Em religião, o território é o que cada profeta vislumbrou a respeito de amor, conexão, universalidade. As pessoas fazem um mapa do território e então disputam quem tem o melhor caminho. Todos querem chegar à mesma montanha. Mas passam a vida brigando para provar que sua rota é melhor.

Qual o momento mais difícil de sua trajetória? Foi a disputa entre o governo da Rússia, então sob comando de Boris Iéltsin, e o da Chechênia. Trabalhando com os principais conselheiros de ambas as partes, organizamos um encontro em território neutro, Haia, e foi muito difícil. Havia dor, sofrimento em jogo. Foi muito frustrante ver a possibilidade de paz se esvaindo. O líder checheno acabou assassinado depois... O resultado todos sabemos, uma tragédia, nos anos 90. Quando veio o 11 de Setembro, descobriu-se que a porta de entrada de um dos rebeldes na Al Qaeda foi ter participado da guerra na Chechênia. Foi dali que ele foi recrutado para a missão nos Estados Unidos. Tudo está conectado: um conflito distante tem consequências em todo o mundo.

 

"Obama tem feito muitas coisas boas como negociador, mas precisa fazer movimentos mais fortes"

 

O que acha de Barack Obama como negociador? Sou um admirador de Obama e sei que ele recebe muitas críticas, particularmente no que se refere a negociações. Ele tem feito muitas coisas boas como negociador, tenta ouvir todos os lados, é paciente. É bem mais habilidoso do que o antecessor, George W. Bush, mas acho que precisa fazer movimentos mais fortes. Na verdade não precisa ser ele, é preciso engajar as pessoas à sua volta. Por exemplo, os conservadores têm muito medo de que uma presença mais forte do governo limite as liberdades conquistadas. Sem lidar com esse medo genuíno, não vai ser possível fazer progressos. Não dá para simplesmente tirá-los da conversa. Essa é uma tendência comum na política: igno-rar ou diminuir o outro lado, em vez de ouvir de verdade quais são seus sentimentos. Mas, quando as partes estão em uma mesma sala negociando, tudo é possível.

Mesmo a paz no Oriente Médio? Sim, eu acredito. Aconteceu na Irlanda! Se alguém dissesse 20 anos atrás que você poderia ter em um mesmo governo Ian Paisley, o mais intransigente líder protestante, e Martin McGuinness, ex-líder do IRA (o Exército Republicano Irlandês), as pessoas iam rir. E eles se juntaram. Se esses dois podem se unir e trabalhar juntos, todo mundo pode. As pessoas sempre partem do princípio de que uma cooperação é impossível, mas não é.

Especial Pro Bali

$
0
0


Divulgação

No Oakley Pro Bali 2013, etapa do ASP World Tour 2013

No Oakley Pro Bali 2013, etapa do ASP World Tour 2013

O Trip FM de hoje é especial, internacional e completamente dedicado à um dos esportes que a gente mais gosta, o surf. Direto da Indonésia, do Oakley Pro Bali 2013, uma das etapas do campeonato mundial promovido pela Associação de Surf Profissional, Paulo Lima conversou com Roger Ahlgrimm, diretor de marketing da Oakley no Brasil; com Luiz Pinga, um dos profissionais mais respeitados no mundo do surf, e com Adriano de Souza, o Mineirinho, um dos mais destacados surfistas brasileiros na atualidade e o melhor colocado, entre os brasileiros, no ranking mundial.

Playlist da semana:

Aimee Mann - Borrowing Time
John Butler Trip - Zebra
Dick Dale - Sloop John B
Donovan Frankeinreiter - Free
Evan Dando & Sbrina Brookes - Summer Wine

O Trip FM vai ao ar na grande São Paulo às sextas às 20h, com reprise às terças às 23h pela Rádio Eldorado Brasil 3000, 107,3MHz. Para outras cidades, veja aqui: http://revistatrip.uol.com.br/trip-fm/mapa.html

Fatima Toledo

$
0
0


Fatima Toledo

Fatima Toledo

O papo hoje aqui no TRIP é com a preparadora de elenco Fátima Toledo; ela foi responsável por trabalhar o elenco de alguns dos maiores sucessos do cinema nacional dos últimos anos e foi figura central na criação de personagens que hoje habitam o imaginário coletivo, como o Capitão Nascimento, do filme Tropa de Elite, e o Zé Pequeno, do filme Cidade de Deus. Alagoana formada em Comunicação Visual no Mackenzie, ela é pioneira na profissão que, na verdade, ajudou a criar: a de preparador de elenco. Tudo começou meio por acaso, quando ela foi descoberta por Hector Babenco trabalhando com crianças na Febem. Seu primeiro trabalho, com o próprio Babenco, foi no filme Pixote, e depois seguiram Central do Brasil, Cidade de Deus, Cidade Baixa, Tropa de Elite, só para citar os mais famosos.

Playlist

Junip - "Always"
Paul Simon - "50 Ways to Leave Your Lover"
Lenine - "JackSoul Brasileiro"
The Kinks - "Waterloo Sunset"
Gruff Rhys - "Gurry Gurry Gurry"


O Trip FM vai ao ar na grande São Paulo às sextas às 20h, com reprise às terças às 23h pela Rádio Eldorado Brasil 3000, 107,3MHz. Para outras cidades, veja aqui: http://revistatrip.uol.com.br/trip-fm/mapa.html

Vitor Rolim

$
0
0


Ele não tem nem três anos de carreira como artista plástico e já assinou as paredes do escritório do Google em São Paulo, criou um Doodle comemorativo para a cidade, decorou as vitrines da loja de Marc Jacobs e teve outros clientes de peso como HSBC, Vivo e Etna. Desde que abandonou a publicidade para viver de sua arte, Vitor Rolim viu tudo acontecer muito depressa. "Foi meio na brincadeira: eu queria tirar umas férias do trabalho e tinha um dinheiro guardado, então decidi pintar quadros e vender para ver no que ia dar. Quando me dei conta, estava assinando meu trabalho para o Google", conta, sossegado, como quem sempre soube que sua aventura daria certo.

O gosto e o talento para a arte vêm de berço. Vitor cresceu em meio aos desenhos do pai, engenheiro mecânico que fez carreira como projetista industrial e sempre influenciou e incentivou o filho. "Lembro das pranchetas enormes que tinha na casa do meu pai e de copiar os desenhos dos cadernos dele." Mais tarde, na adolescência, ele passou a se envolver com arte e, com o tempo, arriscar pintar seus próprios quadros foi um caminho natural. "Fui tomando gosto pela coisa. Depois que vendi meu primeiro quadro, aos 24 anos, não teve mais volta."

São Paulo e o caos

Os quadros e murais que Vitor pintam são um verdadeiro caos, se observados de longe – como uma página de um dos livros de Onde está Wally?. Mas é só olhar de perto para ver a riqueza de detalhes, de informação e de referências artísticas e mesmo não-artísticas que ele leva para sua obra. "Eu fico imaginando como Albert Einstein pintaria, por exemplo, ou Jimi Hendrix, Steve Jobs, Thomas Edison... Todos esses caras viveram para organizar o caos e é isso que eu faço." E é assim mesmo que Vitor se classifica: um organizador do caos, um cara que consegue, através de sua arte, colocar ordem na avalanche de informações visuais e sonoras que lava diariamente uma metrópole como São Paulo. "Minha arte tem uma iconografia que já faz parte do inconsciente coletivo dos paulistanos entre 20 e 30 e pouco anos, que são os meus clientes, pessoas que vivem as mesmas coisas que eu na cidade e que, como eu, cresceram assistindo a Cartoon Network, Chaves, Curtindo a vida adoidado... Então, eu dialogo com eles e isso gera empatia." Nascido no litoral paulista, em Santos, Vitor se mudou para a capital ainda criança e sempre achou os paulistanos um verdadeiro fascínio. "Sou péssimo poeta, mas o primeiro rascunho que fiz das paredes do Google foi um poema em que deixei claro que faria um mural sobre as pessoas que moram em São Paulo, que são o que a cidade tem de melhor."

O mural do Google, por ser um projeto de maior porte, foi exceção: Vitor não trabalha com roteiros. A ideia inicial do que será desenhado fica só na cabeça e, a partir dela, o artista vai criando, puxando um detalhe aqui e outro ali, tudo no improviso. Para ele, a liberdade de criação vem em primeiro lugar. "Eu pinto o que eu quiser, deixo isso sempre muito claro para meus clientes." E tudo sempre em preto e branco. "Minha vida sempre foi muito preto no branco, muito prática, sem enrolação. Minha arte é assim também."

Uma obra só

Apesar de ser um retrato do caos paulistano e da sociedade moderna, a obra de Vitor não é combativa, engajada, como ele próprio define, mas apresenta um todo que faz refletir sobre a realidade iconográfica que vivemos e, acima de tudo, diverte. "Se você juntar todas as minhas obras, vai ver que elas são mais ou menos a mesma coisa, são conectadas entre si, formam um grande mural para inspirar as pessoas. Elas não precisam de artes que digam que o Brasil é um lixo, por exemplo, mas que as façam rir depois de um dia cansativo de trabalho. Essa é a função da minha arte."

Aos 30 anos, além de artista plástico, Vitor Rolim atua como design thinker na empresa gou/Factory e acabou de abrir um escritório para licenciar sua obra para empresas. De saída, escolheu uma marca de produtos escolares que, em setembro, deve colocar à venda mochilas, estojos e cadernos com seus desenhos. "Gosto dessa pluralidade. Um quadro é só um quadro. Eu imagino pro meu futuro uma coisa mais Mauricio de Sousa, mais Walt Disney, ou seja, quero que minha arte chegue para as pessoas de muitas maneiras", ambiciona. E não para por aí: "Ainda quero ter meu próprio desenho animado, fazer uma exposição na Ásia e pintar um quadro no espaço. Por que não?".

Paulo Kakinoff

$
0
0


Ricardo Toscani

Paulo Kakinoff, CEO da Gol Linhas Aéreas

Paulo Kakinoff, CEO da Gol Linhas Aéreas

A entrevista da semana no Trip FM é com Paulo Kakinoff, que em junho do ano passado, aos 37 anos, assumiu a presidência da Gol Linhas Aéreas Inteligentes e, junto com o cargo, o desafio de não só driblar a cada vez mais acirrada concorrência, mas também todos os fatores externos que estão atrapalhando de forma generalizada o setor de aviação civil aqui no Brasil.

Natural de Santo André, cidade que forma o ABC Paulista e que é de extrema importância para a indústria automobilística brasileira, ele construiu praticamente toda sua carreira dentro da Volkswagen, onde começou a trabalhar como estagiário aos 18 anos. Sua paixão pelos carros, seu talento e sua determinação o levaram ao que é comumente chamado de “carreira metórica” (dizem que em 20 anos de empresa sua média foi de uma promoção a cada um ano e meio. O fato é que aos 34 anos, quando a maioria das pessoas ainda está decolando na carreira, ele já estava voando em céu de brigadeiro e ocupando o cargo de presidente da Audi no Brasil (a Audi que é a divisão premium da Volkswagen).

Playlist da semana:

Yardbirds - "Heart Full of Soul"
Eddie Bo - "Check Your Bucket"
Noiseshaper - "We Love Reggae"
Erasmo Carlos - "Gente Aberta"
Steve Miller Band - "Fly Like An Eagle"

Mundo em miniatura

$
0
0


 Quer melhor presente de aniversário do que brinquedos? É com eles que o Sesc Pompeia comemora seus 30 anos, na exposição Mais de Mil Brinquedos para a Criança Brasileira. O evento homenageia a mostra homônima (e a primeira da unidade) organizada em 1982 pela arquiteta Lina Bo Bardi, que assina o projeto do Pompeia. Serão exibidas mais de seis mil peças artesanais e industriais de diferentes regiões do mundo, representando a infância desde a década de 1930.

Conversamos com Gandhy Piorski, um dos curadores da mostra. Artista e pesquisador do lúdico na cultura popular brasileira, ele comenta as escolhas para a exibição que tomou ao lado da colega Renata Meireles e destaca a necessidade de valorizar os brinquedos feitos à mão – seja por artesões seja pelas próprias crianças. E defende a importância de ouvir o que a criatividade da infância diz ao mundo: “A cultura sempre diz o que a criança tem que fazer. Os educadores sempre têm respostas e teorias afirmadas sobre o que é melhor para acriança. Mas o exercício de expressão da criança, isso raramente foi passado através dos tempos”.

Trip. A exposição é uma homenagem à mostra que Lina Bo Bardi realizou no SESC em 1982. Como vocês estão dialogando com o passado?
Uma parte do acervo da época deixou de existir, porque o SESC doou uma grande quantidade de brinquedos que recebeu de indústrias. Outra parte se perdeu, mas ficaram outros que eram mais artesanais. A visita ao que restou foi o ponto de partida para começar nossa leitura. Observamos com atenção muito especial a qualidade do brinquedo da época em que foram coletados. Havia peças muito bonitas e trabalhadas, com características bem vivas do que era o artesanato de brinquedos nos anos 80 no Brasil. isso foi muito peculiar, foi o que saltou aos olhos da gente. Nessa época, o artesanato de brinquedos era uma coisa muito intensa nas feiras do interior de São Paulo e no nordeste. Muitos artesãos estavam no vigor criativo. Tem outro ponto que chamou atenção. A Lina quando expôs os brinquedos trouxe o artesanato para um patamar igual ao dos brinquedos da indústria, que, diga-se de passagem, tinha designers produzindo e criando. A Estrela funcionava a pleno vapor e tantas outras, com pessoas desenhando, o que não existe mais com tanta frequência hoje em dia.

Isso porque as ideias de brinquedos são cada vez mais importadas?
Isso. E os designers hoje normalmente pegam personagens do cinema e redesenham pra produção de bonecos e brinquedos em geral. Não tem mais aquela coisa de pensar um produto inteligente, que tenha aspectos mais apropriados à construção e criatividade da criança.
Imagino que perdemos muito com essa mudança.
Sem dúvidas. Hoje ainda há brinquedos bons, como o Lego ou linhas mais específicas, que não existem no grande mercado. Mas são caros.

Falando em preço, como está o mercado artesanal atualmente?
Está restrito a pequenas áreas do brasil. Em São Paulo, mesmo, existe uma loja, a Fábrica de Brinquedos. Eles têm um trabalho de ligar artesãos que produzem boas peças, estimulam a criação para que possam vender. Ou também compram na Europa, vão buscar um mercado mais inteligente. No Nordeste ainda existem artesãos, no interior de São Paulo também, mas isso está pulverizado. E há pouco espaço em um mercado como este, em que a indústria massiva de brinquedos está ligada a figuras da mídia. Além disso, é muito difícil um brinquedo de artesão passar nas categorias de segurança do Inmetro. O Inmetro é um órgão que metrifica a experiência do brincar e não entende nada de criança.

Fica preso naquela coisa de que pode soltar pecinhas...
Exato. Tem normas de segurança compreensíveis para a sociedade em que a gente vive, na relação de comercio das indústrias. Mas penaliza uma linha artesanal de produção que tem historia no Brasil.

No processo de revisitar a mostra da Lina e analisar o que está sendo produzido atualmente, é possível identificar mudanças no modo de brincar das crianças brasileiras?
Há algumas mudanças. A ótica que nos quisemos inserir na exposição tentou ir além do que a Lina fez, de trazer o artesão pro mesmo patamar do designer. Trouxemos outro elemento para a mostra que foi a produção das próprias crianças, que são quem na verdade inspira o artesão e o designer. Isso é muito claro na historia do brinquedo, muitas invenções artesanais que chegaram ao patamar de industriais vieram da inspiração que o artesão soube ver na criança. Consideramos esse um elemento chave, elas são muito criativas dentro desse universo do brincar, da inspiração. Voltando à pergunta, estou querendo dizer com isso é que esse discurso de que as crianças não brincam mais é mentira. É um discurso institucionalizado. Na verdade, as crianças continuam brincando e construindo muitos brinquedos. Talvez nos grandes centros urbanos, numa classe social específica, isso esteja mais prejudicado. Mas nas periferias, no interior do Brasil, as crianças continuam criando brinquedos. Existe aí, sim, um brincar da criança que a gente quer discutir. Por isso desconstruímos o brinquedo nessa mostra, muitos estão abertos. A gente mostra o avesso do brinquedo, como é por dentro. E a relação de construção, o interesse que a criança tem em animar o brinquedo, desmontar, conhecer os mecanismos pra brincar.

Qual a diferença entre o brinquedo que a criança constrói e o que ela consume pronto?
Acho que a principal característica é que a criança, quando constrói para brincar, estabelece uma relação diferente com todo o resto diferente de quando ela consome para brincar. Construir para brincar tem um nível de valoração sobre a relação com o mundo e de apropriação do mundo muito mais significativa do que consumir pra brincar. Claro que existem brinquedos que têm níveis de exploração e apropriação bem significativos, que mostram que é possível criar sempre para brincar e não necessariamente ter que consumir o brinquedo pronto – mas consumir objetos que dão o poder de criação.

O que a criança tem em mente quando cria um brinquedo?
Uma das diferenças é que no que a criança produz a partir do universo dela existe muito mais expressão e ampliação da capacidade imaginativa. Um brinquedo comprado pronto miniaturaliza a realidade, emoldura a experiência de criação. É claro que uma Ferrari de brinquedo que imita a realidade é muito sedutora. E a criança quando brinca com ela tem experiências, claro. Mas quando constrói o próprio carrinho, com todas as limitações da técnica, da lata, do prego, do martelo, quando recorta a lata com tesoura, é claro que a vinculação é muito mais profunda porque existiu ali todo um esforço criativo de trabalho manual e de exercício próprio do que em relação ao carrinho pronto. É bem significativo. As pessoas às vezes dizem que as crianças são preguiçosas, que só querem ficar em frente à televisão o dia todo, não têm mais pique pra construir. Mas coloca uma criança num celeiro cheio de ferramentas e objetos para ela construir brinquedos para ver qual é a relação corporal e criativa que ela tem com aquilo.

É triste que essa experiência seja podada. E raramente percebo ambientes fora da escolinha estimulam essa relação de criatividade com o brinquedo.
É verdade. Muitas escolas hoje estão discutindo isso e tem um ponto que é muito importante. Existe, claro, toda uma expectativa que os pais depositam na escola, nos centros culturais, parques. Mas em casa, a partir do esforço dos pais, é possível criar esses ambientes criativos e construtivos. Na verdade, existe hoje um delegar da educação. A grande maioria das famílias, pelo pouco tempo e disponibilidade que exige a educação dos filhos, está delegando essa responsabilidade a terceiros, porém é possível, sim, trazer a relação de criação e a experiência construtiva na própria casa. Mas isso é cada vez mais cerceado, nas famílias e nas grandes cidades e impõe uma necessidade de esforço e mudança de cultura.

"Normalmente a gente percebe o que a cultura diz para a criança e sobre a criança. Esse é um ponto que a gente abre na mostra: o que a criança está dizendo pra cultura?"

É possível traçar uma sociologia do brinquedo? Quer dizer, o que nossos brinquedos dizem sobre nós, brasileiros?
Sim, é possível se traçar uma geografia. Uma sociologia. Uma antropologia. Uma botânica do brincar. Em cada nicho geográfico, cada experiência que se estabelece com a natureza, é possível se perceber o dizer da criança, um traço da fala própria, do que ela tem a dizer sobre ela própria e sua relação com o mundo. Normalmente a gente percebe o que a cultura diz para a criança e sobre a criança. Esse é um ponto que a gente abre na mostra: o que a criança está dizendo pra cultura? Dividimos a exposição em ambientes que tratam de temas específicos. Logo na entrada tem o “mínimo e as mãos”, que é a relação com miniaturas, das pequenas coisas. Aí a gerente aborda que, pela plástica dos objetos, existe um interesse em criar intimidade com o mundo, em se enraizar na vida social. Não só para imitar, as para poder trazer seus próprios conteúdos para a cultura. Colocamos casinhas, fazendinhas de todo tipo, inclusive de ossos de boi, em que as crianças entram na anatomia da natureza. Elas vão nas ossadas e tiram vértebras dos bois para fazer fazendinhas, aí existe toda uma investigação da criança sobre a anatomia da natureza, sobre o dentro do mundo. Há um interesse na substância do mundo. Tudo isso é exercício da imaginação, empurrando a criança para investiga e fazendo com que ela diga o interesse dela pelas coisas. Quando a criança pega o brinquedo e quebra, não existe aí uma hiperatividade da criança, e sim a vontade de conhecer o que está dentro. Isso já denota uma metafísica na criança.

O que é um conceito avançadíssimo, que a maioria dos adultos perde ao longo da vida.
Exatamente. Existe aí todo um estudo que a gente pode fazer do abandono da infância, que vem de muitos séculos. A cultura sempre diz o que a criança tem que fazer. Os educadores sempre têm respostas e teorias afirmadas sobre o que é melhor para acriança. Mas o exercício de expressão da criança, isso raramente foi passado através dos tempos. Existe um percurso de abandono da criança, por achar que ela é uma pagina em branco e nos é que dizemos o que ela tem que ver.


Uma concepção totalmente racionalista, infelizmente. Para fechar: é possível descobrir o que a criança brasileira de hoje quer comunicar ao mundo através dos seus brinquedos? Existem uma ou duas frases capazes de resumir essa ideia?
Não sei quais seriam essas frases, mas acredito que as crianças têm comunicado para o mundo que existe uma individualidade de cada uma dela. É preciso estudá-las como seres individuais, e não massificar um sistema de ensino. Cada criança tem sua experiência própria, sua sensibilidade e seu nível de relação e aprofundamento com o universo em que vive. Acho que esse é o dizer mais significativo: “Nós temos individualidade. Nós temos conteúdo. Nós queremos dizer o que parte de nós e não só o que a cultura e a educação querem nos imprimir”.

 Vai lá: Mais de mil brinquedos para a criança brasileira – Sesc Pompeia, r. Clélia, 93, Pompeia, São Paulo, SP, (11) 3871-7700. De 9/7 a 2/2/2014, grátis


Paulo Mendes da Rocha

$
0
0


Reprodução

Paulo Mendes da Rocha estampou as Páginas Negras da Trip de outubro de 2001. E foi inspiração para um dos projetos gráficos da revista. São seus, entre outros, os desenhos do Museu Brasileiro da Escultura, com uma laje de concreto que parece flutuar sobre um vão livre de 60 metros de comprimento, e da reforma da Pinacoteca do Estado, prédio do século 19 que ganhou intervenções contemporâneas, como passarelas metálicas e claraboias de aço. Na entrevista, ele critica o abandono do centro da cidade e conta que vendera o seu velho Chevette:  “É mais fácil andar de táxi em São Paulo.”  

Vai lá: http://tinyurl.com/q722feu

*Por Lucas Gamboa

Antonio Lancha Jr.

$
0
0


Trip FM

Alberto Lancha Jr.

Alberto Lancha Jr.

No Trip FM da semana, um dos mais gabaritados nutricionistas do país, Antônio Lancha Jr. Ele fala sobre obesidade, obesidade infantil, sobre atividade física, alimentação e vai desmistificar o consumo de alguns alimentos e tirar dúvidas dos nossos ouvintes.

Formado em Educação Física pela Universidade de São Paulo, ele fez mestrado e doutorado em nutrição experimental na USP e pós-doutorado em medicina interna na Escola de Medicina da Universidade de Washington. Atualmente, além de professor titular na USP, ele também coordena o Laboratório de Nutrição e Metabolismo Aplicados à Atividade Motora.

Ele trabalha com figuras emblemáticas como o empresário Abílio Diniz e que foi um dos responsáveis por montar o cardápio do Ronaldo Fenômeno no quadro "Medida Certa", do programa Fantástico, da Rede Globo. Junto com a esposa Luciana, é autor do livro Fuja da Dietas! Aprendendo a Comer: Escolha Isso, Não Aquilo.

Playlist da semana:

Stepkids - Suit and Tie
Bob Dylan - All Along the Watchtower
Belle & Sebastian - Another Sunny Day
Mumford & Sons - I Will Wait
Serge Gainsbourg - Des Laids Des Laids

Quem deu o nome?

$
0
0


Teodoro Sampaio, Benedito Calixto, Henrique Schaumann, Hadoock Lobo e tantos outros nomes que vemos nas ruas de São Paulo todos os dias. Você já parou pra tentar descobrir quem foram esses caras? Danilo Dualiby e Marcos Rodrigues, junto com o coletivo Los Cabras, sim, e por isso criaram a ação Street Code - WHO THE FUCK IS?

Espalhando adesivos com QR Codes pelas ruas da cidade, eles permitem que as pessoas possam se conectar com o celular e receber, ali e na hora, uma explicação do site Wikipédia sobre o fulano de tal que dá nome àquela rua que você costuma passar frequentemente.

Como surgiu a ideia de ir atrás de quem são os nomes nas placas? 
Marcos: A ideia surgiu há mais ou menos dois meses, quando eu e o Danilo estávamos voltando de uma reunião do trabalho pela Avenida Paulista e passamos por um desses nomes bem estranhos que passamos todos os dias sem nos dar conta. Se eu não me engano foi Haddok Lobo. O projeto saiu da conversa que tivemos sobre como não tínhamos a mínima ideia de quem foram esses caras. A criação foi minha e do Danilo Dualiby. O coletivo Los Cabras filmou toda a ação conosco e fez uma produção impecável. Se não fosse por eles, a ideia não seria nem metade do que é. Nós (Danilo e Marcos) não fazemos parte do coletivo.

A ação acontece em algum bairro específico da cidade ou pretende se expandir por outras regiões também? Marcos: Focamos mais na zona oeste porque era mais fácil para a gente, mas queremos sim expandir. Seria muito legal se as pessoas começassem a fazer isso em suas ruas. Só nós dois fica difícil e o custo dos adesivos é meio caro.

Há quanto tempo surgiu e quantas pessoas integram o coletivo Los Cabras? Antonio: O coletivo tem 5 meses, é novo, e tudo vem acontecendo rápido. Está sendo muito bacana e produtivo. Somos em 3 amigos, trabalhamos juntos durante uma época, mas depois de um tempo nos reencontramos e decidimos montar o coletivo para fazer trabalhos paralelos.

Na última edição da Trip, especial São Paulo, temos uma reportagem sobre os Novos Paulistanos, sobre pessoas de fora que adotaram a cidade. Todos do Coletivo Los Cabras são de São Paulo? Todos residem em São Paulo, só o Antonio que é cearense, mas mora em São Paulo desde os 4 anos.

Descubra em um poste perto de você: 

Street Code from Los Cabras on Vimeo.

osgemeos

$
0
0


Daniel Klajmic

Otávio e Gustavo Pandolfo parecem a mesma pessoa dividida em dois corpos. Até o desenho é igual. Sempre foi, desde antes de virarem OSGEMEOS e ganharem o mundo com sua arte. Para eles, é tudo uma questão espiritual: “desde os cinco anos a gente sabia que nossa missão na terra era desenhar”

"O grafite de uma cidade diz muito sobre ela.”

Otávio e Gustavo Pandolfo escutaram essa frase anos atrás do amigo e grafiteiro John Howard. Seguindo o raciocínio, São Paulo seria uma cidade repleta de seres amarelos com roupas estampadas, às vezes com balaclavas escondendo o rosto e bolsas a tiracolo. Haveria também muita cor, detalhes e texturas na paisagem. A maior metrópole do Brasil seria lúdica como os sonhos mais loucos de uma criança, como um grande painel d’OSGEMEOS. Seria, caso a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano da prefeitura não tivesse o hábito de, sistematicamente, passar uma tinta cinza por cima detudo isso.

O último grafite que a dupla fez, à luz das manifestações populares recentes que tomaram o país, não durou nem dois dias. “Na gestão anterior, fomos na prefeitura conversar. Mas não adiantou. O nosso recado tá dado. Vamos continuar falando o que temos para falar”, diz Gustavo. Falar, aliás, no caso dos dois, é sinônimo de desenhar. É com o traço, e não com as palavras, que os dois se comunicam com os familiares, com o mundo e um com o outro. Durante as quase 5 horas de papo com a Trip, os irmãos Pandolfo não soltaram a caneta e o pincel em quase nenhum momento.

Apesar de os governantes da cidade, ao que parece, não serem exatamente fãs de seu trabalho, a dupla continua passando boa parte do tempo em São Paulo. Mais exatamente no Cambuci, bairro coalhado de velhos galpões e sobrados onde Otávio e Gustavo são mais conhecidos como Tico e Teco. Lá fica o ateliê da dupla, a poucos metros da casa onde nasceram 39 anos atrás e em que foram criados pela dona de casa Margarida Kanciukaitis e pelo químico Walter Pandolfo . E também de onde viram, pela primeira vez na vida, uma turma dançar break, escutar hip-hop e fazer grafite.

Antes de ganhar a vida – e o mundo – com esta última atividade, os irmãos mergulharam de cabeça nas outras duas. Trocaram os passos de Michael Jackson, que sabiam de cor, pela “dança do robôzinho” e rimavam nos bailes, dando uma de Beastie Boys dos trópicos. Não tardou, descobriram a estação São Bento, onde a tríade break-hip-hop-grafite primeiro se manifestou no Brasil.

Foi quando Tico e Teco viraram OSGEMEOS, batizados por DJ Hum nos agradecimentos do primeiro álbum de rap nacional, Hip-hop – Cultura de rua (1988). Nem ele nem ninguém imaginava que décadas mais tarde aqueles “alemãozinhos” pintariam a fachada da Tate Modern, em Londres, a mansão de Johnny Depp, em Los Angeles, e o porco inflável dos shows de Roger Waters. Ou que montariam exposições disputadíssimas por todo o globo, assinariam linhas de lenços para a Louis Vuitton e tênis para a Nike (os lucros foram todos doados, eles dizem), e que valeriam altas cifras no mercado de arte, com quadros cotados em até US$ 200 mil.

Mas nada disso parece interessar muito aos dois gêmeos idênticos, irmãos de Adriana e Geraldo. São consequências, e eles sempre estiveram mais ligados na causa. Quando estavam em seus 20 e poucos, Otávio e Gustavo se enfurnaram no quarto e só saíram de lá quando descobriram por que e o que queriam desenhar. A resposta estava em Tritrez, um universo criado (ou acessado?) pelos dois, onde tudo que pintam no nosso mundo existe de fato. À prova de qualquer tinta cinza.

Vocês nasceram e cresceram no bairro do Cambuci? Otávio: Isso. Nesta mesma rua, algumas casas pra cima.

E hoje moram onde? O: Não moramos mais no Cambuci, é tudo que podemos falar.

Como foi crescer lá? O: O Cambuci era um bairro residencial, mas ao mesmo tempo industrial. No fim de tarde, as tiazinhas ficavam na porta de casa vendo a vida passar, ia todo mundo pra rua bater papo. Havia muitas gráficas também. Gustavo: A rua era nosso melhor brinquedo. A gente vivia fora de casa. Fazia fliperama com elástico e madeira, jogava bola, soltava pipa. O: A gente aprendeu tudo na rua. Era nossa escola. Aprendeu a respeitar. Você vê uma parede, quer pintar, mas às vezes tem um cara que mora lá. Você tem que ir trocar ideia, não dá pra chegar chegando.


"A gente nem troca muita ideia. Tá longe, mas tá perto. Sempre sabe o que o outro tá sentindo"


E na escola de verdade, como era? O: Sempre estudamos em escolas públicas. Eram todas muito boas, as mesmas onde nossa mãe estudou. Tinha até aula de francês! Cantávamos o hino todo dia. G: Engraçado que outros artistas saíram de lá, como Speto, Nina Pandolfo [esposa do Otávio], Onesto... Ficava todo mundo desenhando o tempo todo. A gente levava fotos dos grafites que fazia na rua para o professor dar nota. A linha do trem passava bem em frente à escola. Era demais: pela janela, a gente via passar os trens que a gente tinha grafitado no dia anterior.

Vocês eram bons alunos? O: A gente desenhava a aula toda. Repetimos alguns anos, mas era só por causa disso. Quando a gente tinha que estudar, estudava. Teve uma vez que um repetiu só para poder ficar com o outro, que tinha repetido. G: É! Tentavam separar a gente em salas diferentes. Teve um concurso de desenho na escola uma vez. O prêmio era uma passagem para Brasília. Foi louco: os dois ganharam, um em cada sala, com o mesmo desenho. Eu não estava vendo o que meu irmão estava desenhando, mas fizemos exatamente a mesma coisa.

O traço de vocês sempre foi parecido, então? O: É o mesmo desenho.

Vocês são daqueles gêmeos grudados? Já ficaram longe um do outro? O: Nunca. Mesmo longe, estamos perto. Sabemos o que o outro está sentindo sem nem perguntar.

Já brigaram? O: Também não. A gente nem troca muita ideia, na verdade. A gente se entende sem precisar falar.

Quanto tempo já ficaram sem se ver? G: Nunca. A gente tá longe, mas tá perto. Sempre sabe o que o outro está sentindo.

Havia alguém na família que desenhava também? O: O tio da nossa mãe, Nicanor Ferracciu, pintava bem pra cacete. Paisagens, queimadas... A mãe fazia aula com ele. O Arnaldo, nosso irmão mais velho, também sempre desenhou, inventava brinquedos. Foi o cara que segurou nossa onda, ensinou as coisas da vida. G: Na real, não sabemos muito bem por que desenhamos. Acho que é uma coisa que veio de antes de a gente nascer, meio espiritual. Nossos pais contam umas histórias e a gente vai tentando montar esse quebra-cabeça. Mas não conseguimos completá-lo ainda.

Como assim, espiritual? O: Nascemos prematuros, de sete meses. Nossa mãe só foi descobrir que estava grávida de gêmeos na hora do parto. Foi um erro médico. O doutor disse que a gente ia morrer. “Se eles vão morrer, que seja nos meus braços, na minha casa”, ela disse. G: Ela conta que quando a gente tinha 5 anos já dizia que nossa missão aqui na Terra era desenhar. E é louco, porque tem coisa que a gente faz hoje, em termos de desenho e escultura, que a gente já fazia nessa época. O: Todo mundo sabia que nosso tesão era desenhar. A gente nem trocava ideia um com o outro. Só desenhava e ficava narrando o que estava acontecendo ali no papel. Tudo tinha uma narrativa. G: A gente modificava todos os brinquedos que ganhava. Esquentava a faca no fogão e cortava tudo. Pegava caixa de sapato e fazia prédio, casinha, construía uma cidade inteira na sala de casa. Os bolos do nosso aniversário também eram muito importantes. A gente discutia o tema com nossos pais e fazia tudo junto com eles. Tinha bombeiro apagando fogo, carros, gente na rua, tudo. Quase uma maquete.


"Na escola, ficava todo mundo desenhando o tempo todo. A gente levava fotos dos grafites que fazia para o professor dar nota"


O que dessa época, exatamente, ficou no trabalho atual de vocês? O: Cara, os anos 80 eram uma época com muitos detalhes. As roupas, os aparelhos de televisão, tudo tinha muita coisa. Essa quantidade enorme de informação influenciou muito a gente. Nosso trabalho tem muito detalhe. A gente tem vontade de dizer um monte de coisa e tenta colocar tudo ali.

Como o grafite entrou na vida de vocês? G: Quando conhecemos a cultura hip-hop, por volta de 85. Pouca gente sabe disso, mas ela era bem forte no Cambuci. Tinha a turma do Fantastic Break, os primeiros caras que vimos fazendo grafite e dançando break. O que pegava antes era dançar igual ao Michael Jackson. Aí, depois, a onda era a dança do robozinho, o break. Começamos a treinar sem parar. Ficamos bons, fazíamos até apresentação nas festinhas de aniversário. E começamos a fazer uns raps também. O: Saíram os filmes Beat Street e Breakin [ambos são de 1984], que falavam sobre esse universo, sobre o que estava rolando em Nova York e em outros centros do mundo. Fomos assistir aos dois em um cinema no centrão. Mano, foi uma injeção de informação aquilo. Vimos as roupas, o som, tudo. Todo mundo pirou. Queria se vestir igual aos caras, usar tênis Nike, Puma...

Mas vocês tinham grana pra isso? O: Nada. Nossa avó era costureira. A gente comprava o tecido e falava para ela fazer um agasalho, por exemplo. Ou fazia rolo com gente que tinha acabado de voltar de fora. G: A gente chegava a bordar o símbolo da Nike nos tênis!

Quando rolou o primeiro spray, o primeiro grafite, mesmo? O: Depois que vimos o pessoal usando no bairro, imploramos pra nossa mãe comprar uma lata pra gente. Mudou nossa vida. Pintamos nosso quarto, depois o jardim, depois o telhado, depois os telhados dos vizinhos. A gente teve essa preocupação de aprender o negócio antes de ir pra rua mesmo.

Era uma mãe moderna, não? Dar um spray para uma criança naquela época não devia ser comum... O: Grafite era uma coisa muito nova, não tinha nem essa conotação de vandalismo ainda. Eu lembro que a gente andava horas na linha do trem só pra ver um grafite. Chegava lá, tirava foto e depois ainda ficava dias admirando a fotografia.

Os tempos eram outros... G: Completamente. A gente ia na biblioteca municipal e folheava um monte de livro e revista só para ver uma foto de grafite, que muitas vezes aparecia só no fundo da foto. Quando alguém descolava uma revista especializada, ficava todo mundo meses mergulhado naquilo, analisando cada detalhe.

Vocês lembram qual foi o primeiro desenho que fizeram na rua? O: Acho que escrevemos “crime” e fizemos um personagem. Isso foi só uns dois, três anos depois que ganhamos nossa primeira lata. Lá por 86, 87.

E a estação São Bento (berço do hip-hop em São Paulo), vocês frequentavam? O: Porra, a São Bento era indescritível! Um lugar mágico. De longe, você já escutava o som. O coração disparava, os pelos arrepiavam. Nosso pai que levava a gente lá, quase todo fim de semana. A gente tinha 14 anos, o resto do pessoal tinha 20. G: Era uma realidade paralela, o tempo corria diferente. Tinha a coisa de você respeitar, mas ser respeitado também. Ter humildade, mas saber chegar. E nós éramos uns alemãozinhos no meio de um monte de negão. Mas a gente chegou no estilo, com as jaquetas já grafitadas, já sabendo uns passos de break. A galera recebeu bem. O primeiro cara que conhecemos foi o Thaíde [rapper e apresentador de TV]O: Foi aí que começou essa coisa de pintar na rua aos domingos. De dia mesmo. Isso foi muito importante para a cena do grafite brasileiro. Até hoje domingo é o dia do grafite.

E a polícia não ligava? G: Ligava muito! Era repressão total, estávamos na ditadura ainda. Todo mundo morria de medo da polícia. Você tinha que sempre ter RG no bolso, se não, ia pra delegacia. Hoje é diferente. O cara te aborda e, se bobear, vai pedir para você pintar a viatura dele.

Vocês viviam então de rap, break e grafite, basicamente... O: Não só. A gente trabalhava desde os 14 anos. Primeiro numa funilaria, onde era ótimo para conseguir tinta. Depois numa fábrica, lavando picles, numa locadora... Chegamos a ser boys em um banco. Mas não tínhamos futuro nenhum ali, era claro. Isso de trabalhar com outras coisas só nos deu mais certeza de que o que queríamos mesmo era desenhar. Chegou uma hora que não dava mais para fazer outra coisa que não fosse isso. Pedimos demissão e resolvemos que íamos tentar viver da nossa arte. Aí começou, talvez, o período mais especial da nossa vida. Ficamos praticamente trancados na casa da mãe, pintando sem parar por uns três anos. Aprendemos a usar aerografia, aquarela, tinta a óleo... Fomos atrás do nosso estilo. Encontrá-lo era o que mais queríamos na vida. Varávamos a noite ouvindo Afrika Bambaata, Led Zepellin e Pink Floyd, tomando vinho e pintando à luz de velas. G: Era tipo uma meditação.

Por que à luz de velas? O: Porque tudo que pudesse desviar nossa atenção, nós descartávamos. Vinha visita lá em casa e a gente nem dava oi. Descia só pra comer, às vezes nem isso. A gente queria saber por que a gente preferia desenhar a qualquer outra coisa. A gente escrevia muito nessa época, tipo um diário. Escrevia sobre o nosso desenho, para poder encontrar ele. Até que se abriu uma janela. E nós vimos tudo.

Parece a descrição de uma revelação divina. G: E foi. Cada dia a gente via mais um pouco desse mundo. Era só fechar o olho, parecia um filme. Uma coisa espiritual mesmo. Um dia a gente resolvia como seria o nariz dos nossos personagens, no outro, a perna. Foi indo.

É esse mundo que vocês chamam de Tritrez? O que significa esse nome? G: Começamos a estudar nossa vida, e muita coisa tinha a ver com os números três e 32. Não vou te contar mais nada porque isso é uma coisa muito íntima nossa. É algo muito complexo, de onde vem tudo o que a gente faz. Na real, só de ter descoberto esse universo já estava ótimo. Resolvemos desenhar para dividir ele com as outras pessoas.

Outras pessoas podem acessar Tritrez? G: Cada um tem o seu próprio Tritrez. Mas muitos não têm coragem de mexer nele. É um abismo, dá medo mesmo. Nós temos medo até hoje. É difícil se jogar. Demanda desgaste físico e mental, criação, recriação...

E por que os seres que vivem lá são amarelos? O: São Paulo é muito cinza. Mas a gente não queria, não conseguia ver a cidade desse jeito. O amarelo veio dessa época em que a gente estudava na casa da mãe. A gente gostava de desenhar principalmente no fim da tarde, quando o céu ficava laranja. O amarelo é uma tentativa de reproduzir essa luz que entrava pela janela. G: Desmembramos o laranja em amarelo e vermelho, que também é muito presente no nosso trabalho. O contorno dos nossos desenhos não é preto, é vermelho bem escuro.

De certa forma, Tritrez parece ser outro nome para inspiração, talvez até para Deus. Vocês acreditam nele? G: Acreditamos nesse nosso universo. Acreditamos em Deus também. Mas não seguimos nenhuma religião.

Quando o trabalho autoral começou a dar grana? O: Antes, passamos a pintar fachada de loja de skate, fazer ilustração para uma revista. Mas era osso. Cada trampo que rolava era uma festa, nossa mãe ia lá ver toda orgulhosa. G: Nosso trabalho autoral mesmo começou a ser mais reconhecido quando um grafiteiro americano que a gente amava, o Barry Mcgee, veio para São Paulo fazer uma residência artística. Ele viu um grafite nosso na rua, gostou e ligou pra gente. Na época a gente botava o telefone nos desenhos [risos]! Foi nosso primeiro contato com um grafiteiro de fora. Piramos. O: Daí o Barry falou do grafite brasileiro para um amigo que tinha uma revista gringa superimportante sobre arte de rua. A revista veio até São Paulo fazer uma matéria, passou um tempo na nossa casa. Depois, outro artista alemão, o Loomit, veio também. Curtiu nosso trampo e nos chamou para expor em Munique, na Alemanha. Isso era 1999, mais ou menos.


"No começo, todo mundo morria de medo da polícia. Hoje é diferente. O cara te aborda e, se bobear, vai pedir para você pintar a viatura dele"


A porta das galerias se abriu antes lá fora, então? O: Pois é. Em 2000, engatamos outra exposição em San Francisco, na Califórnia, numa galeria que lançou um monte de nomes foda da artes. Depois rolou outra em Nova York, na Deitch Gallery. Entre 2000 e 2005, fizemos muitas exposições e projetos fora do Brasil. G: Engraçado que, no começo dessas viagens, a gente se preocupava muito em fazer nosso trabalho exatamente do jeito que fazíamos no Brasil. A gente levava lata de Colorgin no avião [risos]! Chegamos lá e nos deparamos com lojas só de tinta, spray de tudo quanto é cor, escola de grafite... um outro mundo. Ninguém entendia como a gente podia usar nossos sprays, diziam que a tinta era muito aguada. E não entendiam também como a gente usava tinta látex em grafite. Pra gente, fazia todo o sentido: era mais barata e secava mais rápido.

Batia um desapontamento por ter bombado primeiro fora do Brasil? O: Não. A gente pensava: “Se neguinho não viu a gente, não viu. Paciência”. Nos preocupávamos mais em trabalhar com o mercado que se abriu pra gente. Até que a Márcia Fortes, sócia-diretora da galeria Fortes Vilaça, ficou sabendo da gente e nos chamou pra fazer a primeira exposição no Brasil.

Vocês separam o trabalho que fazem na rua e nas galerias? O: Completamente. Grafite é ilegal, é pintar sem perguntar nada para ninguém. O universo da arte contemporânea é outra coisa, não dá pra misturar. G: Usamos técnicas semelhantes nos dois, mas não chamamos de grafite o que fazemos nas galerias.

O picho então também não pede permissão para nada. A diferença para o grafite é apenas estética? O: Desculpe, mas não falamos sobre picho.

Vocês acham que a arte contemporânea abraça os artistas que vêm da rua? G: Não sei se existe preconceito na arte contemporânea. Mas vejo cada vez mais artistas que vieram das ruas indo para as galerias.

Na visão de vocês, como está o grafite brasileiro atualmente? O: Tem e sempre teve muita gente boa. Aqui temos uma vantagem de poder ir na rua num domingo e pintar na cara de todo mundo. Se você faz isso em Nova York é preso em 2 minutos.

Suas exposições costumam agradar a pessoas com idades e backgrounds completamente distintos. Por quê? O: Nossa arte é muito simples. Não tem explicação, conceito. Na real, tem muito. Se quiser, a gente escreve um livro para cada tela que a gente pinta. Mas não precisa. Queremos mexer com o imaginário das crianças, dos senhores de idade, de todo mundo. A gente quer que a pessoa sinta antes de entender. G: Essa coisa de exposição é muito louca pra gente. Ainda é. Abrimos portas que pareciam que sempre estariam fechadas pra gente. Ver o número de pessoas que vai ver o que a gente faz é muito forte. É uma quantidade de público que não existe muito na arte contemporânea. De repente, mostramos pra um moleque que está começando na rua que há um mercado pra ele, que ele pode viver com o trampo dele.

Falemos de São Paulo. Qual a leitura que vocês fazem da cidade hoje? G: Uma das coisas mais legais daqui é que não tem praia. Faz a gente pegar outros tipos de onda. E aprender a surfar nelas, todo dia. O: Cara, acho que São Paulo piorou. Está mais violenta do que nunca. Os políticos estão mais corruptos, roubando mais descaradamente.

Essa onda de manifestações pelo país não deixa vocês mais otimistas? O: Quem foi às manifestações entende a força e seus significados. Cansamos de ver o mundo inteiro se mobilizando, enquanto nós brasileiros aceitávamos tudo de cabeça baixa. Estávamos acostumados a sermos enganados e excluídos das decisões que regem a sociedade brasileira, e é por isso que a coisa foi tão longe. Os 20 centavos foram apenas o estopim para acordarmos de um grande pesadelo.


"Uma das coisas mais legais de São Paulo é que não tem praia. Faz a gente pegar outros tipos de onda"


Será que essa mudança não começaria justamente por São Paulo, a maior metrópole brasileira? G: Acho que sim. A cidade vai ficar insuportável e algo de novo pode surgir disso. O caos já está instalado. Aliás, foi por isso que resolvemos pintar: para abrir uma janela para fora dele.

Vocês vivem numa queda de braço com a prefeitura, que costuma apagar grafites de vocês dos muros da cidade. G: Cara, nem temos muito o que falar sobre isso. Chegamos a ir lá falar com eles na gestão do Kassab, mas continuaram apagando nossas coisas. Nosso recado já foi dado. Vamos continuar fazendo. Não vamos deixar de falar o que queremos falar. Isso é certo. Só não entendo como eles podem se preocupar com grafite com tantos outros problemas por aí. Eles vão lá e passam a tinta cinza, paga pela própria população.

Drogas. Usam? Defendem? Condenam? G: A gente adora dormir e sonhar. Nosso trabalho depende dos sonhos que temos, eles nos inspiram. Se você não está bem, não está no controle, não sonha. Por isso não usamos nada, apenas bebemos socialmente.

Quais são os planos para o futuro? G: Queremos experimentar muitas coisas ainda. Quem sabe fazer roupas. Já desenhamos tantas... Se você reparar, cada boneco nosso tem uma roupa diferente. Nunca repetimos nenhuma. Já somos estilistas, de certa forma. O: Esse universo nosso é tão real que pode virar filme, musical, peça de teatro, performance, música. Nossa única preocupação é fazer bem-feito e não passar por cima de ninguém. Somos muito caprichosos. Queremos fazer o melhor que podemos.

Caco Pontes

$
0
0


Grandes doses de humor ácido e críticas à sociedade e ao jornalismo são as bases do novo trabalho de Caco Pontes, o livro Sensacionalíssimo. Aos 31 anos, o poeta aposta em micronarrativas comuns do cotidiano urbano que acabam nos noticiários e na boca do povo – uma morte por atropelamento que atrapalha o trânsito, personagens da cidade como vigaristas, prostitutas e mendigos – para criar versos que fazem refletir sobre a sociedade contemporânea.

A Trip bateu um papo com o poeta e, além de respostas, vieram versos.

Trip: Qual a sua história com a poesia?
Caco: Vejo a poesia como um estado de espírito, manifestação que atravessa e orienta todas as correntes artísticas, par'além da literatura, então, nesse sentido, desde garoto me vi iniciando tal busca, bem provável que tenha sido a partir dos oito anos de idade, primeiramente através da expressão cênica, teatral e, desde sempre interessado por cinema, música, quadrinhos, mas conscientemente me percebi construindo versos, fazendo poemas, por volta dos dezoito, numa fase de pouca perspectiva de vida, especialmente para se dedicar a uma carreira artística - que sempre foi o principal objetivo - e eis que me veio essa vertente como forma de expurgar, superar, encarar as adversidades, num processo solitário e intenso, passando mais tarde a se tornar meu trabalho, dando vazão de forma coletiva.

vivendo a poesia/ como se fosse ofício/ fazendo da notícia, verso/ tentando matar o tempo/ e ele, vice-versa

Que mensagem você queria passar quando produzia Sensacionalíssimo?
O processo começou em 2009, eu havia publicado meu livro anterior em 2008 (O incrível acordo entre o silêncio & o alter ego) e, geralmente, a tendência é partir pro próximo livro a fim de libertar tudo que se carregou até a edição anterior. Daí, fui convidado a participar de uma coleção de livretos artesanais xerocados, intitulada Peri go, que propunha a produção de "literatura descartável", projeto idealizado pelos poetas Giovani Baffô, Heyk Pimenta e Bruno Cordeiro. Me ocorreu criar algo que fosse rápido, impactante, popular e que chegasse a qualquer público, independente da classe social e, numa tacada só, brotaram uns onze poemanchetes sensacionalistas, pra dialogar diretamente co povão e até mesmo co'os intelectos, dando continuidade a minha busca em aliar experimentalismo ao entendimento comum. Sou muito grato às críticas construtivas, mas fico satisfeito com o resultado, ver o alcance que está tendo e percebo que posso me arriscar e não ficar preso às tendências do metier, prestar contas e ter de ser sempre o melhor, corresponder à expectativa de promessa da poesia contemporânea... Prezo pela liberdade, como diz o poeta Zizo no filme A Febre do Rato, do Cláudio Assis:

a poesia racha/ a poesia cresce/ a poesia borra/ a poesia suja... o direito de errar!

São versos que, a meu ver, parecem cutucar o leitor, "jogar umas verdades na cara"...
A poesia, em sua essência, tem por natureza o espírito provocador, anárquico, selvagem, porém trans-lúcido. De certa forma carrega uma maldição, que no decorrer da sua trajetória, o receptor (poeta), precisa entender e alquimizar para manter certo equilíbrio, pois, a tendência é a insanidade, que acaba refletindo esse aspecto do tapa na cara, na própria inclusive, daí pra lançar ao alheio é um passo, apenas. E, felizmente, ainda é um caminho de aceitação da auto-crítica e deboche por parte do espectador, como no humor, que ganha pelo riso, entretenimento, mas no caso da poesia ainda há uma romantização do segmento - apesar da marginalização inerente à mesma - se alimenta um certo mito em torno do mensageiro, que enquanto entidade mundana abre os portais de comunicação com o plano superior, possui a chave, mas não perde a chance de zombar, subverter, rebelar, o poeta incomoda agradando, agrada incomodando, parece existir aí uma relação bem forte com as polaridades, seja bi, tri ou trans.

Além de dar uma cara de cotidiano, a brincadeira com as manchetes de jornal funciona como uma crítica ao jornalismo, também?
Certamente. Acho bem curioso o fato de existirem excelentes jornalistas, que marcaram época, atuando num momento em que não existia faculdade de jornalismo e que após o surgimento de tal formação superior, aliado à necessidade de rapidez e pouco aprofundamento nos conteúdos a serem informados, reflete um emburrecimento no setor, além de manipulação e falta de ética no tratamento com as notícias, por parte dos grandes veículos. Optei por fazer referência ao que já nasce assumidamente absurdo e exagerado, como fez o tablóide Notícias Populares, sem falar na genialidade d'O Pasquim, ou mesmo o Jornalismo Gonzo, de Hunter Thompson. Foi um privilégio ter o apoio de figuras como Glauco Mattoso, Hugo Possolo, Kiko Dinucci, Ademir Assunção e Georgette Fadel, além da orelha do Xico Sá e prefácio do Marcelino Freire, todos devidamente antenados com a proposta lançada na roda, desconstruindo a abordagem para a qual foram requisitados.

Você fez as colagens de jornal à mão? Se sim, usou manchetes de verdade, inventou algumas, como foi?
Sim, rolou uma imersão nos recortes, que apesar da tentativa de ser aleatório, ficou difícil escapar às notícias que poderiam ser reconstituídas, criando novos sentidos, ou a total falta deles, gerando o antagonismo e a oposição. Nesse processo foi sendo criada uma interatividade, hipertexto, chegando num misto orgânico entre o clássico e o contemporâneo. O diagramador do livro, Victor Meira, foi bem parceiro na composição, captou perfeitamente minhas sugestões, fez ótimas proposições, montagens, bem como o ilustrador Romulo Alexis, ambos artistas visuais de mão cheia, e, então chegamos num trabalho de equipe bem entrosado, satisfatório, é um dos livros mais bonitos em termos de projeto gráfico na atualidade. Não sou eu quem fala, é o povo que diz [risos].

Você que pensou e fez a arte do livro?
Toda a concepção editorial foi minha, do formato ao papel. Aprendi a ser editor na guerrilha, com a Poesia Maloqueirista, após anos produzindo meus livretos, a Revista Não Funciona, além de meu livro anterior. A coisa vai amadurecendo com o tempo, ganhando mais autonomia... Achei que seria bacana se aproximar do formato de tabloides. Cada sessão tem um espírito, divididas como nos cadernos de jornal, então optei por criar uma grafia pra cada qual, por exemplo na Páginas Policiáveis, adotei letras recortadas de revistas, como aquelas cartas de sequestrador; em (Des)Classificados, bati à maquina de escrever; e em Perifericults & Analogicools, uma tentativa tosca de letras de pixação... Até pensei em chamar algum "pixador profissional", mas acabei fazendo eu mesmo, claro que alguns camaradas que são mais peritos acharam uma merda, mas tá valendo, é bacana poder desagradar até mesmo os que desagradam...

Cada página do livro traz uma mini narrativa, um pequeno mote que poderia se transformar até em crônica... Seus versos têm um pouco cara de crônica. Você tinha essa intenção?
Eu venho da escola da oralidade, comecei no teatro, levei essa característica pro trabalho na poesia, performance, onde pude fazer a fusão, descobrir a intervenção urbana e tals... Já arrisquei escrever em outros formatos, dramaturgia por exemplo, mas ainda sinto mais confiança no verso, então quando arrisco experienciar outros formatos sempre é uma derivação do poema, neste caso, acabei misturando com a micronarrativa, que chega a flertar diretamente com a crônica. E como o formato dos textos são manchetes, ficou inevitável entrar nesse lugar. Há um tempo cheguei a ler o Stanislau Ponte Preta com as Crônicas da Tia Zulmira, que explora algo bem similar... E este trabalho que desenvolvi me remete também um pouco ao poema-piada, que foi bastante difundido pelos poetas marginais, como os da Geração Mimeógrafo; de alguma forma devem ficar resquícios no inconsciente coletivo, universalmente a história da literatura se confunde com mitos recriados, eu não busquei em nenhuma fonte específica a influência, na real até prefiro me distanciar pra não reproduzir meramente, sem ao menos tentar reinventar, mas considerando que a formação do autor se dá por leituras e absorção de conteúdos variados, muita coisa fica no limiar do pensamento criativo.

Sensacionalíssimo tem humor ácido do começo ao fim. Qual você acha que é o papel do humor na arte e na discussão da realidade?
O humor é como o amor, algo universal, tem abordagem em muitos aspectos e pontos de vista, social, cultural, espiritual. Penso que existem muitas possibilidades por esta via, inclusive a banalização, um tanto de superficialidade, dividindo opiniões, criando patrulhas ideológicas e contraposições entre o que seria ético ou reduzido ao politicamente correto. Tenho aprendido que o mais importante é não se levar tão a sério assim. Parece um caminho ligado a uma espécie de sabedoria. E por aí, vou tentando ir. Não sou humorista, mas tenho senso de humor, ora falta dele, sou humano, afinal.

Róliudi

humoristas
geralmente são mal humorados
para ser um bom ator de cinema
basta fazer cara de Colin Farrel
no Miami Vice
e há quem diga que o seu cachê já está milionário
melhor do que se tornar apresentador de TV
estigmatizado
a legitimidade se deve ao ato
para o alto e avante
parei na contramão
como o Roberto Carlos
mas não sou rei, apenas don
e atualmente tento
um aumento de salário.

Vai lá: Sensacionalíssimo
Autor: Caco Pontes
70 páginas
Preço: R$ 25
Editora: Kazuá
www.cacopontes.net
www.editorakazua.com.br

Viewing all 3118 articles
Browse latest View live