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Tony Bellotto

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Felipe Chiri

Tony Bellotto

Tony Bellotto

 

Tony Bellotto é fundador e guitarrista de uma das mais importantes bandas do Brasil, os Titãs, e há 20 anos ele se divide entre a criação de riffs e acordes de guitarra e a produção literária. Depois de comemorar os 30 anos do grupo no ano passado, este ano ele lança seu oitavo livro, Machu Picchu, pela editora Companhia das Letras.

Pai da Nina, do João e do Antônio e o marido da Malu Mader, o galã dos Titãs, Antônio Carlos Liberalli Bellotto é espécie de cruzamento entre Jimi Hendrix e Ernest Hemingway. Ele ainda apresenta no canal Futura o programa Afiando a Língua, onde encarna uma espécie de Professor Pasquale de jaqueta de couro.

Na entrevista ele falou sobre a vida em família, seu envolvimento com a literatura, sobre o programa de TV que apresenta no canal educacional e sobre os 30 anos da banda pioneira do rock paulista.

"Claro que rock não é esporte, mas é legal você manter a forma"

"O segredo da longevidade dos Titãs é justamente essa motivação que sentimos para sair e gravar coisas novas. É claro que a gente não vai ensaiar "Bichos Escrotos" ou "Polícia", que a gente já toca há mais de 25 anos", brincou o guitarrista. "O que mantém a gente vivo é olhar pra frente e ter o barato, sem Viagra, com o nosso trabalho novo. Ainda temos o mesmo gás que tínhamos em 1982 quando tocávamos na Caos Brasilis."

Tony falou também sobre uma declaração que deu anos antes, quando afirmou que ficava deprimido ao ver roqueiros barrigudos. Como o tema da Trip deste mês é Barriga, a questão não poderia passar em branco na entrevista.

"Eu não tenho preconceito com quem tem barriga", ele ri. "Tenho 52 anos e meu ideal de grande roqueiro é o Mick Jagger. O cara tem 70 anos e tá magrinho, com uma vitalidade incrível e cantando pra cacete. Eu admiro essa dedicação. Claro que rock não é esporte, mas é legal você manter a forma. É deprimente ver aquele cara que tá sem fôlego no palco. E a exceção é o Ozzy Osbourne, que é charmoso mesmo desse jeito."

"Estar do lado da Malu já é 80% do meu segredo de beleza"

Continuando no clima descontraído, Bellotto falou sobre o posto de galã oficial dos Titãs, que ocupa desde o início dos anos 80.

"Estar do lado da Malu [Mader, sua esposa] já é 80% do meu segredo de beleza. Sempre achei que essa vida de estrada e de show é cansativa. Então eu sempre fiz exercício, mesmo quando eu era doidão. Tento equilibrar minha alimentação também, mas sempre seu exagero. Hoje rola essa patrulha contra quem é gordo, que eu acho um absurdo. Cada um faz o que quer da vida."

Setlist do programa:

Taj Mahal - "Aint That a Lot of Love"
Jimi Hendrix - "Hey Joe"
Titãs - "Familia"
Slim Harpo - "Te Ni Nee Ni Nu"
Rolling Stones - "Shes a Rainbow"


90 anos lendários

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Arquivo pessoal

Jack O

Jack O'neill

Em 2010, a Trip abriu espaço em suas páginas para contar a história de um homem que mudou sozinho toda a trajetória do surf. Mais do que isso, que mudou para sempre também a natação marítima, o mergulho de águas profundas, a pesca submarina e a perfuração de petróleo em plataformas marítimas, tudo isso graças aos trajes de neoprene para surf, sua maior invenção. Recentemente, o pioneiro Jack O'Neill completou 90 anos ainda na ativa na produção tecnológica de trajes aquáticos e à frente de seu império, a marca de material esportivo O'Neill.

Na ocasião, nosso publisher Paulo Lima sentou com o mitológico surfista e empresário na Califórnia para uma conversa que rendeu uma excelente entrevista sobre surf, negócios e inovação.

Tem uma história boa sobre como você tentou entender o funcionamento do plástico para manter a temperatura do corpo...
"Eu estava testando diferentes maneiras de se manter aquecido. Foi uma época, no fim dos anos 40, em que havia um monte de lojas de suprimentos de guerra. E essas lojas tinham os descartes da indústria da guerra. Então fui a uma dessas lojas e descobri o que eles usavam para se manter aquecido na zona de combate. Era uma espécie de lençol de borracha por cima de uma coisa como uma lã... e funcionava muito bem. Mas eles nunca aperfeiçoaram o produto no sentido de fechá-lo depois que você entrava naquilo. Então na água era um problema.

Você provavelmente faz parte de uma das primeiras gerações de surfistas daqui da Califórnia, certo?
Não, não, havia gente surfando no Havaí já nos idos de 1800. E esses caras também foram os primeiros a surfar na Califórnia. Tinha também um irlandês que provavelmente fazia isso naquela época, mais para o sul.

Qual foi a coisa mais importante que você aprendeu com o oceano?
Nossa, eu tirei tanto do oceano, aprendi tanto com ele. Meus filhos, os filhos deles e outras crianças também. Nós já levamos perto de 60 mil crianças nesse projeto.

Depois de todos esses anos trabalhando na O'Neill com grande sucesso, quais lições você tirou da vida como um homem de negócios?
Penso que tive boas oportunidades, o timing foi perfeito. No norte da Califórnia, a temperatura do mar é muito baixa. Era um lugar natural para o desenvolvimento desse tipo de produto. E tivemos a exclusividade na manufatura das roupas de borracha por um bom tempo, isso nos deu tempo para nos aperfeiçoarmos. As pessoas riam das roupas no começo, mas agora usam no mundo todo.

Veja abaixo a entrevista em vídeo

Vai lá: http://revistatrip.uol.com.br/revista/192/reportagens/terra-de-cego.html

Lúcio Mauro Filho

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Reprodução/TV Globo

Lúcio Mauro Filho

Lúcio Mauro Filho

Lúcio Mauro Filho é um dos principais cômicos da sua geração. No cinema, por duas vezes ele já deu vida à um panda especialista em kung-fu. No teatro, ele vive, desde o ano passado, um leão medroso. Mas foi na televisão, na pele de um adolescente bem desencanado, que ele conquistou o público brasileiro.

Filho do grande, Lucio Mauro, ele começou sua carreira no teatro Tablado. Na televisão, estreou em 1994, na novela da Rede Globo A Viagem. Mas foi sua participação por cinco anos no programa Zorra Total que lhe rendeu o convite para interpretar o Tuco, o filho da Dona Nenê e do Seu Lineu, no seriado A Grande Família, personagem que ele interpreta há nada menos que 13 anos.

Atualmente o ator está no cinema com o filme Vai que Dá Certo, que estreou na semana passada, e no teatro Alfa de São Paulo com a peça O Mágico de Oz.

Setlist do programa:

Erma Franklin - "Pice of my Heart"
Jimi Hendrix - "Earth Blues"
Rodigo Campos - "Princesa do Mar"
Talking Heads - "Love Building on Fire"
Bob Marley - "Iron Lion Zion"

O Trip FM vai ao ar na grande São Paulo às sextas às 20h, com reprise às terças às 23h pela Rádio Eldorado Brasil 3000, 107,3MHz

Muito mais que uma onda

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Dane Reynolds, o surfista mais empolgante em atividade no mundo, tornou-se quase um herói ao abrir mão das competições e caminhar na contramão

Dane Reynolds redefiniu o surf no século XXI. Unindo um revolucionário jogo aéreo a doses igualmente brutais e ambíguas de força, fluidez, abandono e espontaneidade sobre uma prancha, o californiano é hoje o surfista mais talentoso do mundo. Palavra do supercampeão Kelly Slater. O brilhantismo de Dane não se mede pelo número de manobras que traz em seu repertório ou pelo histórico no cenário competitivo. Sua grandeza está no conjunto da obra. Nas linhas que escolhe para desenhar paredes líquidas. Na agressividade crua com que destrói seções ou as sobrevoa. No estilo imprevisível que transborda radicalidade poética.

Assistir a Dane surfar é como ver um artista em seu apogeu. É descobrir que a perfeição existe da maneira mais imperfeita e improvável possível. Em terra, ele é quieto e modesto, quase misterioso. Avesso aos holofotes, quando não tem para onde correr – em um campeonato ou grande evento – não esconde o desconforto. Não que seja inseguro: Dane simplesmente preferia estar em outro lugar.

Suas entrevistas são sempre uma incógnita – às vezes, reveladoras, outras vezes, enigmáticas. Três anos atrás, no Havaí, perguntei se ele sonhava com o título mundial. Depois de uma longa pausa, respondeu: “Vamos surfar, parece que o mar melhorou”. E assim terminou a conversa: fomos para a água e nunca voltamos ao assunto.

 

“Rankings e troféus significam pouco para mim. Quero aprender, quero fazer coisas, coisas com um propósito”

 

Meses depois, tive a resposta: o sucessor natural de Slater anunciou que não almejava o mesmo destino. Tornar-se um dos maiores ícones do esporte em todo o mundo não era pra ele. Remando contra a maré, aos 26 anos de idade, Dane disse chega. A notícia que sacudiu o mundo do surf, pouco mais de um ano atrás, veio na forma de uma carta publicada em seu blog. Honesto e corajoso, seu texto “Declaration of Independence” (declaração de independência) explicava, em 1.600 palavras, por que ele decidiu largar as competições e seguir seu próprio caminho. Apesar de privada de letras maiúsculas e com pontuação duvidosa, a carta é articulada e reveladora.

“venho sendo pressionado por várias pessoas e pela imprensa a escrever algo como um pronunciamento oficial sobre minha saída do circuito mundial. Minha arregada. Minha pirueta. (...) três marcas me apoiam e me permitem surfar todos os dias e viajar e comer e ter uma casa para morar. Em troca as represento de uma maneira positiva. (...) ao aceitar seu apoio eu assumo certa responsabilidade. Alguns pensam que essa responsabilidade é competir. É colocar uma lycra de competição e destruir meus adversários. Mesmo que seja através de um critério inconsistente e unidimensional onde o resultado raramente está ligado apenas à performance. Talvez esse seja o apelo. Eu não sei. Eu até gosto de competir. Mas será que acredito na competição? O suficiente para dedicar uma grande parte de minha vida para isso? (...) aventura acima da responsabilidade. Suicídio de carreira! Potencial desperdiçado. Talento jogado fora. Eu sei o que vão dizer. (...) mas rankings e troféus significam pouco para mim. Quero aprender, quero fazer coisas, coisas com um propósito, quero ser produtivo. Viajar. Novas experiências. Novas sensações. E, principalmente, explorar os limites do surf de alta performance. (...) este pode ser o fim de um candidato ao título mundial. Mas é também um recomeço.”

Se por um lado sua inédita declaração de independência foi duramente criticada por parte da imprensa especializada – que o acusou de ser um preguiçoso hipster que só queria mamar nas tetas da indústria sem assumir sua responsabilidade de atleta –, por outro, Dane tornou-se herói instantâneo para milhares de fãs em todo o mundo. Afinal, não há nada mais atraente do que um rebelde sábio e desinteressado. Ao virar as costas para as competições, a fábrica de ídolos programados para vender bermudas, Dane virou o surfista dos surfistas. Um cara anti establishment. Anticomercialismo. Anti-status quo. Um herói do underground. Um surfista de verdade.

Sua atitude genuína e indomável, unida a seu surf espontâneo e criativo, transformaram-no em um dos maiores ídolos que o surf já viu. E ele nunca venceu um campeonato. No fundo, Dane é apenas um homem de talento excepcional que preferiu conduzir a carreira de uma maneira diferente. E, se conseguiu que seus patrocinadores o apoiassem nessa empreitada, isso por si já é um feito que não anula o raciocínio que o levou a desistir das competições. Ao contrário: sua posição financeira privilegiada (especula-se que seu salário supere US$ 1 milhão por ano) lhe proporciona um escopo bem mais amplo de possibilidades. O que haveria de errado nisso?

Atualmente, Dane abre uma trilha virgem para surfistas profissionais. Diferente de qualquer freesurfer pago para produzir fotos e vídeos, sem competir, ele não segue uma rotina frenética de eterno viajante. O freesurfer comum vive em busca da onda perfeita em paraísos longínquos e exóticos – sempre com a obrigação de retornar com conteúdo para seu patrocinador – e dificilmente passa mais de duas semanas no mesmo lugar.

Dane repudiou tudo isso. Ele preza sua rotina tranquila na Califórnia, gosta da comida caseira da namorada e de longos passeios com seus três cachorros. Seu profundo conhecimento da costa de sua cidade natal, Ventura, permite que fique em casa e mesmo assim surfe muito. Poucos surfistas locais possuem um entendimento tão extenso sobre qual combinação de maré, ondulação e vento transformará uma onda ruim num tubo perfeito. Dane é mestre em decifrar essas nuances.

Não fosse pelos vídeos publicados quinzenalmente em seu blog, aguardados pelo mundo do surf como último capítulo de novela, ninguém saberia que o surf mais contemporâneo do planeta está acontecendo longe dos holofotes, numa pacata cidadezinha da Califórnia.“Dane pode não agradar a todos no mundo do surf”, explica o talentoso fotógrafo Morgan Maasen, seu amigo. “Mas encontrou um caminho próspero e confortável que alimenta a alma e dá sentido a sua vida. Isso é mais importante do que qualquer título mundial.”

*Steven Allain é diretor editorial da revista Hardcore

Vai lá: www.marinelayerproductions.com



O homem do ano

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Disco com inéditas, biografia, HQ, documentário, filme de ficção: dez anos depois de sua morte, Mauro Mateus dos Santos – para os amigos de infância, Maurinho; para todo o Brasil, Sabotage – ainda é o cara

Murilo Meirelles

Sabotage

Sabotage

"Na sua meninice, ele um dia me disse que chegava lá.
Olha aí! Olha aí! Olha aí, ai, o meu guri, olha aí..."

Mauro Mateus dos Santos, maestro da periferia, ator de cinema, traficante dos dois revólveres na cinta, namoradinho da Dalva, filho da guerreira dona Ivonete, devoto de Iemanjá e sobretudo um devoto do rap nascido na favela do Canão, zona sul de São Paulo, disse em sua última entrevista, publicada postumamente na Trip de março de 2003, que Chico Buarque poderia muito bem estar falando dele quando escreveu o samba “O meu guri”. “Aquilo era o meu retrato no morro”, contou Sabotage, ou simplesmente Maurinho, que se descrevia na entrevista como “o cara que olha nas bolinha dos zoio”.

Sabotage completaria 40 anos no dia 3 de abril, mas não chegou ao 30º aniversário. Na madrugada de 24 de janeiro de 2003, às 5h50, quatro tiros lhe atingiram boca, ouvido e coluna cervical. Dez anos após sua morte, o autor do icônico “Rap é compromisso” (2000) é tema de um documentário, uma biografia, um disco com músicas inéditas e um filme de ficção. O produtor Denis Feijão negocia ainda com a família levar a vida de Sabotage ao cinema, sob direção de Walter Carvalho. Enquanto filmava com Carvalho o documentário Raul – O início, o fim e o meio, sobre Raul Seixas, o produtor conheceu Wanderson “Sabotinha”, primogênito do rapper. Na mesma época, foi apresentado a Jonathan Azevedo, o Negueba, ator espichado do grupo de teatro Nós do Morro, que tinha um sonho: fazer o papel de Sabotage num filme. “Ele é muito igual, tem os cacoetes, faz rima”, afirma Feijão.

A produção ainda não confirma, mas chegou à família a informação de que a viúva, Dalva, poderá ser vivida por Mariana Ximenes (a atriz diz que não sabe de nada, mas “adoraria”). Ela, Sabotage e Paulo Miklos, do Titãs, estrearam no cinema juntos, com O invasor (2001), de Beto Brant. Sabotinha, hoje com 20 anos, diz que poderá interpretar o pai quando bem jovem, na época do tráfico. Em fase de pesquisa e roteirização, o filme de Walter Carvalho talvez ganhe estrutura narrativa semelhante à de I’m not there, cinebiografia em que vários atores se revezaram no papel de Bob Dylan. “Acho impossível ter uma ficção [convencional] de personagens como ele, como Raul, Cazuza ou Tim Maia”, diz Feijão.

Ele define Sabotage como “o nosso 2Pac”, em referência ao rapper americano Tupac Shakur, morto a tiros, em 1996. No documentário  , que Feijão também ajuda a produzir, Sabotage se mostra um homem múltiplo. O cineasta Beto Brant, que o dirigiu, o alinha a Chico Science e Bob Marley. O amigo Rappin’ Hood compara: é o Garrincha do rap brasileiro. Para Alê de Maio, autor dos quadrinhos que estão nesta reportagem, era o Che Guevara das quebradas.

Alexandre de Maio

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Diretor do documentário, Ivan Ferreira quer colocá-lo na praça até o fim do ano. Já são 11 anos rodando: Ivan tinha 20 anos e era, como se define, um “maloqueiro playboy de Perdizes” quando entrevistou Sabotage pela primeira vez. Agarrou o desafio de costurar as “várias histórias desencontradas” sobre o homem por trás do mito – de uma suposta “letra de amor” escrita para o colega Mauricio Manieri até histórias de tempos menos adocicados numa boca de drogas na Vila da Paz, favela onde Sabotage morou nos anos 90.

O álbum com 11 faixas inéditas tem produção de antigos parceiros: Daniel Ganjaman, Tejo Damasceno e Rica Amabis, da banda Instituto. O disco, conta Tejo, “mostrará tudo o que ele é capaz de fazer”, o sincretismo musical que juntou o rap a gêneros como samba e rock. Já a biografia é assinada por Toni C., autor de O hip-hop está morto. Toni não conheceu seu biografado. Por pouco: o encontro aconteceria no Fórum Social Mundial, em Porto Alegre, onde o músico tinha compromisso naquele 24 de janeiro. Sabotage disse a amigos que pretendia estar de volta a São Paulo no dia seguinte, aniversário da cidade.

Há controvérsias

“Quando se trata de Sabotage, há muitas histórias mal contadas”, diz Toni. Segundo ele, por exemplo, diferente do que está cravado na Wikipédia e até em sua lápide, foi no dia 3 de abril, e não 13, que o filho de Júlio dos Alves Santos e Ivonete Mateus de Melo veio ao mundo. Aos 15 anos ele conheceu o pai, vulgo Julião Carroceiro, que às vezes aparecia bêbado. A mãe foi doméstica, costurou, passou. Fez de tudo um pouco para sustentar três filhos – o caçula, Maurinho, Deda, que se envolveu com o tráfico e morreu nos anos 90, e Paulinho, “sem saúde mental”, segundo Toni C. O barraco deles na favela do Canão não existe mais – a área, na avenida Jornalista Roberto Marinho, virou canteiro de obras do metrô. Crescer nessa quebrada formou o músico e o militante. Sabotage consagrou o lema “respeito é pra quem tem” em seu único disco, Rap é compromisso, lançado pelo selo Cosa Nostra, dos Racionais MC’s de Mano Brown. “Ele enxergava o rap como instrumento de mudança. Com o microfone na mão, a gente tem responsabilidade de levar nosso povo para coisas melhores. Povo preto, pobre, da periferia”, resume Rappin’ Hood.

Hoje, o Canão se restringe a poucas vilinhas, algo parecidas com a do seriado Chaves. Sabotage continua sendo “o cara” por lá. Seu rosto está grafitado num muro, e Tainá, jovem de 15 anos, carrega um pôster da irmã mais velha que exalta o “poeta, guerreiro e sobrevivente”. Rosângela dos Santos, 37, conheceu o menino no colégio. Lembra de um diálogo recorrente do colega, “corintiano roxo”, com uma professora “que pegava no pé dele”:

– Ô, Mauro! Mauroooo! Cadê sua lição?

– Tá aqui. Minha lição é minha música.

O aluno mostrava o caderno rabiscado com composições. Sabotage, que cursou o ensino fundamental, foi guardador de carros e feirante, falava em ser office-boy, mas entrou no tráfico mais ou menos na época em que a mulher, Maria Dalva, engravidou de Wanderson (as datas são incertas: o próprio Sabotage relatou à Trip que, aos 8 anos, já vendia droga). Antes disso, sem grana, Sabotage usava camisetas suas como fraldas para o bebê. De repente, fraldas descartáveis, leite em pó e outros “luxos” entraram na rotina. Opção que “ajudou a família”, diz o documentarista Ivan.

Mil grau

Mesmo com a nova atividade, que o levou a andar armado, não deixou a música de lado. Quando reencontrou Rappin’ Hood, camarada da zona sul com quem pegava metrô ao voltar do Clube da Cidade nos anos 80, deu seu número de bip (não tinha celular) e combinou de entregar fitas cassete com músicas suas. O material foi parar nas mãos do rapper Sandrão, do RZO. “Aquele moleque foi considerado ‘mil grau’. Era o momento dele”, diz Hood.

No começo dos anos 2000, o “mil grau” já pegava fogo: aparecia no Altas horas, da Globo, nos programas da MTV, no cinema – além de O invasor, fez Carandiru, de Hector Babenco, lançado meses após ele morrer. Sabotage, que chegou a passar pela antiga Febem e foi autuado duas vezes por porte de arma e tráfico, “nunca puxou cana”, diz Toni C. Mas sacava bem o Carandiru, onde tios e o irmão Deda ficaram presos. Numa cena antológica do filme, seu personagem beija a bunda de Rita Cadillac.

Alexandre de Maio

 

Segundo Rappin’Hood, pessoas “do movimento” estranharam o “Sabota” mainstream, fazendo show “em casa noturna de playboy”. Mas Sabotage transitava bem entre muitos meios e tinha amigos tão variados quanto Chorão, do Charlie Brown Jr., e os rapazes do Instituto. Hood e Sandrão chegaram a ir à boca de fumo para buscá-lo e falar com “o patrão”. O papel de Sabotage na boca, diz Rappin’, era o bê-á-bá: “Chegava a caranga: ‘Quantas vai, parceiro?’. E ele servia”. Até que a própria rapaziada do tráfico falou pros amigos: “Ele tem talento mesmo pra esse bagulho, tem mais é que cantar”.

Foi o que Sabotage fez até morrer. Gravou todos os dias daquela semana até ser alvejado na sexta-feira, na avenida Professor Abraão de Morais, no Jardim Saúde. Ia pegar um ônibus após deixar a “patroa” na concessionária na qual ela era auxiliar de cozinha. Morreu no hospital, cinco horas e meia depois. Essa história de amor, como tudo mais, começou no Canão. “Coisa de criança”, define Dalva. Aos 18 anos, a menina branca de cabelos claros reencontrou o namorado de infância. “A gente não chamava atenção pela cor, mas pelo cabelo espetado dele.” Tiveram dois filhos, Sabotinha e Tamires, de 18 anos. E há outra filha, hoje adolescente, que ele teve fora do casamento.

Duas coisas tiravam Sabotage do sério. “Quando tava com fome e quando ficava sem...”, diz Sabotinha, fazendo o gesto universal do “fumar um”. Ele conta que o pai também era chegado no vinho San Tomé, que lia muito (de jornal a dicionário) e escutava de tudo (de rap gringo a Sandy & Júnior). E que as trancinhas arrepiadas o obrigavam a dormir de bruços.

Em 13 de julho de 2010, um júri de quatro homens e três mulheres determinou que Sirlei Menezes da Silva era culpado pelo homicídio duplamente qualificado (motivo torpe e impossibilidade de defesa) desse pai de família. A pena do réu, preso em 2004: 14 anos de prisão. Foi o último caso do promotor Carlos Talarico, hoje procurador da Justiça. “O processo indicava que, meses antes, ele estava com cada pé numa canoa: não sabia se a arte ia render ou se iria para a vida marginal.” Sabotage sabia que “tinha inimigos, de tretas antigas. Falava: ‘Se eu fizer sucesso, a inveja dos caras não vai deixar eu viver em paz’”, recorda Rappin’Hood, até hoje amigo da família que ainda mora no barraco de dois andares no Boqueirão, último endereço de Sabotage. “O sonho dele era sair da favela”, diz ele, que tem aconselhado os filhos do amigo a lutar por um bom acordo financeiro antes de dar OK à ficção que Walter Carvalho pretende rodar. “É real o bagulho. Não vem com caô, vem com contrato.”

Dalva ganha R$ 810 como auxiliar de limpeza numa filial do curso de línguas Fisk. Lembra de ter recebido só uma vez por direitos autorais do marido, pouco mais de R$ 2 mil. “Tá ruim ainda. Com fé em Deus, vai melhorar.”

A revolução será impressa

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Aos 71 anos, morando isolado no campo, este homem toca a revista que fez milhares de ativistas ocuparem Wall Street e praças do mundo todo. Conheça Kalle Lasn e a Adbusters

Cerca de 30 anos atrás, Kalle Lasn sofreu uma epifania em um estacionamento de supermercado. O motivo: para usar o carrinho de compras, era preciso inserir uma moeda de 25 centavos na máquina. Chocado pela primeira vez com o fato pueril, ele enfiou a dita-cuja com tanta força que acabou quebrando o dispositivo.

Foi apenas uma das várias lutas de Kalle contra a máquina – não a do supermercado, mas a maior delas, que faz as engrenagens do status quo girarem. Sua arma é a Adbusters (algo como “Caçadores de propagandas”), revista que criou em 1989. As páginas são recheadas de subvertisings (anúncios subvertidos) – Joe Camel, o mascote dos cigarros Camel, por exemplo, vira Joe Chemo, em alusão a chemotherapy (quimioterapia). Slavoj Zizek, Noam Chomsky e outros bambambãs da filosofia e das
ciências políticas contemporâneas são colaboradores frequentes. A direção de arte anárquica (uma edição foi toda feita com imagens em baixa resolução, deixando tudo pixelado) é hoje objeto de estudo em faculdades de design.

Não há seções fixas nem anunciantes. A revista se sustenta com a venda em bancas, assinaturas (a circulação hoje bate a casa dos 120 mil exemplares) e outros produtos comercializados pela Adbusters Media Foundation, como livros, DVDs e até tênis.

De sua discreta redação em Vancouver, no Canadá, saíram ideias para movimentos que ganharam o mundo, como o TV Turnoff Week, o Buy Nothing Day e, o mais impactante deles, Occupy Wall Street. Embora não assuma sua paternidade, a Adbusters foi autora do primeiro pôster convocatório para a ação (uma bailarina dançando em cima da estátua de touro, símbolo do centro financeiro, com os dizeres: “Qual a nossa única demanda?/ #OccupyWallStreet/ 17 de setembro/ Traga barraca”) e da hashtag que inundou as redes sociais.

Desfeitos os acampamentos em Zucotti Park, a resposta para a pergunta que o pôster colocava continua no ar. Mas seus efeitos ainda reverberam pelo planeta. “Occupy foi o começo de algo muito profundo. Foi a prova de que os jovens perceberam que, se não lutarem, não terão um futuro”, diz Kalle, por telefone.

O senhor revolucionário, no entanto, não dormiu na praça. Permaneceu em sua chácara com árvores, horta e lago, localizada a 50 quilômetros de Vancouver, onde mora com Masako Tominaga, sua mulher, um pastor-alemão e a sogra – visitando o casal, há cinco anos, ela sofreu um derrame cerebral, que paralisou metade de seu corpo e a impediu de voltar para casa. “É como se eu tivesse duas vidas. A de militante e a de homem do campo. Adoro plantar, faço compostagem”, conta. Ele só vai à redação de três a quatro vezes por semana, sempre à tarde.

Reprodução/Adbusters

Algumas da capas mais emblemáticas dos 24 anos da Adbusters

Algumas da capas mais emblemáticas dos 24 anos da Adbusters

Nascido em Tallinn, na Estônia, há 71 anos, Kalle tem idade para ser avô da maioria de seus seguidores. “Com dois anos, morei em um campo de refugiados na Alemanha. Vi a Segunda Guerra, o Maio de 68, a Guerra do Vietnã... Vi muita coisa nesta vida. Tive várias pequenas epifanias que me levaram a quebrar aquela máquina naquele dia e me tornar um ativista”, rememora, com a voz animada como a de um garoto.

A seguir, Kalle quebra tudo de novo:

Na época, Occupy Wall Street parecia uma revolução. Hoje há quem diga que seus efeitos se diluíram. O que você acha?
OWS foi o começo de algo muito profundo. Foi a prova de que jovens do mundo todo perceberam que, se eles não levantarem e lutarem, não terão um futuro. Pegamos todos – esquerda e direita – de surpresa. Foi o surgimento de uma nova esquerda. Ela não tem nome ainda, nem cara. Mas talvez não precise de nenhuma das duas coisas. Ela não é vertical, como a esquerda antiga era. Sabe usar as mídias sociais, tem filosofias novas. Estamos diante de um novo jeito de fazer ativismo.

Por que precisamos de uma nova esquerda?
Porque a antiga é ineficiente. Por isso que a Adbusters e os movimentos criados por ela cresceram tão rápido. Ela carece de criatividade. Nos anos 60, ela era cool, vibrante, dominava o discurso. Era inspiradora. Depois, perdeu o fio da meada, principalmente depois do colapso da URSS. Gritam os mesmos slogans, insistem nas mesmas lutas. Sempre falamos isto na revista: “Precisamos passar por cima do cadáver da velha esquerda”.

E esse novo ativismo deixa você otimista?
Não tanto quanto gostaria. Acho que outros big bangs como OWS virão, mas ainda estamos na defensiva. Pussy Riot, Espanha, Grécia... estão todos na defensiva. Há a sensação de que algo grande aconteceu, mas agora ninguém sabe muito bem o que fazer. Por outro lado, vejo um grande colapso no horizonte, uma crise financeira, ambiental e psicológica que pode durar anos. Em 1929 [ano da Grande Depressão], havia petróleo, peixes no mar e a Amazônia para nos ajudar a nos reerguer. Da próxima vez, não teremos no que nos apoiar.

 

"Acredito no poder dos jovens de se erguerem e inventarem uma transformação radical na política, na ecologia, no jeito que consumimos, que lidamos com as corporações e com os bancos. Acho possível que haja esse momento de singularidade, de verdade plena"


Vamos para o buraco então?
Espero que não. Ainda acredito no poder dos jovens de se erguerem e inventarem uma transformação radical na política, na ecologia, no jeito que consumimos, que lidamos com as corporações e com os bancos. Acho possível que haja esse momento de singularidade, de verdade plena.

Naomi Klein (autora do livro Sem logo) criticou a Adbusters dizendo que ela detona o sistema replicando estratégias dele, como quando lançou uma linha de tênis própria, a Blackspot Shoes. O que você acha disso?
Um monte de gente não entendeu o Blackspot Shoes. Por anos, o discurso da esquerda era de que não podemos usar Nike, pois eles são feitos com mão de obra escrava na Ásia. Pois bem. Em vez de tentarmos fazer a Nike mudar de ideia em relação a sua cadeia produtiva, preferimos fazer nossa própria marca, que operasse de forma justa e responsável. Mas a esquerda não gosta de marca. Na verdade, ela não gosta de fazer coisas. Só gosta de criticar. Por que não podemos ter nosso próprio café, nossa música, nosso tênis?

O design é muito importante na Adbusters. A revolução tem que ser bonita?
Não gosto de dividir forma e conteúdo. Para ser poderoso, um conceito deve ser bonito, inspirador. Se você é chato, só usa o alfabeto para transmitir sua mensagem, ninguém vai te escutar. Gosto de acreditar que somos pioneiros de uma nova estética. Ela é mais emocional, jazzy, espontânea. Se você quer mudar o mundo, tem que mudar a cara dele. A estética imperante hoje é clean, como as propagandas. Precisamos fazer arte de outro jeito, mudar a sensação de entrar numa loja, numa banca de jornal. Isso é, talvez, a luta mais importante para mim.

Qual a próxima campanha da Adbusters?
Nosso objetivo agora é mudar as bases da teoria econômica. Por isso o livro Meme wars [veja mais abaixo]. Ah, também estamos pensando em fazer acampamentos em frente a todas as 73 sedes do Goldman Sachs, um dos maiores bancos de investimento do mundo.

Reprodução/Adbusters

A capa de Meme Wars

A capa de Meme Wars

É isso meme!

Meme wars, último lançamento da Adbusters Media Foundation, ganhará uma versão brasileira. O livro disseca – e derruba – as bases da teoria econômica neoclássica, tida como responsável pela crise planetária atual. Mais que isso, indica o caminho para a criação de um novo paradigma econômico, capaz de levar em conta aspectos psicológicos e ambientais, quase sempre deixados de lado por economistas. Tal qual na Adbusters, o visual é riquíssimo. Seu maior objetivo, diz Kalle, é “dar um passo além de OWS, formar economistas com o pé no chão”. Dentre os pensadores que colaboraram com textos, está o americano ganhador do Nobel Joseph Stiglitz.

A edição made in Brasil será independente. Bruno Torturra Nogueira, repórter especial da Trip, assina a edição, e o designer Pedro Inoue, também colaborador da casa e da própria Adbusters, cuida da arte. A ideia é distribuir exemplares em universidades, vender pela internet e nas sedes da Casa Fora do Eixo, parceira na empreitada. O lançamento oficial será no Emergência, encontro de redes de ativismo e comunicação que acontece no mês de agosto em São Paulo.

Guilherme Arantes

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Pedro Matallo

Guilherme Arantes

Guilherme Arantes

Guilherme Arantes não esconde de ninguém o gosto que tem pela música que mexe com o povo. Seu nome é sinônimo de pop romântico no Brasil, graças a um sem número de multiplatinadas trilhas de novelas e por aparições memoráveis diante dos maiores auditórios do país nos anos 70 e 80. Os Racionais MCs amam o cara. João Gilberto é só elogios a dele. Os novos nomes da música moderna o colocam em um patamar de cult. Enquanto isso continua compondo, continua gravando e continua lançando, desta vez de forma independente, a música que faz há quatro décadas.

 

"Tentei fazer um disco que fosse sanguíneo, que saísse sangrando emocionalmente. Minha tentativa foi fazer um disco furioso."

 

Seu mais recente disco é o Condição Humana, lançado pelo seu selo Coaxo do Sapo e gravado em seu estúdio-retiro no norte da Bahia, “perto de Salvador, que é um belo hub de embarque para todo o país”, como o próprio comenta. Produzido por ele mesmo com participações de peso que vão de Luiz Carlini a Edgard Scandurra, passando pelo quase-pupilo Marcelo Jeneci e por um coro com alguns dos maiores nomes da música contemporânea no Brasil, o cantor, compositor e pianista volta à cena com um disco de rock, que bebeu nos anos 70 as influências que desfila entre levadas harrisonianas. No que ganhou do próprio o apelido de “coral dos moderninhos”, Guilherme contou com a participação de um imenso coro na gravação da música “Onde Estava Você”: ali estavam Tulipa Ruiz, Kassin, Curumin, Thiago Pethit, Adriano Cintra (Madrid, ex-CSS), Mariana Aydar, Duani, Bruna Caram e Tiê, todos colaborando com o ídolo em seu primeiro disco desde Piano Solos, de 2011.

Guilherme recebeu a Trip em um cuidadosamente iluminado salão de jantar no hotel Marabá, centro de São Paulo, onde falou sobre a nova fase na carreira, a admiração pela música popular de fato, o pacto pelo fracasso no underground paulista e sobre como fazer um disco de pop rock sair da prensa sangrando.

O nome do disco é Condição Humana, que é um título bem forte. Como rolou a escolha do nome? Tem a ver com o momento que você está vivendo hoje?
O nome nasceu da música-título, que é um ragga rock. A letra fala sobre um planeta em mutação e eu vejo isso como uma coisa linda. Mas é um mundo tão instável e no qual a nossa condição é tão precária, que eu vejo que vivemos vidas perigosíssimas. Seja pelo vulcanismo ou qualquer fenômeno natural, tudo pode acabar em uma lambida do Sol. Vivemos a verticalização demográfica do planeta em uma ascendente exponencial preocupante. Não há emprego, planejamento familiar, nem nada. Vivendo em uma orgia de consumo da qual a humanidade faz questão de não se dar conta. Assim vamos em direção a um colapso. O mundo é estranho hoje e funciona de uma forma neutralizadora. É um mundo de paradoxos, com grandes problemas, ao mesmo tempo que encontra soluções magistrais. O nome vem dessas análises, dessa noção do ser humano viver preso à Terra enquanto procura distâncias cada vez mais insondáveis no universo. Tentei fazer um disco que fosse sanguíneo, que saísse sangrando emocionalmente. Minha tentativa foi fazer um disco furioso.

Você escreveu durante a produção do disco que queria fazer um disco “de colhões”. Ficou satisfeito com o resultado?
Muito! Sinto que o Condição Humana tem uma delicadeza especial enquanto tem uma pegada muito forte do meu piano. O piano é a âncora do meu som. É nele que sou único e é nele que reside “o som do Guilherme Arantes”. Não é um piano delicado, de cauda, tocado de forma sutil. É um piano de armário, socado, tocado com mão de pedreiro [risos]. Considero meu piano bem mais furioso do que o piano do Marcelo Jeneci, por exemplo, ou do Silva, que são pianos mais sutis. Sou mais espalhafatoso [risos]. Minha referência de piano vem de Ray Charles, Jerry Lee Lewis, que lembra um pouco o do Billy Joel, enfim, um piano mais de rock.

 

"O que está faltando para essa geração conseguir o sucesso do povo é sair desse gueto do 'o que a comunidade vai achar'. É como se um vigiasse o outro dizendo: 'olha, ninguém pode estourar, hein?'. Se estourar é mico..."

Pedro Matallo

A capa de Condição Humana, de Guilherme Arantes

A capa de Condição Humana, de Guilherme Arantes


Qual é o seu disco que mais tem a ver com o Condição Humana?
Meu primeiro disco [Guilherme Arantes, 1976], que saiu pela Som Livre e tinha “Cuide-se Bem”, “A cidade e a Neblina”, é muito bom. Ele traz uma bagagem toda de uma vida pregressa que você despeja no primeiro disco. Por isso existe a síndrome do segundo disco, que você não tem mais toda a vida pra ajudar [risos]. O Janeci é que está vivendo esse terror agora. Eu falo dele porque somos muito próximos e vivemos tirando sarro um do outro pelas similaridades nas nossas carreiras. Mas o Coração Paulista (1980), que é um disco bem mais roqueiro, parece mais com esse novo disco. Só que, no meu modo de ver, ele é um disco que não tem canções tão poderosas e inspiradas como o Condição Humana tem. Claro que tem algumas boas, como “Brasília” com o Boca Livre e a própria “Coração Paulista” com o Arnaldo Baptista (Mutantes) e com a Lucinha Turnbull (Tutti-Frutti) nos vocais. Mas olhando de uma maneira geral, acho que esse disco novo é único. É o que tem a maior energia concentrada de toda a minha carreira.

Foi bom você falar da Lúcia, porque eu queria te perguntar sobre ela. Ela completa 60 anos agora no fim de abril. Como foi trabalhar com uma pessoa que é tão talentosa e injustiçada no rock nacional como ela?
Eu conheci a Lucinha através do Liminha. Foi ele quem trouxe a Lúcia para a gravação de “Coração Paulista”. Ele era dos Mutantes e amigo de loga data dela. Isso foi em 1980, então já era pós-Rita Lee & Tutti-Frutti. O Liminha era o produtor do disco e tentou muito me fazer mais roqueiro [gargalhadas]. Ele fez dois discos meus e produziu muito bem o Coração Paulista. É um baixista monumental com um sentido de música aguçadíssimo. Ela é um barato; morava no Rio e dizia pro Liminha que me adorava. Por um tempo nós fomos bem amigos. É uma pessoa maravilhosa e uma guitarrista brilhante. Podíamos ter explorado mais a presença dela naquela música, mas é uma participação da qual eu me orgulho. Seus vocais eram perfeitos.

Qual era o seu objetivo final no que diz respeito à sonoridade?
Queria trazer de volta a minha sonoridade dos anos 70, algo que lembrasse o “Lindo Balão Azul” e coisas com essa pegada de piano. Fiquei muito satisfeito por podermos refazer várias vezes as músicas até chegarmos ao som definitivo que procurávamos. Fui buscar influências de R.E.M, de George Harrison e até de coisas bem mais pop rock basicão. Não abri mão de procurar a tal da batida perfeita [risos]. Ou melhor, a levada perfeita.

 

"Chegou uma hora que eu disse: 'Caramba! Eu ainda estou vivo como poeta'. Me sinto tão bom quanto sempre fui, senão melhor"


Mesmo assim você fez questão de não abrir mão de canções mais melódicas...
Com certeza. Tem músicas mais delicadas no disco. Tem até uma canção de gesta [música medieval dos trovadores da alvorada da literatura francesa no século XI] chamada “O Castelo do Reino”, uma música antiga que eu fiz com 14 anos, e que é uma coisa super renascentista. Pra mim, é um ponto alto do disco. É uma música que leva o ouvinte para um mundo da corte.

É nessa música que está uma das letras mais complexas do disco. Como foi esse processo de composição das letras em um disco tão autoral?
Acredito que me superei bastante como letrista nesse disco. Sinto que tive boas sacadas em várias letras, o que foi ótimo para mim. Chegou uma hora que eu disse: "Caramba! Eu ainda estou vivo como poeta". Me sinto tão bom quanto sempre fui, senão melhor. Fiquei muito feliz com o resultado final de uma forma geral. Estou passando por um momento virtuoso onde sinto que posso homenagear sonoramente coisas que eu acredito, como a Legião Urbana.

Você sente que houve influências dessa geração do rock no som do novo disco?
Sem dúvidas. Eu diria que são influências diretas. Por exemplo, na música “Moldura do Quadro Roubado”, eu fiz uma melodia que lembra muito “Índios”, da Legião. Essa música da banda é uma coisa ascensional que tem alguns dos sons mais lindos que eu já ouvi na vida. Então sinto que consegui juntar um pouco de tudo que eu sei fazer bem. O reggae que tem no disco não é purista e nem dub querendo ser style. É um reggae mais MPB que lembra mais um Djavan ou um som mais fusion de Los Angeles. Tem mais uma cara Maroon 5 ou até Stevie Wonder.

E qual o limite da mistura? Ainda existe isso na música brasileira?
O limite é o bom senso e isso é uma coisa que eu tenho de sobra [risos]. Houve bom senso de olhar, refletir, demorar-se a fazer uma canção. É um defeito da modernidade essa rapidez e esse imediatismo da rede social. Está faltando que as pessoas parem de postar um pouco para acumularem informação e energia. Isso mostra um pouco o colapso do modernismo.

Como assim?
A Semana de 22 fará em breve 100 anos. E esse modernismo foi uma espécie de combate ao excesso de academicismo e eruditismo na arte e na cultura. Oswald de Andrade e companhia se manifestavam por um mundo veloz, de imediato e rápido, onde a arte seria mais expontânea e menos elocubrada. Mais direta e veloz. E no fim do século XX, onde realmente o imediatismo se instalou na sociedade, acabamos com músicas ralas e de texturas bobas que não dizem nada para a minha geração. Eu gosto de compositores como Chico Buarque, que trazem um nível alto de lavoura poética em cima de seu trabalho. O cara vai ao limite da busca antes de dizer: “isso aqui está pronto e eu vou mostrar”. Então é isso que eu quero dizer: o que está faltando ao mundo é menos velocidade e mais erudição.

Mas você não sente que, lentamente, as pessoas estão se movendo em direção a essa “nova onda”? Hoje não faltam bandas com integrantes super novos que fazem pós-rock e sons mais “atmosféricos” cheios de referências eruditas mas que não tem nada a ver com progressivo, por assim dizer. Você não acha que essa mudança está chegando lentamente ao rock contemporâneo?
Vejo isso como uma consequência do que comentei anteriormente. As pessoas estão começando lentamente a responder a esse colapso do modernismo. Estão tentando burilar mais longe disso. A minha praia, dentro da minha especialidade que é a harmonia, exigiria mais acabamento das pessoas. Falta amor à música, gente indo para a noite aproveitar a efervescência cultural de uma cidade. O colapso do “pop star system” está ajudando nisso e fazendo as pessoas a trabalhar mais por prazer e por idealismo. São essas pessoas que cultivam o amadorismo, no bom sentido, que vão fazer a diferênça. Cantar por diletantismo. E não é nem que os jovens não têm amor à música. Os velhos também o perderam.

 

"Precisamos dos feios, dos nerds, dos melancólicos e dos desajustados para mover-nos adiante"


Algum exemplo em especial?
O mais claro, na minha opinião, é o do João Gilberto. Ele cantava no Ó Bom Gourmet com fumaça de cigarro, som ruim, ar condicionado ligado e barulhão de copos e de conversa, sendo que nada disso o impedia de subir no palco e cantar: “bim bom bim bom” [cruza as pernas e imita a voz do bossanovista]. O cara fazia uma revolução na música dentro de um bar barulhento cheio de fumaça de cigarro. Aí hoje o cara não suporta nenhum desses elementos, que dirá todos! [risos]. Como é que pode isso? Eu vejo isso como algo muitíssimo engraçado. Fora que é estranha essa perseguição que há com o cigarro hoje. Eu vejo como uma questão sintomática da tentiva de transformar tudo em clean. Se o mundo fosse assim, nunca teríamos Miles Davis, nem Rolling Stones, nem ninguém assim. Precisamos dos feios, dos nerds, dos melancólicos e dos desajustados para mover-nos adiante

O que parece é que estão tentando acabar com a ânsia de intoxicação das pessoas pra com isso uniformizar todo o panorama cultural. Claro que existem exceções, mas você acha que essa tentativa é geral e irrestrita?
O mundo só aclama quando vem existe um ruído e um estranhamento. É o único jeito. A música hoje tem que ser bem feita ao mesmo tempo que tem uma pegada transgressora. Por exemplo, a Maria Gadú. Ela é a cantora perfeita para essa geração. Ela é uma grande cantora mas que tem uma aspereza magistralmente dosada na voz. A mistura dessas características faz com que ela tenha hoje um produto musical perfeito. É um bom produto no nosso tempo. Ela nasceu com um troço louco. Eu me julgo um bom olheiro. Sei bem quando um artista é promissor.

 

"A obra de Mano Brown é maior que a de muitos poetas consagrados como Manuel Bandeira, por exemplo. Vão achar um absurdo um dizer isso. Mas imagina! Mano Brown é muito maior que Manuel Bandeira"


Falando em artistas promissores, você convocou um “coral dos moderninhos” para colaborar em Condição Humana. Como foi a seleção?
Eu adoro a música popular e esse métier da MPB, que inclui também você ser fã dos outros artistas. Mas por mais que você viva de música, você não pode perder o amadorismo. O entusiasmo é a palavra chave para essa geração que eu convidei pra gravar o coro de “Onde Estava Você”. Foi um exercício de alegria juntar todo esse pessoal no estúdio. Um exercício de felicidade sobre o que a gente faz. Estamos num ramo fodido e sem perspectiva de um grande retorno, mas nenhuma dessas pessoas quer o mainstream nem ser um popstar. Eu sempre fui um cara assim. Eu logrei muito êxito e consegui um sucesso popular, que é totalmente diferente de conseguir um sucesso de crítica. Com o povo, não tem marketing. O povão é arredio a isso e exige um fluir de verdade e sinceridade dentro de você. Quem me abriu os olhos pra isso foi o Mano Brown, dos Racionais MCs.

Pedro Matallo

Guilherme Arantes

Guilherme Arantes

Você e o Brown já trocaram elogios publicamente. Como é sua relação com ele?
Nos papos que a gente teve eu cheguei a perguntar. “Mas como é possível vocês [dos Racionais] gostarem tanto de mim?”. Porque a minha admiração por ele é bem objetiva. Acho o Brown um gênio da poesia em língua portuguesa. Ele é um esgrimista magistral das palavras. Ele tem um fluir de pensamento que é uma coisa complexa, de construções de uma beleza incrível. A obra dele é maior que a de muitos poetas da Academia Brasileira de Letras. Maior do que a de poetas consagrados como Manuel Bandeira, por exemplo. Vão achar um absurdo um dizer isso. Mas imagina! Mano Brown é muito maior que Manuel Bandeira. Acho o Bandeira um poeta maravilhoso, mas é aristocrático e tradicional demais quando comparado ao Brown. Os Racionais são uma coisa grandiosa.

E qual foi a resposta do Brown para sua pergunta. O que ele gosta no som do Guilherme Arantes?
Ele gosta das harmonias e das levadas. Ele fala da minha música com um entusiasmo que eu não conseguia entender. Sinto que eles estão aliciando minha obra para um público onde eu não imaginava ter fãs. O que ele me disse foi o seguinte: “Você sempre agradou os pobres. Você queria ser cantor popular, ser um cantor de auditório. Você foi no Sílvio Santos, no Bolinha e no Chacrinha porque você queria agradar as meninas pobres. Todo mundo, minha mãe, minhas tias, minhas primas, meu povo do Capão. Você entra na lista de Roberto Carlos, de Amado Batista. E não é qualquer um que entra nesse mundo da gente”. E aí eu entendi isso. Que eles sentem essa coisa sangrando da minha música, que vem de dentro mesmo. A elite é fácil de ludibriar pelo marketing. O povo de verdade, não.

Como você relaciona essa visão do Mano Brown com essa galera que você convidou para o coro no seu disco?
Essa geração que eu chamei é uma geração que existe no mundo todo. São os alternativos, os descolados. Eles são todos designers, videomakers, bloggers, jornalistas e produtores. É uma amálgama de profissões. O que está faltando para essa geração conseguir o sucesso do povo, do popular, é sair desse gueto do “o que a comunidade vai achar”. E eu falei abertamente com eles sobre isso. É como se um vigiasse o outro dizendo: “olha, ninguém pode estourar, hein?”. Se estourar é mico...

 

"Na minha geração teve as bandas do pop rock Ipanema/Leblon. Paralamas do Sucesso, Kid Abelha, Lulu Santos, Marina Lima, enfim... Todos cariocas de classe média alta e todos tentando fugir ao máximo do mico da breguice, do mico de ser popular."


É uma espécie de patrulha do underground?
Existe mesmo isso. E já aconteceu antes. Na época da Vanguarda Paulista, havia desde o início um pacto com o fracasso. E isso prejudicou muito carreiras como a de Itamar Assumpção e do Arrigo Barnabé. Ambos compositores maravilhosos que poderiam facilmente ter se tornado populares. Mas é preciso ter um pouco de vontade de ser povo para conseguir isso. Na minha geração teve as bandas do pop rock Ipanema/Leblon. Paralamas do Sucesso, Kid Abelha, Lulu Santos, Marina Lima, enfim... Todos cariocas de classe média alta e todos tentando fugir ao máximo do mico da breguice, do mico de ser popular. Sou de uma geração anterior. Eu frequentava a Jovem Guarda e ia aos festivais. Eu vi Caetano Veloso cantar “Alegria, Alegria” ao vivo no auditório. Não fui espectador distante disso. Eu estava lá. Então fui muito contaminado por essa histeria em torno do sucesso das bandas que aconteceu no mundo todo. Eu tinha vontade de viver um pouco a minha Jovem Guarda. Sempre gostei do povo. Nunca quis ser blindado contra a popularidade. E isso ou a pessoa gosta, ou não gosta. Por isso que eu sempre digo que não me importo se me acham brega.

Essa é uma frase recorrente sua. E ela é boa porque não quer dizer que você se ache brega.
Justamente. As pessoas vêem como uma pecha ser considerado brega. Mas eu não. E a frase é justamente essa. Eu não me importo em ser considerado brega. É diferente de ser brega. Se eu digo que não me importo em ser brega, é porque eu penso que sou. Mas o cara que compôs pra Elis Regina, com Nelson Motta, para Maria Bethânia, que era elogiado pelo Tom Jobim, por João Gilberto, não pode se considerar brega porque é o que as pessoas acham. Não sou nativo do povão nem venho de uma classe desfavorecida. Mas eu quis ser popular e agradar aos pobres. Por isso hoje o Mano Brown chega pra mim e fala: “Minhas irmãs adoram você. Você nunca cagou goma pros pobres enquanto muitos dos seus colegas só cagavam goma pra nóis”. Mas eu me considero um privilegiado. Tive muita sorte. Porque quando é bom ser considerado chique, sou elogiado. E quando é bom ser considerado popular, eu também sou. [risos]. Pego o melhor dos dois mundos.

Reprodução

O coral completo que integra o disco novo de Guilherme Arantes

O coral completo que integra o disco novo de Guilherme Arantes

O coral responde

Alguns dos convidados especiais de Guilherme Arantes falam sobre a participação no disco Condição Humana

Tulipa Ruiz: "No dia da gravação estava muito feliz com o convite e foi uma surpresa chegar no estúdio e ver tantos amigos, tantos músicos que o tem como inspiração. E foi incrível vê-lo satisfeito e comovido com toda aquela gente no estúdio, regendo o grupo todo empolgado. Toda hora alguém do coro dizia 'bicho, é o Guilherme Arantes!'. Sou fã desde pequena, desde 'Balão Azul'. Na infância e na adolescência ouvia suas músicas no rádio e todas eram hit, dava vontade de cantar. Guilherme Arantes faz parte da minha formação musical."

Curumin: "O Guilherme é muito intenso no estúdio e montou um arranjo muito bonito para o coral. Além da música ser um lindo clássico guilhermistico [risos]. Sou da época que o que tocava na rádio era o que a gente ouvia. Então, claro, ouvi muito Guilherme Arantes. Ele tem esse lance melódico muito bonito e cria aquela sensação de que você está voando. Foi muito legal ouvir a música no estúdio e sacar ele e a banda ainda fazendo som como antigamente."

Marcelo Jeneci: "Guilherme Arantes também é meu pai. Meu primeiro encontro com ele se deu quando ele veio a minha casa ouvir o disco que eu acabava de lançar, Feito pra Acabar. Foi um reencontro no primeiro encontro. Sou muito fã e fui influenciado direta e indiretamente por ele desde minha infancia. Guilhermão, I love you!"

Kassin: "Foi maravilhoso. Sou grande fã do Guilherme, então pra mim foi lindo poder participar de algo dele. A musica que gravamos é linda e ficou na minha cabeça desde entao. Escutei muito à música dele na minha formação musical. A relação dele com a harmonia é riquissima e isso é lindo de ver nos hits. São musicas com caminhos harmônicos personalíssimos."

Thiago Pethit: "Gravamos em um estúdio em SP, numa tarde inteira até o dia acabar. Toda a experiência foi muito tocante. Primeiro o convite, o Guilherme ligando de um a um... Imagina, receber uma ligação do Guilherme Arantes! É algo muito particular, nunca poderia imaginar isso. Acho que ainda não entendi de todo o que significa ter feito parte da história dele. Encontramos diversos amigos, trocamos fofocas, nervosismos pela presença no disco na hora de gravar e tudo o mais. E quando chegou a hora de aprender as melodias no piano, já estávamos todos 'em casa' e super a vontade. O trabalho do Guilherme transcende e muito a própria obra dele. É uma referência para tantos sons que vieram depois... Não saberia dizer o que dele tem no meu trabalho, porque não é uma referência clara e óbvia. Mas outras coisas que eu escutei muito e me influenciam, foram fundamentadas pela influência do som dele."

Bruna Caram: "Foi inesquecível estar no estúdio gravando com o Guilherme! Fiquei muito feliz por dividir os microfones com meus manos-de-geração, tenho orgulho do cenário cada vez mais vário e rico da música brasileira, e é muito bom se sentir parte de uma geração marcante. O Guilherme também representa uma geração, e suas canções embalaram a vida de todos nós, eu ouvi muito a música dele quando era criança, meu pai adorava, ouvia muito! O clima no estúdio era esse: de alegria, de orgulho, de força! Foi uma honra. Estávamos cantando em turma, em bando, e o Guilherme passando nota por nota e regendo o coro! Completamente emocionante e inspirador. Compus uma música assim que saí de lá, dentro do carro."

Ouça o disco na íntegra no Soundcloud:

Vai lá:  www.guilhermearantes.com.br

Didi Wagner

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Trip FM

Didi Wagner

Didi Wagner

Didi Wagner é uma das mais belas, charmosas, simpáticas e bem-humoradas apresentadoras da televisão brasileira. Paulistana, ela começou sua carreira como modelo, até que em 1999 foi contratada pela MTV, onde trabalhou por seis anos apresentando os mais variados programas. Em 2006 estreou no canal Multishow o Lugar (In)Comum, um programa muito bacana que atualmente revela o lado B dos mais variados destinos turísticos do mundo.

O papo desta semana aqui no Trip FM é com a mãe da Laura, da Luísa e da Júlia, a Adriana Golombek Wagner, mais conhecida como Didi Wagner, que foi capa da edição de março da Tpm com uma entrevista muito bacana que faz parte do especial sobre casamento da revista.

Setlist do programa:

Selah Sue - "Raggamuffim"
Luis Melodia - "Cara a Cara"
Junip - "Always"
Devendra Banhart - "Never Seen Such Good Things"
Bestie Boys - "Rat Cage"

O Trip FM vai ao ar na grande São Paulo às sextas às 20h, com reprise às terças às 23h pela Rádio Eldorado Brasil 3000, 107,3MHz


José de Abreu

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La Revolución, para ele, é acima de tudo individual. Policial, preso político, hippie sujo e, mais recentemente, militante virtual e (pseudo) bissexual. Zé de Abreu, o vilão Nilo, de Avenida Brasil, já foi um monte de coisa. E agora, José? “Tô pensando em virar deputado”

Demorou 48 horas, oito cervejas (baratas) e dois tintos portugueses (Esteva Douro 2010, R$ 130 a garrafa) para José de Abreu, o ator global, contar que José de Abreu, o seminarista, foi abusado por um padre aos 12 anos. Que José de Abreu, o policial, aprendeu a fumar maconha com os colegas da corporação. Que José de Abreu, o militante político, ficou amigo do xará José Dirceu na faculdade e apoiou a luta armada contra a ditadura. Que José de Abreu, o hippie fritado de ácido, bordou cogumelos na calça olhando o mar da Bahia. Que José de Abreu, recém-saído do armário no Twitter, na real nunca pegou homem – se assumiu bissexual “apenas para experimentar como é ser minoria”. Que José de Abreu, pai de cinco e avô de quatro, não ligou de tirar as calças na sessão de fotos para esta entrevista (mas lamentou estar de cueca branca “fraldão”; a do dia anterior “era mais bonitinha”). E isso é só o começo.

Numa tarde de segunda-feira, Trip visitou o ator em seu apartamento de frente para a praia da Barra da Tijuca, que ele até hoje financia pela Caixa Econômica Federal (“gasto tudo que ganho, não sei juntar”). De regata branca, relógio Calvin Klein, bermuda azul e chinelo preto, ele atende já pedindo desculpas pelo mascote da casa, um lhasa apso chamado Pipo que não para de latir um segundo. “Parece deputado em campanha”, brinca Zé (pode ser só Zé mesmo).

E, de política, embora diga que não entenda, ele fala sem parar. Naquele mesmo dia, tinha voltado da Bahia, onde fora apresentado a Duda Mendonça, marqueteiro de Lula em 2002, por um amigo em comum: o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, condenado a dez anos e dez meses de prisão no julgamento do mensalão (Zé defende sua inocência). Mendonça mandou um helicóptero para levar o mais novo compadre até sua mansão em Taipus de Fora. O papo do trio começou na Skol e terminou com cervejas belgas. O cão que ladra no Twitter agora quer morder: Zé anda pedindo conselhos para os próximos, pois está na dúvida se encara uma candidatura à Câmara dos Deputados em 2014. “Ninguém é a favor”, diz.

Por ora, é nas redes sociais que ele faz política. Em um mesmo dia, descasca o pastor evangélico Marco Feliciano (PSC-SP), eleito presidente da Comissão de Direitos Humanos, o novo papa, Francisco, o deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ) e o ex-presidenciável tucano José Serra. Rato de passeata na época da ditadura (“eu era porra-louca, ficava bem na frente dos protestos”), ele considera o novo ativismo, o das redes sociais – nas quais por sinal gasta várias horas do dia –, coisa de “militante lobinho”. “Eu acho que está na hora da molecada tirar a bunda da poltrona.”

Penny Laaaaaaaaaaane is in my ears and in my eyes...

A música dos Beatles ecoa como toque do iPhone 5 de Zé, um viciado confesso em tecnologia, que tem a coleção inteira da Apple e chegou a ser apelidado pelo colega José Mayer de Zé Windows nos anos 90 (para ter acesso à internet, na pré-história da era virtual, descolou uma senha do Ministério das Comunicações).

Antes de interpretar Nilo, o vilão de Avenida Brasil que conquistou brasileiros de todas as idades, José Pereira Abreu Júnior foi muita coisa. Nasceu em Santa Rita do Passa Quatro há 66 anos, onde viveu o clichê do interior paulista – falava “porrrta” e arrumava namoradinhas fazendo o footing na praça.

 

Para ele, o novo ativismo, baseado nas redes sociais, é coisa de “militante escoteiro”

 

O pai, delegado da cidade, era querido por todos. Mas morreu cedo, quando Zé Júnior, o caçula, tinha 9 anos. Ele, a mãe e as duas irmãs passaram sufoco. Cinco anos depois, estavam todos em São Paulo, onde Zé demorou para se sentir bem (de cara foi apelidado de Caipira). A casa dos Abreu, no bairro de Santa Cecília, chegou a virar uma pensão até a situação financeira se acomodar. Logo o destino ricocheteou, tal qual máquina de pinball, e fez com que o filho de delegado entrasse para o setor de entorpecentes da polícia, no qual apreendia drogas de moleques da mesma idade que ele. Sua função era enturmar-se com a galera e provocar o flagrante. Zé, que nunca tinha provado da erva, teve de aprender a tragar. Virou fã.

Já ex-policial, passou em direito no vestibular. Entrou na PUC de São Paulo em 1967 e, na faculdade (que não chegou a terminar), conheceu o presidente do centro acadêmico, José Dirceu, que naquela época também atendia por “Alain Delon das massas”. “Ele sempre foi para um lado mais político e eu, mais artístico. Não chegou a fazer teatro, embora fosse um puta de um artista. Discursando em cima de um caminhão, ele era um monstro”, compara.

Zé nunca tinha visto uma peça até então, mas acabou virando produtor do Tuca, o teatro da PUC. Substituindo um colega em um ensaio, sacaram que ele levava jeito para a interpretação. Antes de ser ator, porém, outro aposto se somaria ao seu nome: o de preso político. Zé era um dos 700 estudantes que rodaram no congresso de 1968 da UNE (União Nacional dos Estudantes).

Após dois meses no xadrez, viraria vendedor de máquinas de escrever, funcionário da IBM, dono de livraria e autoexilado na Europa. De volta ao Brasil, lá pelo fim da década de 70, tornou-se ator de vez. Seu papel no filme A intrusa (1979) rendeu-lhe um convite para a TV. Assinou contrato com a Globo em 1º de outubro de 1980. Conta 30 anos e 15 novelas como empregado da família Marinho, fora três anos na já extinta Rede Manchete. No momento, está fora das telinhas. Mas está nas telonas, no filme Meu pé de laranja lima, e na peça Bonifácio Bilhões (“ela fala sobre ética”), em cartaz em São Paulo até 30 de junho.

 

Enquanto narra suas experiências lisérgicas, dá garfadas em um ossobuco de R$ 86

 

Com mais plim-plim que reclames, namorou colegas como Mônica Martelli e Luisa Thiré e casou e descasou com Nara Keiserman e Neuza Serroni, até conhecer o “grande AMOR” (assim escreve num e-mail), dez anos atrás. Camila Mosquella tinha 21 anos na época.

Enquanto o marido narra suas experiências lisérgicas e dá garfadas em um ossobuco de vitela de R$ 86 (prato mais gorduroso, no preço e nas calorias, do cardápio), ela desliza o dedo no iPad e curte fotos no Facebook. À repórter, pediu dicas de compras na rua Oscar Freire, meca do consumo de luxo paulistano. O filho Theo, 36 anos, que já foi o Menino Maluquinho no teatro e hoje é advogado do ramo imobiliário, junta-se ao grupo.

Estamos no Gero, restaurante italiano de alta gastronomia, onde Zé costuma ir “quase toda semana”. Não vê contradição em ser de esquerda e gastar R$ 1 mil em um jantar para cinco pessoas. “O que eu deveria fazer? Doar meu salário da Globo?”, retruca. Foi, talvez, sua única esquivada durante a entrevista. “Vou contar para vocês tudo que nunca contei antes.”

Esse bronze é da Bahia?
Pois é, fui conversar com o Duda Mendonça. Cara sensacional. A relação dele com os empregados é de emocionar.

Falaram sobre o quê?
Fui pedir conselho. Falei dessa loucura de o Lindbergh [Farias, senador do PT-RJ] querer me lançar como candidato a deputado federal. Fui conversar sem compromisso, tomar uma cervejinha.

E ele apoiou sua candidatura?
Não. Nenhum cara bom de cabeça dá força [risos]. A família não quer nem pensar. Fui conversar com o Lula, e ele me falou a mesma coisa. O Zé Dirceu, muito meu amigo, também.

Que bandeiras você defenderia, caso eleito?
As principais bandeiras da esquerda. Melhoria no serviços de saúde, combate à miséria, aplicação de mais dinheiro na educação, descriminalização do aborto e das drogas leves.

Mas você não acha que dá para fazer política sem ser político?
Acho, é o que faço o tempo inteiro.

Mas agora você quer ser político.
Não sei se quero, não. Além da oposição da família e dos amigos, tem o bolso, que vai doer. Ganho muito mais na Globo. Teria que pedir suspensão do contrato.

Você já teve algum problema na Globo por causa de seu posicionamento político?
O Projac é um mundo à parte. Passa um carrinho com alguém vestido com roupas da década de 30, depois outro em cima de um cavalo... Não tem ligação nenhuma com a realidade brasileira. E a maioria dos artistas é de esquerda.

Você divulga seu salário?
Não.

Por quê?
Acho chato. Vai ter colega rindo da minha cara porque ganho pouco e colega puto porque ganho muito.

Com o salário de deputado ficaria difícil viver?
Um deputado ganha R$ 12 mil por mês. É muito pouco para o nível de vida que eu levo. O meu apartamento, por exemplo...

É seu?
É. Primeira vez que tenho casa própria. Acho uma bobagem, coisa de brasileiro. Morei em 12 bairros do Rio em 32 anos.

 

“O Projac é um mundo à parte. Não tem ligação nenhuma com a realidade brasileira”


E você frequenta a praia?
Nunca. Sou paulista, meu [risos]. Vou de vez em quando ali no Pepê, tem sempre uns amigos jogando futevôlei. Mas sou totalmente...

Sedentário?
Total! Li sobre dois tipos de gente: o ateniense e o espartano. Sou totalmente ateniense. No meu tempo, o pior do vôlei passava num corredor polonês. Eu apanhava todos os dias. A única coisa em que me dei bem foi natação, um esporte solitário. Bola é pra mim um negócio impossível de dominar.

Mas devia fazer sucesso com as meninas...
Era baixinho, feio e queixudo. Mas usava um topete, tinha uma chinfra. E dançava muito bem rock, twist, hali-gali, essas coisas. Minhas melhores amigas acabavam virando namoradas.

A primeira foi com quantos anos?
Foi a Uda, lá em Santa Rita. Ela me mandou um correio do amor: “José Júnior, eu te amo. Ass.: Uda”. O nome dela de verdade era horrível: Euricilda. Eu tinha uns 8 anos.

Você perdeu a virgindade com ela?
Não. Foi anos mais tarde, com uma vizinha de um amigo. Uma negra maravilhosa que me levou aos céus.

Como foi a sua criação?
Meu avô era fazendeiro. Meu pai era delegado da polícia, respeitado e querido por todos. Dizia: “Você está preso! Vai para a cadeia que daqui a pouco vou lá te trancar”. Todo mundo respeitava. Morreu cedo, quando eu tinha 9 anos. Ele nunca bebeu, era grilado com o fígado. Mas acabou morrendo de remédio para cirrose hepática, uma doença de bêbado. Ele e minha mãe eram bem carolas. Fui coroinha. Tinha a roupa, o padre falando latim, os incensos, o órgão... Era um ritual lindo.

Parecido com teatro, não?
Totalmente!

 

“Minha mãe me arranjou um trabalho na polícia. Deu merda. Aprendi a fumar maconha”


Sobrou algo do latim?
Sobrou. [Zé recita pai-nosso e ave-maria inteiros em latim.]

Você frequentou a igreja até quando?
Cheguei a ser seminarista. Assim que meu pai morreu, ficamos bem duros. Ele tinha um salário excelente, mas minha mãe não sabia nem o banco em que ele tinha conta. Os padres batiam na porta das casas e recrutavam crianças. Minha mãe achou bom eu ir. Acordava às 5h30 e tomava banho frio, de roupa e tudo, porque ninguém podia ficar pelado na frente do outro. Era uma repressão filha da puta, você tinha que se trocar embaixo do lençol.

Tinha algum padre pervertido?
Tava cheio.

Você presenciou alguma coisa?
Vivi. Um dia, um padre me deu uma masturbadinha leve. Fiquei muito grilado porque não sabia como confessar. Tinha 12 anos. Lembro do filme até: Marcelino Pan y Vino. A gente estava assistindo, e o cara pegou no meu pau. Foi um susto. Tirei a mão dele, levantei, mas fiquei com aquele pecado na cabeça.

Mas confessou, finalmente?
Não. Fiquei um ano no seminário, depois voltei pra Santa Rita. Todo mundo me chamava de padre, era horrível. Como minhas irmãs já moravam em São Paulo, minha mãe resolveu mudar-se também. Foi um choque. Meu apelido virou Caipira.

A mudança para a cidade grande foi traumática então...
Foi, mas depois melhorou. Fiz uns amigos na Santa Cecília, bairro onde morava. A gente já bebia bem. Cuba libre, hi-fi... Havia uma coisa de turma, influenciada pelos filmes do James Dean, da época. Nem tinha maconha. Só bolinha, anfetamina. Pervitin era o nome.

O que sua mãe achava disso?
Morria de preocupação. Ela era conservadora. Pegava negrinhas em orfanato para “criar”. Tive uma babá, a Sebastiana, que tinha que correr atrás de mim enquanto eu andava de bicicleta. Um absurdo... Mas, enfim. Minha mãe me arranjou um trabalho na polícia. E aí que deu merda. Aprendi a fumar maconha [risos].

Aprendeu a fumar maconha na polícia?
Explica isso. Me colocaram no setor de entorpecentes. O delegado disse: “Você vai dar flagrante. Sabe fumar maconha?”. Eu disse que não. “Dá uns baseados pro Zé, ensina como fuma essa merda.” Acenderam o beck, ligaram a sirene e falaram: “Segura!”. Comecei a rir pra caralho. Descobri que meus colegas fumavam o tempo inteiro. Era a primeira coisa que faziam antes de sair para a ronda.

Vocês iam chapados prender gente fumando maconha.
Exatamente.

Não dava crise de consciência?
Imagina, era uma aventura! Estava brincando de bangue-bangue.

A carreira na polícia durou até quando?
Foram quase três anos. Um dia, me fizeram ver um cara ser torturado. O cara se cagava, se mijava todo. Vomitei. Pedi pra sair. Fui pra Santa Rita, me enfiei na fazenda de um amigo meu. Abandono de cargo. No fim, minha mãe falsificou minha assinatura e fez um pedido de desligamento da polícia. Foi nessa fazenda que resolvi fazer direito. Do nada.

Como foi na faculdade?
Foi quando me politizei, comecei a fazer teatro e política. A única coisa que não fazia era ir pra aula. Eram anos difíceis, uma ditadura ferrenha. Mas, ao mesmo tempo, a universidade fervia, você sabia que tinha companheiros ali. A própria universidade te protegia. Era muito gostoso passar o dia lá.

Qual foi a primeira causa que você abraçou?
O pessoal do CA [Centro Acadêmico] começou a se unir com os excedentes pra pressionar a faculdade a aumentar o número de vagas. Às vezes passavam 400 pessoas e tinha vaga pra 60. Tinha acampamento em todas as faculdades de São Paulo. Começaram a usar o artigo 477 [proibindo fazer política na faculdade] pra expulsar alunos. Caralho, os estudantes tinham que fazer política! Era inimaginável o cara estudar filosofia, direito ou ciências sociais e não fazer política.

Foi quando você ficou amigo do José Dirceu?
Isso, logo que entrei. Ele era presidente do CA e ia de sala em sala fazer um proselitismo político.

O que pensa da condenação de Dirceu e do julgamento do mensalão?
No fim, não há prova nenhuma. Tiveram que usar essa história do domínio do fato [teoria de que o autor não precisa ter executado o crime, basta ter domínio sobre o que seus subordinados fazem]. Processo totalmente viciado. Pra mim, caixa dois, o caceta, o PT fez. Foi ingênuo. Usou uma coisa que já tinha sido usada pelo PSDB.

 

"Hoje se faz ativismo no ar-condicionado, clicando no mouse. É leve, quase uma brincadeira"

 

Qual era o seu papel no movimento estudantil?
Eu era o porra-louca. O cara que ficava na comissão de frente, que pensava na logística das manifestações, no roteiro etc.

E da luta armada, participou?
Apenas dando apoio logístico. Não me via dando tiro em guardinha. Você acha que eu vou atirar em alguém? Menor possibilidade, ia me cagar todo, deixar o cara me matar. E eu sabia que o guardinha não tinha nada a ver com a ditadura.

Você foi um dos 700 jovens presos no Congresso da UNE, em Ibiúna. Como foi?
A gente soube com antecedência que os policiais estavam vindo. Mas, por causa de uma discussão interna, não conseguimos resolver se tentávamos escapar ou se ficávamos. Acabamos ficando. Foi engraçado aquele bando de adolescentes cabeludos indo preso. Os policiais não sabiam o que fazer, liberaram vários deles no caminho de volta para São Paulo.

Mas você foi preso, não foi?
Fui, assim como todos os líderes. Fiquei dois meses na prisão.

E depois?
Fiquei dois anos em São Paulo, como dono de livraria, saindo pouquíssimo. Peguei um advogado muito bom, queria voltar à vida normal.

Mas largou o movimento?
Não, continuei fazendo alguns serviços. Dava caronas para o pessoal da luta armada, fazia entregas.

Qual a diferença do ativismo dessa época com o praticado atualmente, das redes sociais?
Não tem nenhuma comparação. Não tem como explicar a ditadura pra quem nunca viveu ela. Ser ativista era uma obrigação moral de qualquer ser humano que se prezasse. Hoje se faz ativismo com toda a liberdade do mundo. Dá pra fazer no ar-condicionado, clicando no mouse. É um ativismo leve, quase uma brincadeira. Mesmo que fale de assuntos sérios de vez em quando.

Mas você não acha que o ativismo virtual pode gerar resultados reais?
Acho. O Egito foi um exemplo. A Espanha também. Aqui no Brasil, por enquanto, ainda não vi nada que tenha funcionado de fato. Não basta 3 mil pessoas falarem “vamos” no Facebook e acabarem não indo. Fora que as causas são mal escolhidas. Marcha contra a corrupção?! É a mesma coisa que dizer que você é contra a morte. Todo mundo é!

 

“Na internet você fala coisas que no boteco, bêbado feito uma vaca, você não fala porque é crime”


As causas de hoje são bobas?
Tem uns protestos ridículos. Mas, como é fácil, basta um clique no mouse, um monte de gente apoia. O duro é você sair, pegar um metrô, uma bicicleta, ir lá no Masp e gritar. E outra: um militante virtual é sempre uma persona, nunca é você mesmo. O avatar é um lado que você mostra, não é necessariamente você. Na internet você fala coisas que no boteco, bêbado feito uma vaca, você não fala, porque é crime de morte.

Mas você é bem militante na internet. O que o faria ir para a rua protestar hoje?
Sei lá, muito difícil eu sair de casa. É o único lugar que acho que não tem ninguém me filmando, me patrulhando.

E o que fez você se afastar do movimento quando jovem?
Eu tinha filho já. Comecei a sentir uma outra inquietação, mais estética e artística do que política. Minha coisa era com a maconha, com a literatura beatnik, o movimento hippie. Tinha acontecido o Woodstock, Vietnã. Depois teve maio de 1968 na França, “É proibido proibir”, Caetano Veloso cantando aquelas coisas. A Neusa [primeira esposa] vaiava, e eu aplaudia.

Por que a Neusa vaiava?
Porque não entendia aquilo, assim como 80% das pessoas. No dia seguinte, na faculdade, estava todo mundo arrependido. Tive sorte de ter um pé nas duas canoas. Participei das duas revoluções da minha geração: a política e a artística. A coisa dos Beatles falando da Índia, essa história de usar roupa colorida e desbotada, lenço na cabeça, sentar no chão... Isso mudou o comportamento do ser humano, cara. Hoje o homem pode usar a roupa que quiser, a cor que quiser. Eu cheguei a ser chamado de veado porque estava com uma blusa vermelha com gola V, porra. Isso tudo foi uma revolução. E, claro, tinha o ácido.

Quando foi o primeiro?
Foi na Bienal de São Paulo, em 1971. Minha turma da Santa Cecília, aqueles malucos que tomavam remedinho pra não dormir, viraram artistas plásticos. E me apresentaram para um artista gringo que veio fazer uma instalação. Ele tinha uma porrada de ácido. Tomei e foi: “Caraaaalho! É isso!”. Make love, not war. Entendi tudo.

Foi a primeira de várias trips?
Foi. Mas era uma coisa responsável. Eu era intelectual, né? Então fui lá, comecei a estudar um monte sobre peiote, mescalina, LSD. Depois me separei [da Neusa]. Fui parar na Bahia, em Arembepe. Lá era o Woodstock brasileiro. Até a Janis Joplin, dizem, foi. Namorei a Renata Souza nessa época, uma milionária paulistana que tinha sido a primeira a usar um biquíni em São Paulo. Já tinha tomado uns 200 ácidos! A gente classificava as pessoas assim [risos]. Quando voltei pra cidade, nos separamos. E me apresentaram à Nara [sua segunda mulher]. Tomamos um ácido juntos e nos apaixonamos. Ficamos casados 19 anos e tivemos três filhos, que nos deram quatro netos. Pra você ver: às vezes a droga une. Meu analista sempre falava: “Droga não muda ninguém, só reflete e potencializa o que você já é”.

 

“Tomei ácido pela primeira vez e foi: ‘Caraaaalho! É isso!’. Make love, not war. Entendi tudo”


Toma ácido ainda?
Não! Não se faz mais ácido como antigamente. Porra, hoje os caras tomam pra ir pra balada! A última vez que tomei foi no Egito, dentro de uma pirâmide.

E o autoexílio?
Quando me apaixonei pela Nara, não queria mais saber do Brasil. Pegamos um navio italiano e fomos à Europa. Londres primeiro.

O Caetano Veloso ainda estava lá nessa época?
Sei lá. O Caetano era mainstream demais pra mim. Moramos em uma comunidade em Shepherd’s Bush, um bairro de negros, barato. Moravam 11 brasileiros e um inglês. O síndico era africano. Não lembro de que país, mas financiava as rebeliões em seu país. Vendia maconha pra comprar fuzil. E a gente ajudava, gritava em Portobello Road: “Compre maconha e ajude a África!”.

Quanto tempo em Londres?
Quatro meses. Eu lavava prato e a Nara era garçonete. Fazia cinco pounds por semana, mas era rico. Um pound para morar na comunidade, mais dois pounds de comida. Só. Eu chegava às 11 horas no restaurante, fazia um puta café da manhã, lavava pratos até as 15 horas e depois comia só à noite. Aí fingia ser macrobiótico, que nem o resto da galera. Meu filho foi comer carne só com 7 anos de idade.

Você morou em Amsterdã também, certo?
Nossa comunidade resolveu fazer um grupo de música e ir pra lá. Quem deu a ideia foi o Carlinhos, um cara de Niterói muito louco, que mais tarde seria o primeiro a exportar ginseng para o Brasil. Ele disse: “Temos que fazer uma vibração místico-cultural-musical sobre Atlântida”. Montamos o Children of Moo. Eu tocava flauta doce, a Nara, piano. A gente escolhia um tema, cada um pegava sua lasquinha [de ácido] e pronto. Depois resolvemos comprar uma Kombi e ir para a Índia, que era o que estava pegando na época. Todo mundo foi desistindo no caminho. Eu e a Nara ficamos na Grécia. Tava bom demais, não conseguimos ir embora. De lá voltamos para o Brasil, quando o pai da Nara mandou um telegrama avisando que tinha um emprego pra gente na Universidade Federal de Pelotas, como professores de teatro. Salário, funcionário público, tudo certinho.

Vocês tinham uma relação aberta?
Não, não! Sempre fui casado, então não tinha amor livre. Só no final do casamento, mas foi só uma maneira de dar uma sobrevida. Ela me dava carta branca mais do eu que dava a ela!

É possessivo, Zé?
Claro, sou um macho brasileiro normal, nascido em 1946. Mas tento lutar contra isso. Nunca casei com uma mulher machista. Sempre casei com mulheres fortes, feministas, que botavam o pau na mesa. E obviamente isso me ajuda muito a erradicar o meu machismo. Mas confesso: tenho preconceitos, apesar de lutar todos os dias contra eles. Me cuido, quero fazer o bem pras pessoas e procuro fazer o possível para não ser injusto, indelicado. Tento vibrar positivamente, sabe?

 

“Como não posso ser mulher, negro ou gay, escolhi ser bissexual. Foi um gesto político”


Mas que preconceitos acha que tem?
Nunca tive um ato racista contra um negro. Mas já ri de piada racista, já repeti piada racista, até pra amigo negro. Já tive uma namorada negra, amigos. A proporção de negros na minha vida foi mais ou menos como é na vida de todo mundo, como é numa novela da Globo.

No começo do ano você declarou no Twitter que era bissexual. Por quê?
Porque comecei a ver um monte de queixa no Twitter de mulher agredida, gay espancado, negro escorraçado. Me deu uma loucura: quero saber como é se sentir minoria, ser vítima de preconceito. Como não posso ser mulher, nem negro, nem gay, pois sou casado com uma mulher e já fui casado com outras, escolhi ser bissexual. Foi um gesto político.

Você então nunca se relacionou com um homem?
Estou casado com a minha mulher há quase dez anos. E estou bem. Não estou aberto a outra relação. O fato de eu ter tido ou não relações bissexuais não importa. O fato de eu ter falado que era já me colocou essa pecha. Virei bissexual e fim de papo. Apanhei, mas valeu a pena. Foi um teste sociológico, uma pesquisa psicoantropológica.

Mas, Zé, teve ou não teve sexo com homem?
Olha, eu fiz duas peças que tinha beijo na boca. Mas era beijo técnico... [risos]. Era uma cena absolutamente poética, lindíssima. As mulheres choravam alto.

E fora do palco?
Fora do palco, não. Mas não foi por preconceito.

Você deve ter muitos colegas bissexuais que não se assumem.
Vários! E eles vieram me abraçar, me agradeceram [por dizer que era bissexual]. Recebi muitos e-mails de congratulações.

Por que atores não podem ainda assumir sua sexualidade?
O Marco Nanini acabou de declarar que é gay... Mas não sei. É uma questão muito de foro íntimo, talvez atrapalhe a carreira. Aliás, será que isso vai acontecer comigo?

Você está preocupado?
Eu não! É a primeira vez que eu penso nisso. Até agora fingi que sou macho, não foi? Vou continuar fingindo. Não tem problema nenhum.

E o vídeo que você gravou com o Rafinha Bastos, em que vocês são amantes?
Ele me ligou e eu topei na hora. Achava que já conhecia ele, mas confundia com aquele outro do CQC, o [Danilo] Gentili. Sempre que tinha evento, a Globo colocava eles atrás de uma grade lá longe, uma baita humilhação. Mas eu sempre ia lá falar com os caras. Rafinha foi lá em casa gravar, pegou uma ponte aérea só pra isso. Acho injusta a perseguição que fizeram com ele por causa daquela piada de que mulher feia deveria agradecer por ser estuprada. Estão levando o humor a sério demais.

Como é a vida sexual aos 66 anos?
Não muda nada. Nunca tomei nenhum aditivo desses. Acho que a minha geração está chegando aos 70 muito bem. Tem José Mayer, José Wilker, Paulo Betti, Antonio Fagundes, Tony Ramos.

Como e quando você conheceu a Camila?
Em um aniversário meu, que fiz na pousada de um amigo, em Teresópolis (RJ). A Camila era amiga de academia da esposa dele. Conversamos bastante e acabou acontecendo.

 

“Abrir mão do meu salário da Globo para poder ser de esquerda? Acho isso ridículo”


Foi depois de começar a fazer análise?
Comecei análise quando fiquei grávido do Bernardo [filho caçula], que hoje tem 12 anos. Resolvi fazer porque fazia muito tempo que eu não tinha filho. E a gente [ele e a mãe de Bernardo] não era casado. Nessa época, eu era garanhão. Um jornalista do Globo até me chamava de José “Casanova” de Abreu, porque eu só namorava mulheres bonitas. Tinha muita casa noturna no Rio, todo mundo ia pra rua.

E quais mulheres lindas você namorou?
A Mônica Martelli, a Flávia Zillo, a Luisa Thiré. Não são mulheres lindíssimas, mas são tipos incríveis. Mulherões, entendeu? Mulheres de impacto.

Você se dá bem com suas ex-mulheres?
Me dou bem com todas. Principalmente com a Nara. A Neusa mora em São Paulo, a gente praticamente não tem contato. Depois que o Rodrigo morreu [em 1992]... Aí que perdemos o vínculo mesmo.

Rodrigo, seu primogênito, morreu aos 21 anos. Você tem problema em falar sobre isso?
Nenhum. Durante muito tempo frequentei centro espírita, inclusive meu filho ia também. Me seguro nessa.

O que aconteceu exatamente?
Ele caiu da janela. Estava chuviscando, e tinha uma persiana. Ele sempre botava o corpo pra fora da janela, era muito grandão, atlético. Aí passou pelo buraco. Não havia possibilidade de suicídio, a gente tinha acabado de conversar. Ele tinha ido no banco, levado o jipe pra consertar, estava preparando o futuro. Foi comer mamão, ligou o rádio e caiu.

Como você encarou?
Eu estava fazendo Amazônia, na TV Manchete. Me deram 15 dias de férias. Depois, voltei a gravar.

Não é contraditório ser um cara de esquerda e ser global, comer no Gero e se hospedar no Fasano ao mesmo tempo?
Não sei, bicho. Perguntavam a mesma coisa para o Geraldo Vandré na época, porque ele tinha um Ford Galaxie. Ele respondia: “Não sou proletário. Não vou me fantasiar como tal”. Eu gasto grande parte do meu dinheiro com viagem, comida, bebida. Eu tenho que abrir mão do meu salário da Globo para poder ser de esquerda? Acho isso tão ridículo quanto achar que sou mau ator porque sou de esquerda. Tem jornalista que coloca isso na imprensa. Dizem que sou um ator coadjuvante... Porra, até a Fernanda Montenegro é coadjuvante de vez em quando! Não existe ator coadjuvante. E hoje vou ganhar um prêmio de melhor ator da APCA [Associação Paulista de Críticos de Arte], justamente por um papel coadjuvante. Que tal?

Márvio Lúcio, o Carioca

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Felipe Chiri/Trip FM

Carioca

Carioca

O papo de hoje é com Márvio Lúcio dos Santos Lourenço, o Carioca do Pânico, um dos mais importantes humoristas do Brasil e um verdadeiro mestre das técnicas de imitação. Natural de Niterói e criado em São Gonçalo, cidade que compõe a região metropolitana do Rio de Janeiro, ele estudou Jornalismo e, em 1996, conseguiu um estágio na rádio Jovem Pan.

Contou muita camiseta, colou muito adesivo em carro, gravou muita vinheta e, alguns meses depois, conseguiu a tão sonhada vaga no programa Pânico. Sua aptidão para a comédia, que vem da família, e seu talento nato para as imitações o transformaram na principal atração do programa, seja na pele de Amaury Dumbo, de Jô Suado, de Zeca Tamagro, ou em sua versão original, o Carioca.

Setlist do programa:

Santana - "Evil Ways"
Lulu Santos -- "Adinvinha o Que" 
Rodriguez - "Inner City Blues"
The Heavy - "Longway From Home"
Cake - "Commitioning a Symphony in C"

Coração de estudante

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Nos anos 80, quando a ditadura já ia mal das pernas, uma galera xingou muito (e não foi no Twitter) para pressionar pelo fim do regime militar no Brasil. E lá estavam estes dois, esgoelando-se em comícios das Diretas Já, com discursos e decotes libertários, ou em Brasília, uma cria do marxismo-leninismo que metia dedos na cara para denunciar a “incubadeira de escândalos” no Congresso. 

A cantora Fafá de Belém e o presidente do Senado, Renan Calheiros, falam à Trip sobre seus tempos de ativista. “Se fosse naquele período eu estaria, sim, nestes protestos”, diz o senador, sobre os protestos que correm a internet pedindo o seu impeachment.

Musa das Diretas

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Fafá de Belém soltando a pomba da paz

Fafá de Belém soltando a pomba da paz

Fafá de Belém soltava a voz, a pomba e a franga nas Diretas Já. Chamava atenção com seus penteados, seus decotes, suas interpretações arrebatadoras do “Hino Nacional” nos comícios. Calcula ter subido em 47 palanques pelo país afora (“fui de jegue, de bicicleta, pagava passagem de avião”). Sua marca era liberar uma pomba branca, geralmente comprada do próprio bolso no Mercado de Pinheiros, no final dos atos políticos. Entre 1983, e 1984, ao se juntar às milhares de pessoas para pedir eleições diretas num Brasil com duas décadas de ditadura nas costas, virou a “musa das Diretas”.

O título foi coisa da cabeça do jornalista Augusto Nunes, conta Fafá três décadas depois, por telefone. E ela estava mesmo em todas. Segundo a cantora, o ex-presidente Lula, a ex-primeira dama Marisa, o deputado petista José Genoino e o cartunista Henfil (quem lhe sugeriu a ideia de soltar “as pombas da liberdade”) faziam parte da turma que se reuniu em seu apartamento na rua Haddock Lobo, nos Jardins, no dia 25 de janeiro de 1984. Caminharam juntos de lá até o grande ato da praça da Sé. “Naquela altura não tinha cachê, nada. Tinha uma causa. E os artistas eram uma ponte.”

A paraense cresceu “ouvindo o pau comendo em casa”, com as agitadas discussões políticas entre a família do pai (“anarquista”) e da mãe (filha de uma família de políticos poderosos na região). Tinha sete anos e morava em São Paulo quando os militares chegaram ao poder em 1964. “Vi as tropas tomarem a cidade. Morava na praça perto da Assembleia Legislativa e estava esperando um amigo do papai, comunista, atravessar o viaduto Maria Paula.”

No ano seguinte, a família se mudou de volta para Belém, “e a guerrilha do Araguaia era bem próxima de lá”. Com vinte e poucos anos, mais uma vez em São Paulo, envolveu-se com “atividades subversivas”, no dialeto milico. Foi tachada de “pé frio” por “articulações de direita”. Passou dois anos sem trabalhar direito. Recebia telefonemas assustadores com ameças de sequestro contra sua filha Mariana, então com quatro anos (às vezes, a garota era embrulhada num lençol, colocada num carro e despachada para longe, “para despistar”).

 

"Fui de jegue, de bicicleta, pagava passagem de avião"

 

Hoje, Fafá se considera amiga dos ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso (mais) e Lula (menos). Também se diz próxima de dois presidenciáveis, o senador Aécio Neves (PSDB) e o governador Eduardo Campos (PSB) - que para ela são “Aecinho” e “Dudu”, os eternos garotões nos anos 80, ainda na sombra dos avôs Tancredo Neves (morto 39 dias após ser internado na véspera da posse como presidente, em 1985) e Miguel Arraes (ex-governador de Pernambuco).

As causas atuais pouco a comovem. Ela levou a filha para ver os jovens que foram às ruas pedir o impeachment de Fernando Collor, em 1992 (o ex-presidente voltou à vida política em 2007 e foi parar no Senado, onde é hoje colega do ex-cara pintada Lindberg Farias). “Olha, meu amor, adoraria que alguma coisa me tirasse a sério [de casa]”, diz a musa das Diretas Já. 


Mandacaru Atômico

Reprodução

O livro de Renan Calheiros, lançado em 83, com apresentação de Ulysses Guimarães

O livro de Renan Calheiros, lançado em 83, com apresentação de Ulysses Guimarães

Bem antes de virar o tipo de pessoa em quem jogaria tomates no passado, o senador Renan Calheiros (PMDB-AL) era um cabra cabeludo envolvido numa tal de Viração, “facção do movimento estudantil que tinha como referência teórica o marxismo-leninismo”.

Trinta e cinco anos se passaram e, com quilos a mais e cabelo de menos, ele virou alvo de passeatas e de um abaixo-assinado virtual com 1,6 milhão de assinaturas. A turba pede (até agora em vão) seu impeachment da presidência do Senado. “Se fosse naquele período eu estaria, sim, nestes protestos”, diz o político alagoano que, em 2007, renunciou ao mesmo posto para não ser cassado.

Ele foi acusado, na época, de ter despesas pessoais pagas por um lobista que defendia os interesses de uma empreiteira – uma dessas faturas cobria a pensão da jornalista Mônica Veloso, mãe de uma filha sua fora do casamento (depois do escândalo, Mônica posou para a Playboy e lançou o livro O poder que seduz para contar sua versão da história de amor com o senador, que gostava de lhe cantarolar Eu sei que vou te amar, segundo a ex-amante).

Antes disso tudo acontecer, contudo, Renan foi um dos jovens alagoanos que tentavam derrubar o status quo (como define assessor próximo, “um comunistaço”). “Naquele tempo, a juventude, a militância política, era 100% de esquerda”, conta o senador por e-mail.

Nos anos 70, o estudante de Direito elegeu-se presidente do Diretório Acadêmico da área de Ciências Humanas e Social da Ufal (Universidade Federal da Alagoas). Daí para o Congresso foi um pulo de carniça. Renan foi escolhido entre os estudantes de seu Estado para disputar as eleições. Como era 1978, e a ditadura ainda não tinha pedido arrego, candidatou-se pela opção viável à época: o MDB (antepassado do PMDB e único partido com concessão para existir, além do governista Arena). Virou deputado estadual aos 23 anos. “Era a primeira vez que os movimentos sociais e estudantis largavam as intermináveis noitadas de embates retóricos descompromissados e lançavam seus quadros para a difícil disputa eleitoral. Subitamente deixaram de me chamar de 'comunista'. Era 'excelência' pra cá e pra lá. À época aquele grupo de estudantes que se aventurou no mandato foi batizado de as 'novas excelências'.”

No livro Contadores de balela, editado em 1983, a “nova excelência” agrupou seus primeiros discursos e projetos de lei apresentados no Congresso (foi eleito deputado federal em 1982). O prefácio é do colega Ulysses Guimarães, um dos fundadores do PMDB – a sigla foi criada em 1980, um ano após a anistia reabrir as portas para o pluripartidarismo. E essa “nova excelência”, dizia Ulysses, morto em 1992, possuía uma “virtude indispensável ao homem público: coragem. Não tem medo dos poderosos do dinheiro, dos facínoras da violência, dos aproveitadores da corrupção”.

 

“Se fosse naquele período eu estaria, sim, nestes protestos” 

 

Na tribuna, abraçava causas como eleições diretas e União Nacional dos Estudantes. “Atuei muito na entidade até porque meu irmão, Renildo Calheiros, e Aldo Rebelo, meu dileto amigo [e atual ministro do Esporte], foram presidentes”, diz sobre a UNE. Posava para fotos com silhueta mais longilínea (mas bochechas já salientes), de camisa branca para dentro da calça jeans afivelada com cinto preto. Num dos discursos, bradou: “Mais de um escândalo por mês. E estes são os que chegaram ao conhecimento da opinião pública, porque acabaram estourando, de tão escabrosos que eram. E os que estão para vir à tona? Como andará a incubadeira de escândalos nesses bastidores do arbítrio, da corrupção, do suborno, do tráfico de influências?”.

De lá pra cá, Renan se aliou a todos os presidentes pós-ditadura militar. Primeiro foi José Sarney, colega no PMDB. Do conterrâneo Fernando Collor, a quem antes chamava de “príncipe herdeiro da corrupção”, virou líder do governo na Câmara dos Deputados (apoiou seu impeachment em seguida). Dirigiu uma subsidiária da Petrobras no governo Itamar Franco. Foi ministro da Justiça de Fernando Henrique Cardoso. E, enfim, presidente do Senado na era Lula e Dilma Rousseff, apelidado “Mandacaru” pelos colegas, em homenagem a um tipo de cacto de superfície grossa e espinhenta.

Fred Melo Paiva

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Divulgação

Fred Melo Paiva

Fred Melo Paiva

O convidado de hoje do Trip FM é o jornalista Fred Melo Paiva. Ele trabalhou nos mais diversos veículos da comunicação brasileira, como no jornal O Estado de S. Paulo, nas revistas Playboy, Época Negócios, Veja, IstoÉ e também aqui nas revistas Trip e Tpm. Mineiro radicado em São Paulo e torcedor fanático do Atlético Mineiro, atualmente ele escreve uma coluna sobre o Galo no jornal Estado de Minas. E agora se prepara para lançar sua primeira incursão pelo jornalismo televisivo, o programa O Infiltrado, que estreia no próximo dia 7 de maio no canal a cabo History Channel.

Setlist do programa:

Lou Reed - "Walk on the Wild Side"
Eric Clapton & BB King - "Riding With the King"
Tom Zé - "Tom Ze Mané"
Ben L´Oncle Soul - "I Dont Wanna Waste"
Kings of Leon - "Fans"

Coitadinha Bem Feito

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jorge Bispo

Angela Ro Ro

Angela Ro Ro

Vozes masculinas de 17 artistas fazem Coitadinha Bem Feito, álbum virtual gratuito em homenagem à cantora, compositora e pianista carioca Angela Ro Ro. Com curadoria do jornalista Marcus Preto e direção geral do DJ Zé Pedro, os convidados para o projeto foram os cantores Lucas Santtana, Lirinha, Thiago Petit, Leo Cavalcanti, Tatá Aeroplano, Romulo Fróes, Kiko Dinucci, Gui Amabis, Adriano Cintra, Rodrigo Campos, Helio Flanders, Otto, Pélico, Juliano Gauche, Rael, Gustavo Galo e Daniel Black.

 

 Álbum "Coitadinha Bem Feito'

"Uma criança meio esquisita", é como Marcus Preto se define ao contar que ouvia Angela Ro Ro desde a infância. Encontrou no dono do selo do Joia Moderna, Zé Pedro, outro fã da cantora, o parceiro ideal para essa empreitada. Mas tinha um porém, o DJ queria apenas cantoras mulheres em seus CDs como marca de sua gravadora e o jornalista decidiu quebrar o hábito convidando apenas cantores. Para ele, os músicos inventaram um jeito de se comunicar que significa mais do que só cantar bem.

Todos foram responsáveis pelos arranjos, sem interferência de Marcus ou Zé Pedro. "Os caras mandaram muito bem, cada faixa que chegava para escutar era um 'Ufa!'. Eles são muito diferentes, fizeram coisas muito pessoais e pouco a ver com a Angela, mas que conseguem traduzir muito bem o nosso tempo. Existe aquela história de que se todo mundo cantar junto em uma sala soa afinado. E o conjunto do Coitadinha Bem Feito é isto, cada música se aproximou do cantor escolhido e todas formaram um CD que soa muito afinado também", diz Marcus.

Dois shows estão marcados no Sesc da Vila Mariana para o lançamento do álbum nos dias 7 e 8 de maio, com parte dos musicos que participam do disco.

Tatá Aeroplano, Thiago Pethit e Leo Cavalcanti falam sobre como foi participar da homenagem:

"Receber a música Balada da Arrasada pra fazer foi um presente. Me lembro do dia em que escutei essa canção com o Helio Flanders no vinil que ele tem da Ro Ro e de como essa música me emocionou. A letra é muito forte. A música é intensa e me emociona demais. Grava-la foi uma honra, Ro Ro é clássica! Convidei o Junior Boca pra gravar as guitarras e produzir a faixa, e também o Pedro Gongom da Trupe Chá de Boldo, que tocou bateria, o Meno Del Picchia que tocou baixo e o João Leão que fez piano e teclados. Gravamos no estúdio Submarino Fantástico em duas sessões com o Otávio Carvalho e vamos colocar a música nos próximos shows do meu disco." Tatá Aeroplano

"Fazer uma versão de qualquer música é sempre muito desafiador, pois não se trata de um desejo de fazer melhor do que a original ou mais dramático. Mas sim de explorar um tema particular e descobrir as nuances, semelhanças e diferenças entre o universo do compositor e o seu próprio universo enquanto artista e acabar transformando isso em uma linguagem própria. Por isso é tentador demais. Porque é audacioso querer brincar com as palavras de pessoas tão maravilhosas e geniais como a Angela Ro Ro. Agradeço imensamente o convite da Joia Moderna, pois, sem eles, talvez eu não tivesse coragem de regravar isso. Sempre fui fã da Angela e especialmente da canção Mares da Espanha. Além de ser linda, é uma música com uma dramaticidade muito peculiar e muito forte na voz e interpretação. Para achar o tom da versão, tentei privilegiar o lado mais felino, arisco e mais libidinoso das palavras da Angela. A voz de quem acorda em uma manhã de ressaca implorando pelo calor de alguém. Assim como a ressaca dos mares, tentando engolir com ondas tudo que vê pela frente." Thiago Pethit

"Foi com grande alegria que recebi o convite de Marcus Preto para fazer parte do disco, pois, além de ser uma adorável homenagem à esta grande artista que é Ro Ro, por quem sempre tive admiração, acho delicioso o desafio de criar uma nova interpretação e roupagem para uma canção que já foi gravada. Aproveitei a oportunidade para ir mais fundo na obra de Angela: comecei a pesquisar sua discografia, e um tesouro se revelou para mim, fazendo minha admiração aumentar. Angela é uma poeta brilhante. Sua poesia sangra e faz transparecer a brasa de seu coração. Suas canções revelam uma compositora que entende o significado profundo do que é 'canção'. É uma grande letrista, melodista - e cantora e pianista ímpar. Uma cantautora completa.Senti a necessidade de fazer uma interpretação delicada e doce para Came e Case, que é uma música simples sobre amor, paixão e libido - todos juntos, sem separação. Sobre a sacralidade de um encontro amoroso onde existe entrega total. Na interpretação de Angela, ela canta para uma mulher. Na minha intepretação, achei interessante inverter, e cantar para um homem: 'Esse tempo pouco/louco de amor/que você me dá/que você me dá/cheio de prazer'. Concebi o arranjo e imediatamente pensei em chamar o músico Bruno Serroni para tocar Cello e assinar a produção comigo. Fizemos a faixa juntos, e ele também fez a mixagem. Fiquei muito contente com o resultado - e ainda mais por integrar um projeto ao lado de amigos e artistas que tanto gosto e admiro." Leo Cavalcanti

E aqui, as faixas:

Amor, meu Grande Amor - Lucas Santtana
Renúncia - Lira
Came e Case - Leo Cavalcanti
Só nos Resta Viver - Romulo Fróes
Mares da Espanha - Thiago Pethit
Balada da Arrasada - Tatá Aeroplano
Coitadinha Bem Feito - Otto
Abre o Coração - Gui Amabis
Gota de Sangue - Adriano Cintra
Não Há Cabeça - Pélico
Fogueira - Rodrigo Campos
Tango da Bronquite - Kiko Dinucci
Perdoar-os, Pai - Rael
Fraca e Abusada - Gustavo Galo
Tola Foi Você - Dani Black
A Mim e a Mais Ninguém - Juliano Gauche
Me Acalmo Danando - Helio Flanders

Vai lá: Para baixar o álbum gratuitamente acesse www.coitadinhabemfeito.com.br

Show de lançamento do álbum Coitadinha, Bem Feito
Quando: 7 (terça) e 8 (quarta) de maio, às 21h
Onde: Sesc Vila Mariana - Rua Pelotas, 141 - Vila Mariana - São Paulo/SP - Tel (11) 5080-3000
Quanto: de R$8 a R$32 (ingressos limitados)

Thiago Pethit fez um vídeo autoral para divulgar a canção que gravou:

José de Abreu

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Fe Pinheiro

José de Abreu

José de Abreu

José de Abreu é um importante ator de teatro, televisão e cinema, com mais de 30 anos de profissão e incontáveis peças, novelas e filmes em sua carreira. Mas depois de conhecer um pouco sobre sua história e suas opiniões, fica difícil decidir se a gente admira mais seu trabalho, sua trajetória de vida ou a maneira honesta e corajosa com que ele se posiciona sobre os mais variados temas.

Depois de viver o vilão Nilo na novela que virou febre nacional no ano passado, Avenida Brasil, atualmente ele está em cartaz em São Paulo com a peça Bonifácio Bilhões e também no cinema com o filme Meu Pé de Laranja Lima.

O Trip FM recebe nesta semana o inigualável Zé de Abreu, que também nos deu o privilégio de ser capa e personagem das Páginas Negras da revista Trip do mês de abril.

Setlist do programa:

Baden Baden - "Evidemment"
Canned Heat -- "Going Up the Country"
Chico Buarque -- "Jorge Maravilha"
Ben Harper & Charlie Musselwhite -- "She Got Kick"
Mia Doi Todd & Jose Gonzales -- "Um Girassol da Cor dos Seus Cabelos"

O Trip FM vai ao ar na grande São Paulo às sextas às 20h, com reprise às terças às 23h pela Rádio Eldorado Brasil 3000, 107,3MHz

Amor nos tempos de comédia

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Divulgação

Luis Fernando Veríssimo

Luis Fernando Veríssimo

Luis Fernando Veríssimo fala à Trip sobre saúde, medo da morte e a mais nova adaptação de sua obra para a TV, uma série baseada em seus textos sobre casais

“Nós nunca mentimos. Quando mentimos, é para o bem de vocês.” A frase de Luis Fernando Verissimo abre o livro As mentiras que os homens contam, um dos best-sellers dele que traçam uma radiografia bem-humorada das relações entre casais. A visão do escritor gaúcho sobre o amor é tema de uma série de TV de 13 episódios – Amor Verissimo –, que será filmada em setembro pela Conspiração. A atração estreia no final do ano no GNT. Recentemente o humorista de 76 anos passou 24 dias no hospital por causa de uma gripe que evoluiu para uma infecção generalizada e prejudicou sua mobilidade. Casado há mais de 30 com Lúcia, sua primeira “namorada séria”, com quem tem três filhos, Verissimo falou à Trip sobre relacionamentos, humor e medo da morte.

Um casal rende boas piadas?
Como é aquela frase do Tolstoi? Todas as famílias felizes são iguais, mas cada uma é infeliz à sua maneira. Há mais maneiras de um casal se desentender do que de se entender, e há muitas maneiras de descrever isso, com mais ou menos humor.

Qual é o seu conto de amor preferido? Por quê?
Não é o favorito, mas um chamado “Bandeira branca” [leia aqui] circulou mais do que os outros e entrou em algumas antologias.

Qual a sua opinião sobre a nova geração de humoristas, como Marcelo Adnet, Fábio Porchat e Gregório Duvivier?
Tenho visto o trabalho deles, inclusive, no Porta dos fundos, e acho excelente. É uma nova fase do humor brasileiro, que se livra da velha tradição do circo, do rádio, do teatro de revista e da caricatura grotesca, como ainda se vê no Zorra total. Independentemente, claro, dos gênios do velho estilo, como o Chico Anysio.

Como está a sua saúde?
Está ótima. Tive que reaprender a andar, e isso me levou a fazer fisioterapia intensiva, o que tem sido muito bom.

Em entrevistas recentes, você citou alucinações que teve no hospital. Como foi?
Consistiam em ver coisas irreais à minha volta, como um esquema secreto de contrabando de crianças asiáticas na UTI do hospital. Eu não conseguia caminhar e, para sair da cama, tinha que ser com uma enfermeira, abraçado. Não sei se sonhei ou se foi verdade, mas tenho a lembrança clara de dançar uma valsa com ela.

O que você gostaria de fazer que não fez?
Meus projetos são todos de curto prazo, como o de viajar este ano para Paris e Londres.

Sente mais medo da morte hoje?
Medo, ou consciência, da morte eu tenho desde criança. Com a idade a gente se sente mais vulnerável. Mas fazer o quê? É como jogar contra um time que você sabe que no fim vai ganhar. Só nos resta tentar jogar bem e não dar vexame.


Carioca sangue bom

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O cara imita Jô Soares, Amaury Jr., Papa Francisco, Dilma Rousseff. E faz isso tão bem que alguns dos próprios alvos acham graça. Com vocês, o gênio do Pânico - desta vez, sem disfarces

Márvio Lúcio está resfriado. Ou tem uma virose, que é o diagnóstico padrão para os mal-estares modernos. Provavelmente pegou da filha de 1 ano, que passou madrugada dessas vomitando até às cinco da manhã. “Não tô legal”, ele admite. Mas nem por isso deixa de entrar na van para uma bateria de entrevistas com revista, rádio e TV Trip, seguidas de sessão de fotos. Durante a longa tarde, entre um cigarro e outro, fala empolgadamente de política, carreira, família, tira fotos com jornalistas e produtores, distribui sorrisos, bate papo com quem quiser papo.

É fácil ser levado pelo carisma que transformou Márvio em um dos humoristas mais conhecidos do Brasil. Nascido em Niterói e criado em São Gonçalo, alguns diriam que ele não pode ser chamado de carioca; o gentílico correto seria “fluminense”. Mas a alcunha ficou e hoje ele é, provavelmente, o fluminense mais carioca do Brasil. Márvio Lúcio, o Carioca, com seu sotaque cantado e humor naturalmente malandro, honra o apelido.

Até quem não assiste ao Pânico na Band, de cujo elenco o humorista faz parte desde os tempos do rádio, reconhece o Carioca por alguma de suas imitações hilárias. Jô Suado, Boris Casoy, Amaury Dumbo e Zeca Tamagro são alguns dos tipos que faz no programa e que o tornaram conhecido de ponta a ponta no país. Classificado por Danilo Gentili como o maior humorista e imitador do Brasil hoje, elogiado por seus imitados – Lulu Santos, um deles, viu o humorista na plateia de um show e agradeceu com uma canção –, Carioca vive seu melhor momento. Seu talento para os tipos ajuda a erguer o Ibope do Pânico, o maior da Band, e gera milhares de visualizações e comentários no YouTube, a maior parte vinda do público jovem. “Eu quero é tocar o terror”, ele solta, durante a sessão de fotos para esta edição. Apesar da ameaça, o niteroiense de 37 anos não quer ofender ninguém com suas caricaturas. Seu principal parceiro nos quadros do Pânico é Eduardo Sterblitch, que encarnava o famoso Freddie Mercury Prateado e com quem compartilha a veia nonsense.

 

“A comédia anda sempre no limite, se arrisca, e às vezes pode errar ou sair do que as pessoas estavam preparadas” para aceitar

 

Seu humor é menos polêmico do que aquele praticado por grande parte da trupe do Pânico. O programa sofre críticas constantes e é acusado de apelação. Carioca defende a “família Pânico”, como eles se denominam. “A comédia anda sempre no limite, se arrisca, e às vezes pode errar ou sair do que as pessoas estavam preparadas para aceitar. Mas sou a favor da total liberdade de expressão. Cada um fala o que quiser e o mercado absorve ou não”, justifica. Para ele, no momento existe no país uma “cruzada moral imbecil” que atrapalha.

Bate-bate

Dois casos recentes foram emblemáticos nesse teste de fronteiras. Primeiro, desistiu de Jô Suado, depois de ser esnobado em rede nacional por Jô Soares três vezes. Depois, abortou Edir Maiscedo, tentativa de imitar o bispo Edir Macedo. No primeiro caso, ficou magoado por não ter a bênção de um ídolo. No segundo, recuou por medo da gritaria. “É complicado brincar com religião e não quero polêmica.” Quando o personagem caiu, os evangélicos comemoraram na internet. Carioca não se importa, apesar do tempo que investe em cada tipo: sente a necessidade de entrar de cabeça nos personagens e começa observando a forma como a pessoa a ser imitada se comunica. “Olho mão, olhar, gestual, boca. O corpo fala. A voz é o mais difícil. Penso que tenho o mesmo trabalho de um cartunista, de notar detalhes; mas sou um cartunista da vida real. E não quero ser mais um. Quero oferecer algo de arte.”

Leu a autobiografia de Edir Macedo para entender o personagem e levou quatro meses para criar seu Boris Casoy. “Antes de fazer rir, quero que você se encante com minha proposta, o tipo, o jeito, a fala. É uma sedução, mesmo.” Com seu “Jornal do Boris”, ganhou até o próprio Casoy. Além de dar sua bênção, o jornalista fez uma espirituosa participação na bancada do “Jornal do Pânico” e, numa cena que Emilio Surita classifica como “uma das mais surreais da TV brasileira”, andou de carrinho de bate-bate com seu imitador. O personagem não existe mais. Quem lamenta é o próprio Casoy: “Virei um cara popular por causa da imitação. Achavam que eu era sisudo, agora me acham simpático. Até as crianças pedem para eu dar meu ‘boa noite’ agora.” Outro imitado que aprovou a “homenagem” foi o apresentador Amaury Jr. “As pessoas achavam que eu me irritaria porque ele fazia a caricatura com alta lubrificação etílica”, conta. “Mas eu achava o máximo. Por mim, ele teria o próprio programa.”

 

Ele anda com quatro feias dentaduras de plástico para poder imitar a qualquer hora Ronaldo Fenômeno, Dilma ou Lobão

 

Márvio Lúcio está com saudade do Rio de Janeiro, que trocou por São Paulo há 15 anos. Sente falta de ver o Pão de Açúcar quando vai para o trabalho, de mirar “o verde, o mar, o azul”. Dirigindo pelo caos do trânsito paulistano, sintoniza rádios da Cidade Maravilhosa só para ouvir o ritmo. Antes de virar o Carioca do Pânico, foi um esforçado produtor da rádio Joven Pan, no Rio. Era 1996. Quando não estava distribuindo adesivos promocionais da rádio nos semáforos, imprimia suas ideias, piadas e roteiros na Epson matricial da rádio e enviava para o seu programa preferido, um tal de Pânico, que a Jovem Pan de São Paulo transmitia para o país inteiro. Emilio Surita, o apresentador, lia as contribuições no ar e agradecia. “Valeu, Márvio, que sempre manda coisas boas lá do Rio.” Dois anos depois, foi chamado para trabalhar no programa radiofônico, que iria para a TV em 2003. E assim tudo começou.

Fe Pinheiro

Márvio Lúcio, o Carioca: gênio da imitação do Pânico na TV

Márvio Lúcio, o Carioca: gênio da imitação do Pânico na TV

Para ser justo, começou muito antes. Aos 5 anos de idade, montado de mulher pela irmã, Márvio fazia apresentações para tios, avós, “a velharada que ia lá em casa. Eles adoravam e eu passava o chapéu. Foi aí que descobri que dá pra ganhar dinheiro com essa merda”. Essa merda, no caso, é a nada fácil tarefa de conquistar o público com imitações. A primeira foi de Leonel Brizola, porque Márvio é louco por política. Sonhava ser congressista, quem sabe presidente da república. A primeira viagem a Brasília, em 1994, foi para assessorar um candidato a deputado na convenção que escolheria o presidenciável do PMDB. “Fui tentar, mas na primeira já desisti, cara. Senti que todo o esquema é corrupto”, lembra, com certa tristeza. Para piorar a impressão, alguém embolsou a grana que pagaria a comida da comitiva, e Márvio teve de bancar o almoço de muita gente. Nunca mais pensou em ser político, mas continuou acompanhando a arena: lê jornais todos os dias e sabe quem é quem no jogo de poder.

Entertainer

Depois do caudilho gaúcho vieram imitações de Gil Gomes, Raul Gil, Silvio Luiz, Muricy Ramalho, Caetano Veloso, Serginho Groisman, Biafra. Ele diz que a criação “solta”, no bairro de Boaçu, São Gonçalo, potencializou suas habilidades. A família é de gozadores, e ainda hoje fazem pegadinhas uns com os outros. O pai tinha fitas cassete com piadas do Costinha, que Márvio escutava escondido no som do carro. “Aquele monte de sacanagem, palavrão, foi uma escola”, ri, lembrando do mestre.

Ele se diz um entertainer – segundo o dicionário Michaelis, “pessoa que faz apresentações, profissionalmente, para a diversão dos outros”. Mas quem o conhece sabe que é, ele mesmo, um entretenimento full time. Sorrisos, tiradas e imitações saltam a todo momento de seu vasto repertório. Anda com quatro feias dentaduras de plástico para poder imitar a qualquer hora Ronaldo Fenômeno, Dilma, Lobão ou outro famoso. Imita amigos também, como seu patrão, Tutinha, dono da Jovem Pan, seu colega de elenco Bola e o maquiador do Pânico, de quem faz propaganda para a produção da Trip. Entende o sucesso, mas não parece muito interessado no estrelato. É aquele vizinho engraçado da periferia que chama a atenção nos churrascos pelo bom humor. Os nascidos no Rio que se adaptem: o fluminense Márvio Lúcio é um carioca sangue bom.

Caracterizador: Anderson Montes (Dinho)/ Figurino: Euller Sampaio

Casanova tupiniquim

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Nosso Repórter Excepcional vai em busca do criador de Zé Bonitinho na esperança de aprender com o mestre a arte de fazer sucesso com as mulheres

Ao longo da minha vida, gurus, escritores, divas, livres-pensadores e figuras atípicas em geral impregnaram o meu modo de ser, pensar e anarquizar. São os meus heróis. No universo do humor, desde a infância acompanhava gargalhando e imitando com o meu pai tudo aquilo que mestres como Jerry Lewis, Chico Anysio, Os Três Patetas, Charles Chaplin, Monty Python, Jô Soares, Golias, Catifunda e Os Trapalhões faziam.

Sempre fui adepto do humor, da gozação, da paródia e do esculacho em geral. No mais recôndito esconderijo da minha psique, um personagem esteve presente nas minhas brincadeiras e palhaçadas diárias. Uma criatura transcendental, imortalizada pelo seu criador, o ator e humorista Jorge Loredo, que conquistou milhões de fãs por todo o Brasil, com seus bordões invadindo lares e botequins. Com vocês, Zé Bonitinho!

Em pleno coração de Santa Teresa, no Rio de Janeiro, a porta da esperança se abriu e Jorge Loredo desceu do carro cumprimentando todos com extrema elegância e confirmando: “O chato não é ser bonito, o chato é ser gostoso”. Atônito, me ajoelhei diante daquela pessoa que marcara profundamente a minha vida. Estava frente a frente com o mentor do personagem Zé Bonitinho.

Meu inquietamento é notório. Desejo aprender tudo – técnicas, trejeitos, gags, bordões e idiossincrasias – deste artista fascinante. Afinal, quem não quer ser o “perigote das mulheres”? Avant-garde desde períodos ancestrais, Loredo desafia a caretice em um manancial inesgotável de sabedoria, tragédia e humor. Aos 89 anos, destila como ninguém detalhes minuciosos de seu passado glorioso.

Deborah Engel

Arthur segue as instruções de conquista do mestre

Arthur segue as instruções de conquista do mestre

Vou direto ao ponto, quero saber da mulherada nos tempos áureos. Jorge fazia jus aos bordões de Bonitinho? “Que nada, Arthur, sempre fui tímido com as beldades”, responde o humorista. E acrescenta: “A maioria dos artistas e comediantes é introvertida por natureza. Meu mestre Oscarito parecia um professor de latim. Não gostava de ser engraçado pessoalmente. Os grandes humoristas e comediantes que conheci passaram por sofrimentos e tragédias. A maioria sofre ou sofreu bastante bullying e preconceito”.

Zé perigote

Nossa conversa atravessa a trajetória de vida deste magistral comediante. Jorge resgata seu encontro com o mestre da mímica Marcel Marceau. Conta que estudava teatro nos anos 50 e 60, quando o francês veio com sua companhia ao Brasil. “Em sua apresentação-aula, Marcel me chamou para ser cobaia de seus movimentos no púlpito. Fiquei realizado. Ao final, fui convidado para ver seu espetáculo no Teatro Municipal. Até hoje não me esqueço. Ele fez, sozinho, o homem e o vento. Você jurava que estava ventando e ele se defendia do vento. Arte pura”, conta o comediante.

Veneração e entusiasmo dão o tom do meu estado de espírito. Recordando as muitas vezes que imitei os trejeitos e olhares deste Casanova tupiniquim, fui entrando no clima. Pergunto a ele sobre a origem de seus personagens. Afinal, de onde veio Zé Bonitinho? “Meu caro, o humorista de talento possui as mesmas qualidades de um grande fotógrafo. Ele vai observando e construindo seu personagem. O Zé Bonitinho nasceu de muita observação”, conta ele. Segundo o mestre, ele morava no bairro da Tijuca e passava os dias numa praça com uma turma de amigos, conversando e observando as garotas passarem. “Um deles se chamava Zé Perigote. Ele foi minha fonte de inspiração. Copiei tudo dele. Ele olhava uma mulher e dizia: ‘Aquela ali, huummmm’ ou ‘Aquela outra já peguei’. Se gabava de que havia estado com todas. Incrédulos, um dia o colocamos no paredão. Apontamos uma beldade de difícil acesso e comprometida. Ele disse: ‘Espera’. Um dia ela foi ao cinema sozinha. Ele sentou atrás dela. A mulher saiu e o sujeito nada. Depois veio com um sorriso dizendo: ‘Mais uma’. Descobrimos que o cara era uma grande farsa, não pegava ninguém.”

O tempo escoa e vou direto ao ponto. Não posso perder a oportunidade de aprender com o Zé Bonitinho como ter “a mulherada correndo atrás, mesmo sem ser bujão de gás”. Pergunto ao mestre: “Jorge, você poderia me ensinar a arte de cortejar do Zé Bonitinho?”. A lenda viva responde: “O negócio é o seguinte: você dá um olhar de desprezo e finge que não presta atenção. Fica sentado naquela pose clássica de pernas cruzadas do Albert Einstein. Você despreza, até que um dia vai se aproximando e tem o acasalamento. É a dança do lobo e da loba”.

Câmera, close!

Enquanto recita, percebo que Jorge incorpora o personagem e sigo seus movimentos como um fanático. Pequenas nuances vão se revelando, como a passada do dedinho na ponta da língua combinada com a perfeita levantada de sobrancelha. Repito milimetricamente o conjunto da obra. Segundo o mestre, o clímax que garante o enlace com a beldade está na lambida. Ensaio com ênfase e dedicação e finalizo com o clássico bordão: “If I had a thousand women, au auuu auuuuu”. O guru das cantadas sorri, aprovando meus movimentos.

Sou ligeiro e pergunto sobre stand-up comedy e os comediantes atuais. Loredo diz: “Aceito todos os movimentos. Humor é coisa séria, é liberdade. Basta ver os países ditatoriais, ali não existe humor. Brincando se passa uma mensagem. Os mestres Carlitos e Buster Keaton, por exemplo, transmitiam ideias com muita sabedoria”.

Autêntico aristocrata que é, sem dispensar nenhuma mesura ou salamaleque, nosso convidado se despede e não perde a oportunidade de dar uma sutil cantada em nossa produtora. Fiquei na minha, decodificando seus trejeitos. Seria aquele Jorge Loredo ou a entidade sedutora de Zé Bonitinho? Câmera, close!

Agradecimento: Brechó Minha avó tinha

Kaka Werá

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divulgação

Kaká Werá, escritor e ambientalista

Kaká Werá, escritor e ambientalista

Kaka Werá é escritor, ambientalista e há mais de 20 anos dirige o Instituto Arapoty, uma organização que difunde os valores da cultura indígena no Brasil. A ONG trabalha na formação de gerações mais conscientes da nossa interdependência e da responsabilidade que cada pessoa, e suas ações, têm na construção da realidade e do mundo em que vivemos.

Índio de origem Txucarramãe, ele nasceu em São Paulo, cidade onde seus pais se refugiaram depois de fugirem de fazendeiros do interior de Minas Gerias. Aqui, ao mesmo tempo em que estudou em escolas públicas, se aproximou e foi “adotado” pelas tribos Guaranis, se aprofundando no conhecimento dessas duas sociedades. E é exatamente essa formação na cultura indígena e na cultura ocidental que faz dele um importante interlocutor, uma importante ponte na estrada que pode, e deve, nos levar à uma convivência mais pacífica não só entre brancos e índios, mas entre as pessoas e a natureza.

A entrevista desta semana no Trip FM é com o ativista indígena que foi um dos homenageados do Trip Transformadores de 2010 e que é autor de livros como A Terra de Mil Povos e As Fabulosas Fábulas de Iauaretê, ambos lançados pela Editora Peirópolis.

Setlist do programa:

Mick Jagger - "I've Been Lonely for so Long"
Curumim - "Compacto"
Aloe Blacc - "Good Things"
Bob Marley - "Concret Jungle"
Chuck Berry - "You Never Can Tell"

O Trip FM vai ao ar na grande São Paulo às sextas às 20h, com reprise às terças às 23h pela Rádio Eldorado Brasil 3000, 107,3MHz

Jeff Hakman riu por último

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Do posto de mais jovem campeão mundial de surfe ao fundo do poço do consumo de heroína, o americano Jeff Hakman viveu de tudo um muito. Trip conversou com o homem em uma praia paulista, entre risadas, memórias e garfadas de arroz com feijão

“Call me Jeff”, ele disse de cara. Encontrei Jeff Hakman, o “ex-junkie legend” – quem o definiu assim certa vez foi o cineasta Marcos Prado – junto com Bob McKnight (hoje presidente do conselho da Quiksilver, depois de 40 anos como CEO) na praia, apresentado por um amigo em comum, Alfio Lagnado. Com poucos traços que denunciem seus 64 anos visceralmente vividos, Jeff, longe da terceira idade, está mais para quem terceirizou a idade: parece que pelo menos dez anos da sua existência foram entregues para algum incauto menos energizado carregar e metabolizar, enquanto ele simplesmente sorri.

Com entusiasmo, ele começa a contar histórias vivas, cheias de tsunamis pessoais. Uma estranha e poderosa energia interior sobressai a cada palavra. De que outra maneira alguém poderia ter descido ao inferno da heroína por diversas vezes, beijado o Diabo na boca, emergido para contar qual o sabor dos lábios do coisa-ruim e ainda, sexagenário e cheio de energia, querer vir morar no Brasil e recomeçar a vida mais uma vez? Fucking amazing.

Para Jeff o surf começou em Palos Verdes, Califórnia. Aos 8 anos, levou um caldo traumático que o manteve longe da água por um ano. O pai o incentivou a insistir. Na primeira onda boa, a maravilha venceu o medo. Dois anos depois convenceu os pais a se mudarem para o Havaí.

“Embora existam muitas pessoas surfando no planeta, não há muitos surfistas genuínos, na sua forma mais pura. Esses indivíduos são únicos e todos têm uma paixão em comum, num nível muito alto”

Aos 18, na fila de alistamento para a Guerra do Vietnã, protagonizou um desempenho convincente como homossexual que lhe valeu a dispensa do Exército. Em 1969, aos 21, já considerado o melhor surfista de competição do mundo, revelou-se um dos piores contrabandistas do planeta – e também um dos mais sortudos. Foi pego por federais com alguns quilos de maconha que ele e o amigo Buddy Boy Kahoe (que faleceria anos depois de overdose de heroína) enviaram para si próprios, em caixas de som revestidas de papelão, da Tailândia para Haleiwa, na Costa Norte de Oahu, no Havaí. Mas se safou devido a duas falhas técnicas do DEA (o departamento de combate às drogas dos EUA ): 1) Interceptar o correio é ilegal e qualquer prova que emane daí é inválida. 2) Os policiais seguraram as evidências tempo demais. Essas ações, pela lei americana, são inconstitucionais. O juiz desqualificou as acusações. Por pouco, em vez de contemplar as plantações de cana-de-açúcar que emolduram a paisagem do arquipélago, Jeff não apreciou outro tipo de cana, bem mais amarga.

O mais baixo da classe

Andando pela praia até minha casa, no litoral norte paulista (eu queria lhe dar meu livro Almaquática, feito com o fotógrafo Klaus Mitteldorf e o designer David Carson, que Jeff conhecia de outros carnavais), ele falou do fascínio com o Brasil: “Vivo na França há 30 anos. Os invernos são muito longos. O Brasil é uma ótima alternativa. Você ainda encontra praias vazias, vida selvagem, ótima comida, bom tempo e um estilo de vida vibrante que não é muito caro”. Sobre o surf, acredita que, “embora existam muitas pessoas surfando no planeta, não há muitos surfistas genuínos, na sua forma mais pura. Esses indivíduos, eu são únicos, e todos têm uma paixão em comum num nível muito alto”.

Eu ouvia tudo isso do cara que foi, aos 17 anos, o mais jovem campeão mundial de todos os tempos. Embora não houvesse na época o Campeonato Mundial no formato que conhecemos hoje, não é exagero dizer que Jeff dominou o esporte na maior parte da década de 70, vencendo por duas vezes o prestigiado Campeonato Eddie Aikau Invitational, por três vezes o Hang Ten Invitational e levando o caneco do primeiro Pipeline Masters e do Guston Pro na África do Sul. Ainda aos 17, foi eleito o melhor surfista de ondas grandes do mundo. Casca-grossíssima. Que, curiosamente, foi o garoto mais baixo da classe nos tempos de escola. Teria sido essa característica um motivador extra? Ele admite que o fato adicionou vontade a mais para superar obstáculos e mostrar que podia fazer e acontecer. O surf agradece Jeff não ser 10 centímetros mais alto.

“Vivi na França por 30 anos, os invernos são muito longos. O Brasil é uma ótima alternativa. Você ainda encontra praias vazias, vida selvagem, ótima comida, bom tempo e um estilo de vida vibrante e não muito caro”

Falamos muito de suas performances nas décadas de 1970, em especial de uma na praia de Puntas Rocas, no Peru, quando Jeff ostentava a prancha gun branca e se destacava pelos fortes e precisos botton-turns, projetando linhas longas, traçadas com fluidez e o famoso power difícil de definir, com o centro de gravidade baixo, que os juízes adoravam. Nomes de surfistas peruanos da época foram pipocando na conversa – Felipe Pomar, Gordo Barreda, Chino Malpartida, Fernán Ortíz de Zeballos. A noção de hospitalidade de alguns peruanos (e brasileiros) com os surfistas estrangeiros passava pelo fornecimento de presentes psicodélicos – cocaína e maconha. Eram tempos de excesso de experimentação com pouca informação. O costume cimentou amizades e diluiu vidas. Jeff foi fundo.

Posição fetal

Em 1973, acompanhado da namorada Sandy Raymond e do compadre Gerry Lopez, desbravou Bali, suas ondas e seus cogumelos. Deslumbrados, surfaram Uluwatu e Kuta Reef non-stop. Foi nessa época que a heroína, que seria sua companheira por anos, foi apresentada por Sandy. Um ano depois, houve a final antológica do Duke Kahanamoku Invitational em Waimea Bay, contra Reno Abelira, na qual Jeff ficou em segundo por margem mínima, no maior mar surfado em um campeonato até então, com séries de até 30 pés (10 metros). Muitos surfistas se recusaram a entrar na água. Ele entrou ainda na madrugada, para treinar e se adaptar às condições extremas antes da competição.

Arquivo pessoal

Jeff e o pai saindo de uma session no Havaí

Jeff e o pai saindo de uma session no Havaí

Em 1975, vendo o sucesso de marcas como a Lightning Bolt, levadas pela aura de Gerry Lopez, Jeff e Bob McKnight resolveram entrar na indústria de surfwear. Jeff sabia tudo de surf; Bob, administrador de empresas, sabia tudo de negócios: a parceria de sonho. Jeff tinha gostado de uma bermuda emprestada pelo amigo australiano Mark Warren. O nome da marca? Quiksilver. Decidiu ir atrás da licença para levar para os EUA. Em Bell’s Beach, jantou com Alan Green, um dos donos da marca, que não estava convencido da proposta. “O que preciso fazer para ter a licença? Querem que eu coma essa toalha de papel?”, provocou Jeff, que em seguida pegou a toalha, mastigou e engoliu. Ganhou.

No curto período na Austrália, sob o efeito avassalador da heroína, o campeão conseguiu fazer o maior negócio da sua vida além de ser o primeiro estrangeiro a vencer o Bell’s Beach Contest, sem que ninguém percebesse o que se passava dentro dele. Na volta para o Havaí, Jeff passou as 12 horas de voo encolhido, tremendo, em posição fetal. A droga cobrava seu tributo.

Sua resistência insana veio à tona novamente em 1981, quando ele não conseguiu sair por cima da junção de uma onda de 10 pés que ia se fechando em Backyards, Oahu. Jeff foi jogado de cabeça no recife de coral. Conseguiu chegar à praia, onde o amigo e famoso fabricante de pranchas de surf Tom Parrish tentou não vomitar ao ver o ferimento que abriu uma avenida irregular em sua testa. Tom respirou fundo e o levou ao hospital. Lá chegando, os médicos que costuraram os mais de 50 pontos no escalpo dilacerado não podiam acreditar que ele não havia desmaiado com o impacto. Permanecer consciente foi o que salvou a sua vida.

Atrás do balcão

A bela biografia de Jeff, Mr. Sunset, escrita por Phil Jarratt e lançada em 1997, narra com precisão e crueza como ele ganhou grana levando a Quiksilver da Austrália para os EUA – e como detonou tudo com as drogas, sendo “deletado” na companhia. Ele se recuperou anos depois, ao introduzir a marca na Europa, enfatizando mais o lado ‘snowboard’ do business. Outra vez milionário, cedeu novamente ao sussurrar da serpente: vendeu ações da empresa, que foram parar direto no seu braço, a preço de abacaxi.

Uma metáfora suave (e terrível) descreve a recaída na heroína como a tap on the shoulder, “um tapinha nas costas”. Distraiu, olhou para trás, dançou. Quando a Quiksilver na Europa estava começando a decolar, Jeff desviou dinheiro da companhia e dos amigos que haviam lhe dado outra chance para sustentar a nova escorregada. Sentiu-se culpado, mas a lógica do vício não considera ética ou amizade. Para a heroína não existe mundo lá fora.

“Eu tinha 13 anos e meu pai, um Waterman experiente, falava: ‘Vamos lá! se você estiver se afogando eu te tiro’. só que quando entrava a série [em Waimea], ele era o primeiro a ser varrido!”

Quando, em 1982, sua mulher na época, Cherie Radcliffe, o acordou no meio de uma noite para irem ao hospital – o primeiro filho do casal ia nascer – Jeff a levou, mas saiu em seguida para mais uma dose. Na volta, viu o nascimento de Ryan através da cortina difusa de loucura da heroína. Tempos depois, foi levado por amigos para um programa de reabilitação numa das melhores clínicas do mundo, em Londres. Livrou-se da droga e reconhece que o lugar ensinou muito, inclusive a dizer não.

Limpo, mas falido, Jeff foi morar em Gold Coast, na Austrália, a poucos passos do pico de Burleigh Heads, com Cherie e Ryan (um ano depois viria a filha, Lea). Para pôr comida na mesa, engoliu o orgulho e pediu emprego na surfshop do amigo Paul Nielsen. Após longos segundos de silêncio e constrangimento ao telefone, Nielsen aceitou. Certo dia, Nat Young, famoso surfista australiano que havia competido com Jeff, entrou na loja e não acreditou quando o viu atrás do balcão. Outros amigos que passavam por lá, ao verem o lendário Mr. Sunset vendendo parafina, também não sabiam o que dizer. Mas ele foi se reerguendo. Surfava quase todo dia, deu aulas de surf para crianças – e se lembra desse tempo como um dos mais felizes da sua vida.

Arquivo pessoal

com Alan Green, fundador da Quiksilver, no Tahiti, em 1978

com Alan Green, fundador da Quiksilver, no Tahiti, em 1978

Resiliência

Sentado na minha varanda, olhando ao mar, ele diz num tom mais introspectivo: “Cometi muitos erros, Sidão”. “Ei, Jeff, quem não cometeu? Isso é passado, o negócio é focar no hoje.” Ele sorri mais uma vez. Quando pergunto se ele sente ter o poder de reconstruir a sua vida no momento que quiser, a resposta é: “Eu costumava pensar isso, hoje é muito mais difícil”.

Fico imaginando se a mesma força interior que o fez remar com o pai para o outside de Waimea, ainda menino, lhe deu a luz para sair fora da pegada da heroína, substância que o Rolling Stone Keith Richards definiu como “a mais sedutora das drogas”. Jeff Hakman confirma que a coisa mais difícil com a qual teve que lidar na vida, a número um, de longe, é mesmo o vício. Nada que o tenha transformado em uma pessoa amarga ou sem humor. Perguntado sobre uma cena engraçada na sua vida, ele lembra de um episódio recente, quando dirigiu 30 minutos para ir surfar em Byron Bay, na Austrália, com o filho Ryan: saiu do carro, colocou o calção, pegou a parafina, trancou o carro... e então viu que tinha esquecido a prancha.

Também é rindo que ele conta, entre garfadas de arroz integral com feijão preto e salada de couve-flor com brócolis, que devorou com apetite de náufrago (e repetiu), como foi ter 13 anos e entrar em Waimea. “Eu estava cagando de medo”, ele diz. “Meu pai, um waterman experiente, falava: ‘Vamos lá! Se você estiver se afogando eu te tiro’, só que, quando entrava a série, ele era o primeiro a ser varrido! E eu ficava cagando de medo ainda mais, boiando sozinho.”

O périplo de outro campeão mundial, Andy Irons, na onda das drogas, teve resultado oposto. Jeff foi fundo, mas veio à tona, duas, três, dez vezes. Irons subiu precocemente para o andar de cima. Não sei até que ponto ele está consciente da própria resiliência; o fato é que está reconstruído. Hoje é consultor de marketing da Quiksilver, tem amigos por todo o mundo e uma namorada brasileira, com quem se casa em breve. O que fica da vida de montanha-russa? “Os poucos instantes em que estou totalmente no presente, apenas sendo, apreciando o momento”.

Mais do que ganhar campeonatos, fazer amigos, rodar o mundo, ter empresas de sucesso, comer arroz e feijão com histórias, experimentar de tudo um muito, regenerar-se parece ser a grande especialidade e o talento diferenciado de Jeff Hakman. Saber lidar de maneira instintiva com as profundezas abissais do mar e da alma, e com os altos cumes da experiência humana.

Jeff, uma onda de cada vez, amigo. Aloha.

*Sidney Luiz Tenucci Jr., o Sidão, foi criador da OP Ocean Pacific no Brasil. Jornalista formado pela USP, é colunista do site Waves e autor dos livros Almaquática (ed. Terra Virgem), O surfista peregrino e Poentes de amor (ed. Decor). Lança em breve Os sete chakras geográficos, pela ed. NeoAnima.

A volta do Velho Maza

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Reprodução/Facebook

Mazinho Lima, o Velho Maza

Mazinho Lima, o Velho Maza

Aos 50 anos de idade, um ícone dos primeiros acordes do mangue beat volta a trazer seu caldeirão musical para São Paulo. Mazinho Lima, o Velho Maza, que integrava a formação do pioneiríssimo Mestre Ambrósio, se apresenta na terça (14) na Choperia do SESC Pompeia, apresentando o repertório de seu primeiro álbum solo, o excelente Músicas para dançar, cantar, ouvir, lançado ainda em janeiro deste ano e disponível na integra no perfil de Maza no Soundcloud.

Gravando quase todos os instrumentos (exceto pela bateria, gravada por outro ex-Mestre Ambrosio, Éder Rocha), Mazinho compilou carinhosamente composições antigas e novas criações em um disco irretocável que traz influências tão diferentes como Fagner, Alceu Valença, Led Zeppelin e de tantas guitar bands. Mas não espere um show intimista durante a apresentação de sua banda no festival Prata da Casa, porque o violonista chega bem acompanhado para fazer barulho no palco do SESC.

"A banda está montada e de sozinho eu não vou ter nada", ri o compositor pernambucano em entrevista à Trip. "Vamos tocar como um quarteto com o Arruda no baixo, Éder 'O Rocha' (ex-Mestre Ambrósio) na bateria e o Ricardo Carneiro na guitarra. Esse show ainda vai ter a participação especial de Mestre Nico e mais algumas surpresinhas. Quem for ao show, verá."

"Sempre fui muito eclético e gosto de muita coisa diferente. Eu gosto de rock, de samba, enfim. O próprio Mestre Ambrósio já era assim. Apesar de nós, na época, trabalharmos com uma linguagem musical bem nordestina, nossa bagagem musical era totalmente diferente", continuou Maza, comentando as diferentes influências presentes em seu primeiro trabalho solo. "Os seis integrantes tinham suas próprias influências, mesmo com o foco do grupo ficando na música regional."

O tempo passa

Em 1992, quando o Mestre Ambrosio foi fundado por Siba e companhia, a visão de mundo percebida por Mazinho era quase que diametralmente oposta à que tem hoje. O próprio Maza comentou as mudanças pelas quais ele e o país passaram nesses últimos 30 anos, usando como exemplo o que aconteceu com a economia brasileira após o plano real.

"Vão se passando os anos e você vai vendo coisas e coisas. Eu não imaginava nunca que o Brasil chegaria nessa situação econômica em que nos encontramos hoje, por exemplo. Não dava pra imaginar um Brasil sem inflação há 30 anos", reflete o compositor, que passou recentemente da faixa dos cinco-ponto-zero. "Meio século faz com que a gente perceba e constate cada vez mais mudanças. E isso é mostrado diretamente na minha música. Escrever agora é muito mais fácil do que antes. Com cinquenta anos você consegue perceber muito melhor e mais exatamente o que você quer dizer. Antigamente eu tinha mais gás, mas hoje é bem mais fácil fazer música mais objetivamente."

Mesmo com o implacável avanço do relógio, os fãs do som do Mestre Ambrósio tem muito o que se identificar com a sonoridade da carreira solo de Mazinho Lima. "Nos shows não haverá nada de Mestre Ambrósio. Musicalmente, claro, há referências que vão tocar os fãs da banda. Mas não diretamente. A maior parte delas são referências para Ambrosio também. Mas aquela pegada forte do maracatu, não. Prefiro guardá-las para quando os outros cinco estiverem comigo [gargalhadas]."

Ouça o disco de estreia da carreira solo de Velho Maza na íntegra abaixo.

Vai lá: Velho Maza no Prata da Casa
Quando: 14/05, terça, Às 21h
Onde: SESC Pompeia - Rua Clélia, 93 - Pompeia, São Paulo
Quanto: Grátis
Ingressos: Pela rede IngressoSESC
Informações: (11) 3871-7700

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