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Ernesto Paglia

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@alepotas

Ernesto Paglia

Ernesto Paglia


Ernesto Paglia é um dos principais repórteres da televisão brasileira e está prestes a completar 35 anos de serviços prestados ao jornalismo. Paulistano, meio italiano meio argentino, ele se formou jornalista pela ECA, a Escola de Comunicação e Artes da USP e, depois de uma breve passagem pela rádio Jovem Pan, em 1979 foi contratado pela Rede Globo. Na emissora produziu centenas de matérias para os mais diversos programas, entre eles e com mais destaque para o Fantástico, o Jornal Nacional e o Globo Repórter. Entre as características mais marcantes do nosso convidado está a diversidade do campo de atuação. Pela área de esportes, por exemplo, cobriu sete Copas do Mundo e três Olimpíadas. Na editoria política, foi correspondente da Globo em Londres por cinco anos, cobriu o conflito Irã-Iraque, a invasão americana ao Afeganistão e entrevistou personalidades como Margaret Thatcher, Michael Gorbachev e Fidel Castro. Ele ainda foi um dos responsáveis pela reformulação, em 1983, do Globo Repórter, e, mais recentemente, apresentou a excelente série de documentários Globo Mar.

Playlist da semana:

Death Cab For Cutie - No Sunlight
Dusty Springfield - Son of a Preacher Man
Mutantes - Shes My Shoo Shoo
Finley Quaey - Dice
The B52´s - Private Idaho


Reynaldo Gianecchini

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Christian Gaul

Reynaldo Gianecchini

Reynaldo Gianecchini

Numa tarde fria de sábado, num dos dias de garoa que marcaram a chegada da primavera a São Paulo, Reynaldo Gianecchini analisa as fotos que o fotógrafo acabou de fazer dele para esta entrevista. Ele veste T-shirt, jeans e tênis – conjunto que diz ser uma espécie de uniforme, pautado pelo desejo de conforto: “Só mudam as cores, às vezes pego uma camiseta com uma imagem mais chamativa, um acessório mais colorido”.

Eu não o via pessoalmente há muitos anos. A última vez fora muito antes de sua descida ao inferno, levado por um câncer fortíssimo, um linfoma que ele enfrentou diante dos olhos do mundo. Despertou tanta compaixão no país que, mal saiu da recuperação, levantou-se direto para a posição da imagem publicitária mais poderosa do Brasil, numa apertada disputa com Luciano Huck.

Logo ao chegar, chama a atenção o cabelo grisalho. Ele conta que os fios brancos vieram com mais força após a quimioterapia. Mas ele já os tinha, apesar de escondê-los, desde os 25 anos. “Puxei do meu pai, que tinha uma grande mecha branca, linda”, conta. Parou de tingir no início deste ano, a pedido da atriz Giovana Antonelli, que preferia vê-lo assim no papel de seu par romântico no longa-metragem SOS – Mulheres ao mar, ainda sem previsão de lançamento.

As filmagens do longa acabaram em julho, e Reynaldo achou que a “grisalhice” também deveria fazer parte da construção do personagem Paulo, protagonista de A toca do coelho, peça em cartaz em São Paulo até o final deste ano, na qual ele contracena com Maria Fernanda Cândido. O texto do norte-americano David Lindsay-Abaire, vencedor de um Pulitzer, conta a história de um casal que tenta superar uma perda terrível, cada um de um lado, cada um a seu modo. “Paulo é um homem que traz as marcas do tempo”, conta o ator, que diz se divertir com o envelhecimento, ao contrário do resto do mundo.

 

"Essa parte [do câncer] de ficar sem cabelo foi muito fácil"

 

A nova cor de cabelo harmoniza com um momento interior mais maduro, que se manifesta, por exemplo, no sexo. “Com a idade, ele fica muito mais interessante. É quando você se conhece, quando já deixou de lado toda a ansiedade própria dos 20 e tantos anos, que te impede de curtir o presente, o aqui, o agora”, diz. No amor, porém, desde que separou de Marília Gabriela, vive uma longa fase de relações fortuitas. É o que sua agenda frenética permite, já que trabalha de domingo a domingo há mais de um ano. Previsão de férias? Setembro do ano que vem, com sorte.

Apesar de muito trabalho, diz que está zen. Depois de épocas mais “jacas”, busca trilhar o caminho do meio. Nos próximos dias começa a gravação de uma nova novela global. Somando aos comerciais que faz, Gianecchini estará mais nas televisões brasileiras do que o plim-plim da Rede Globo. Pergunto se ele pensa em parar: “O limite é o momento em que eu me cansar. Já aconteceu, quando parei por um ano e fui estudar em Los Angeles. Se acontecer de novo, paro e tiro um sabático”.

Enquanto esse dia não chega, ele segue a rotina, buscando controlar bem sua imagem. É por isso que faz questão de visualizar no computador as fotos feitas por Christian Gaul. No lusco-fusco do estúdio, ele parece um narciso admirando a própria beleza. Mas, diferentemente do herói da mitologia greco-romana, ele se dá por satisfeito. “Do caralho, gente. Adorei.”  

Me surpreendi com o seu cabelo grisalho quando cheguei. É uma coisa genética. Meu pai também tinha, desde novo. Comecei a fazer publicidade, depois novela e sempre fazia muito garotão, né? Nunca fiz papel de pai. Estreei na televisão com 28 anos, mas parecia que eu tinha 20. Demorei muito tempo para assumir esse cabelo branco. Deixei agora pra um personagem. Na capa do meu livro, ele já estava meio branco. Eu tinha acabado de sair do meu tratamento e a gente queria uma imagem crua minha, que não fosse de vaidade. O livro é isto, um close meu, com a cara que eu acordei e com aquele cabelo sem pintar. Todo mundo adorou. E eu tô adorando agora também. Fora que eu estou impressionado com a manifestação das mulheres, não tinha noção que elas gostavam tanto. Dou três passos na rua e sempre vem uma falar: “Deixa assim, pelo amor de Deus! Está a coisa mais linda”. Acho que passa uma coisa de segurança pra mulher, né?

Como foi se ver sem pelos e sem cabelo durante o tratamento contra o câncer? Resolvi encarar muito de frente a doença, com tudo o que ela tinha. Quis olhar e falar: “OK, sei exatamente o que eu tenho, vou lidar com isso e não vou tentar maquiar”. Encarei o desafio de deixar as preocupações do dia a dia de lado e focar numa outra coisa. Ou seja, a vaidade não era importante. De repente, eu não tinha que fazer mais nada. Só cuidar de mim. E foi muito legal. Na verdade, essa parte de ficar sem cabelo foi muito fácil. Foi legal até. Lembro que me olhei no espelho e falei: “Caramba! Ficou condizente com a minha condição, pareço um guerreiro mesmo”.

Você raspou antes de eles caírem então? Não queria esperar tudo cair. Acho meio deprimente. Eu tenho uma coisa que, com esse processo, ficou muito evidente para mim: encaro a vida como ela é. Descobri há um tempo que se a gente faz planos às vezes se frustra. Então foi isso: “Vamos viver o que tem para viver, minha realidade é essa”. Foi muito natural, eu comecei a gostar até. Também acho bacana essa coisa de brincar com as mil caras que a gente tem. Por isso que eu acho a idade muito legal. Tudo vai mudando. E não é questão de rugas, não. É questão de maturidade.

Os papéis de garotão estão passando? É natural, né? Óbvio que eu não posso mais fazer um adolescente. No teatro até dá. Ele é mais metafórico. Mas tem uns papéis muito bonitos nessa idade dos 40 aos 50 anos. É uma idade muito bonita para o homem. Ele ainda mostra um vigor, ainda é jovem, mas já tem uma maturidade. Tem um conforto de estar na própria pele.

Você se sente numa fase de maior vigor, maior desejo sexual, aos 40? Não sei te dizer se maior. Mas com mais qualidade com certeza. O sexo com a idade é muito mais interessante. É quando você se conhece, quando já deixou de lado toda a ansiedade própria dos 20 e tantos anos, que te impede de curtir o presente, o aqui, o agora. Sexo é muito isso, você estar presente ali. Tirar da cabeça todos os pensamentos, as ansiedades. Viver aquilo respeitando o que o seu corpo quer. Há uma diferença gritante entre transar com a menininha de 20 anos e transar com a mulher de 40.

 

"Há uma diferença gritante entre transar com a menininha de 20 anos e transar com a mulher de 40"

 

A qualidade (do sexo com as mais velhas) é melhor? Muito melhor! Principalmente quando a mulher se conhece, o que é difícil pra elas, acho. Pro homem é mais fácil. A própria estrutura da gente, a mecânica toda. A gente se excita mais fácil, goza mais fácil.

Você é hoje uma das figuras mais presentes na televisão. Acha que há um limite para tanta exposição? Eu quero sempre passar uma coisa legal para as pessoas. Não gosto de estar associado com coisas que não me interessam. Fazer publicidade é uma fonte muito legal de grana, mas eu poderia estar fazendo muito mais do que estou. Não quero ganhar todo o dinheiro do mundo. Eu gosto e faço questão de estar associado a empresas que eu considero importantes, que têm uma proposta legal. E eu também tenho preocupação com essa superexposição que a gente tem. Não gosto, por exemplo, de ficar emendando um trabalho no outro na televisão. Sempre procuro intercalar televisão com teatro, com cinema, pra dar um tempo. Acho que vai chegar uma hora que eu vou querer dar um tempão enorme, tirar um ano sabático.

Isso seria quando? Você visualiza esse momento já? Visualizo. Não está tão longe. Quando voltei do meu tratamento, estava com muita vontade de trabalhar, comecei a receber muitas propostas que me interessaram e fui aceitando. Estou trabalhando direto, de domingo a domingo, há um ano. Férias, só em setembro do ano que vem. Tem sido muito legal, mas eu tenho muito evidente isto: vou precisar parar uma hora, fazer nada.

Você diz que escolhe bem as campanhas que faz. Mas e a que você fez para o Pintos Shopping, que acabou virando piada nacional na época? Por incrível que pareça, nunca imaginei que aquilo pudesse dar uma piada. Era uma publicidade para um empreendimento de um império familiar do Piauí, uma rede de shoppings. Fui pesquisar, vi que era uma coisa muito séria, um empreendimento familiar com anos de credibilidade. E eu nunca associei pintos com pênis. Até mesmo porque em Birigui cresci indo na Casa Pintão. Casa Pintão era uma casa em que eu comprava material de escola, essas coisas. Nunca associei com uma piroca enorme. Mas, quando começou a piada, fui o primeiro a rir. Porque realmente o slogan dava uma coisa de duplo sentido que jamais eles pensaram. Mas eu acho que tem uma hora que passou um pouco do ponto, foi pra um outro nível de achincalhação. As pessoas começam a querer exercitar toda sua raiva, sua inveja.

Como você se defendeu? A melhor forma de reagir é fazer como sempre faço: não dar margem para a coisa se propagar. Ou seja, não gosto de ficar falando, me justificando. Sou muito alvo de fofocas, de histórias que não vivi. Fico quietinho vendo aquilo andar sozinho. Seria horrível eu ter que ficar rebatendo tudo que falam a meu respeito. A melhor forma de me defender é não falar nada. Porque quando é uma mentira, uma coisa inconsistente, sai assim [estala os dedos].

Evidentemente entra muito dinheiro das publicidades que você faz. Você cuida de tudo sozinho? Alguém faz isso pra mim, mas eu cuido. Gosto de ter o controle de tudo que faço, não gosto de ficar alienado. Tenho agora uma instituição, que estou fazendo no interior, que talvez seja o projeto mais bonito da minha vida. A única coisa que me faz hoje em dia sonhar a longo prazo é essa instituição, que é para cuidar de crianças, adolescentes e idosos no interior. Então essa questão do dinheiro, da publicidade, de estar associado a empresas, tem muito o foco nisso, sabe? Quero me doar.

Como se chama a instituição? É o nome do meu pai: Centro de Apoio Professor Reynaldo Gianecchini, em Birigui, interior de São Paulo. Está super na fase inicial, mas já foi aprovada por lei, já estou captando pra poder construir.

Tem a ver com o câncer? Não. Tem a ver com educação, com cultura, com apoio psicológico. Suprir as carências das pessoas no interior de informação, de cuidados, de carinho. Tem a ver com isso.

Christian Gaul

Reynaldo Gianecchini

Reynaldo Gianecchini

É verdade que você já deu um fora na Carla Bruni? Não é que eu não quis. Na verdade, não desenvolvi. Se fosse hoje, que eu sou muito mais esperto, teria jogado com aquilo [risos]. Mas é que naquela época eu morava no exterior e era uma fase da minha vida que eu estava muito zen. Só meditava, não saía de casa, não ia a festas. Achava todo aquele ambiente que eu trabalhava chato demais. Trabalhava e voltava pra casa. Queria ler meu livro. Era uma fase muito radical da minha vida, e eu tive várias fases radicais. Essa foi para um polo. Depois teve outra pro outro polo, da bagunça total. Tudo isso para descobrir o equilíbrio. Se ela tivesse aparecido um pouco depois, talvez eu tivesse desenvolvido. Ela realmente é uma das mulheres mais lindas que já vi.

Então se a Carla Bruni de repente aparecesse aqui você reagiria diferente? Ah, com certeza. E essa é a beleza da vida! Ela te dá oportunidades de rever as coisas. Dá umas voltas muito loucas.

Quando termina o trabalho você sai pra se divertir, se expõe ao mundo real das ruas? Eu gosto muito de gente, mas deixo claro que o meu espaço existe e precisa ser preservado. A minha intimidade eu abro pra quem eu quero. Jamais poderia ficar num castelo, ser Michael Jackson, sabe? Não ia ser feliz. Moro no Rio e em São Paulo, que são duas cidades que me permitem ir ao supermercado. Eu gosto do assédio, tenho o maior prazer em falar com as pessoas, principalmente depois do meu tratamento. Mas eu não gosto quando vira invasivo, da pessoa querer te tocar, te puxar, querer um espaço que você não pode dar.

E isso não acontece no Rio e em São Paulo? Acontece às vezes, mas fora do eixo Rio-São Paulo acontece mais. Sempre procuro me posicionar de uma forma muito educada. Teve um episódio agora que a imprensa deturpou muito. Estava no Rock in Rio e tirei muitas, muitas fotos mesmo. Embora aquele fosse um tempo pra eu me divertir, eu fico meio constrangido de falar não. Mas teve um momento que ficou insuportável. Mesmo se eu ficasse a madrugada inteira tirando fotos, não ia atender todo mundo. Teve uma hora que eu tive que falar: “Moça, desculpa, não vai dar pra fazer a foto com você porque é muita gente”. Saiu na imprensa que eu não quis fazer foto. Não falaram das outras 500 que eu fiz.

Você malha todos os dias? Umas quatro vezes por semana.

Qual é o seu exercício? Pela praticidade, acabou virando entrar numa academia, porque é o único lugar que você não precisa se programar muito. Mas eu sempre fui do esporte, gostava de jogar basquete, vôlei. O único esporte que eu faço hoje é natação, tirando a malhação.

Pessoalmente você é bem forte, malhado. É, mas eu não sou radical, não. Não sou super-rato de academia, que precisa estar sempre trincado, com o abdômen definidíssimo. É muito mais uma questão de tônus, sinto necessidade de sentir que meu corpo está pronto para o trabalho, sabe? É muito mais do que uma questão estética, embora eu odeie quando estou me sentindo gordinho, quando meu abdômen, que é nosso centro de força, está frouxo. Odeio!

O ciclista Lance Armstrong conta que chegou um momento no tratamento do câncer em que ele falou: “Se tiver mais uma quimio, eu não faço”, porque ele tinha muita indisposição. Como foi com você? Olha, meu tratamento foi muito intenso, muito agressivo, porque minha doença foi muito agressiva e muito intensa. Tem alguns cânceres que não são tão agressivos, por isso demoram anos para serem tratados. O meu era tudo ou nada. Chegou com tudo e tinha que ir embora com tudo. Tomei um veneno brabo, foi barra- pesada! Mas eu me dei... Acho que é uma questão de cabeça. Dentro de mim eu falava: “Quero ver se vai me derrubar essa porra dessa quimio, essa porra dessa doença!”. Tinha dia que era foda. Mas no outro dia eu estava melhor. Fiz uma dieta ayurvédica, super recomendo, que fala que o alimento é o remédio, e que me ajudou muito.

Você mantém essa dieta? Algumas coisas sim, mas eu estava bem radical naquela época. Alimentação é uma coisa de que eu cuido muito.

Você tem alguma religião? Não. Fui criado no catolicismo. Mas a minha religião é o meu contato com o superior, com a força do Universo. Eu acho a religião às vezes muito perigosa. São tantos tabus... Cheguei a uma conclusão: é só o amor que faz você se entender e se conectar. Então eu sinto que é muito mais forte um gesto de amor, ter o amor no coração, do que palavras, orações. Muita gente fica presa na ideia de “não faça isso, faça aquilo” da religião e esquece de dar carinho pras pessoas. Tem gente que chega pra mim e fala: “Você não conhece Jesus!”. Principalmente os evangélicos. Eu falo: “Por que você acha que tem mais acesso que eu? Por que você é bitolado?”.

 

"Sou muito alvo de fofocas, de histórias que não vivi. Fico quietinho vendo aquilo andar sozinho"

 

Recentemente, manifestações varreram o país. Você acompanha essa discussão política? Quando elas começaram, eu estava filmando na Europa. A minha geração não viu isso. E foi muito louco de ver. Dá uma certa apreensão porque você não sabe direito aonde vai dar tudo aquilo, né? A gente foi acompanhando tudo, com vontade de chegar no Brasil e ver o que a gente podia fazer. A gente conseguiu mostrar que tem uma galera muito atenta hoje em dia. Não dá pra ficar fazendo qualquer merda, não dá mais pra ficar esse circo todo. A galera está indignada, e eu acho isso muito positivo. Vamos ver no que vai dar, porque essas manifestações começaram a ficar meio desagradáveis quando se misturaram à violência. Virou bagunça.

Você se formou em direito. Já era ator quando fez o curso? Na verdade, essa coisa de ator eu tenho desde criança. Era uma criança que vivia no palco, fazia da minha vida um palco. Essas manifestações são muito fortes, você tem que prestar atenção. E eu não prestei. Sou de Birigui, né? Lá você não acha que um dia pode trabalhar na televisão, no cinema. É muito distante essa realidade. Mas lá na frente eu vi que era minha vocação mesmo. A faculdade me fez entender que eu era uma pessoa que não queria lidar o tempo todo com a razão.

Você nunca achou que seria advogado? No segundo ano da faculdade eu já sabia que não, mas sou muito caxias e quis completar o curso.

Você já brigou de porrada? Já! É uma historia clássica da minha cidade. Eu era muito certinho, sempre fui. Até me incomodava com isso. Era muito educado, muito responsável. Me achava superdesinteressante. As garotas da escola gostavam do bad boy, do playboyzinho que tinha uma motinho. E tinha um menino que era o bad boy total. Eu tinha muito medo dele, porque ele era “o” cara da cidade. Ele estudava na minha classe e eu lembro que ele falava e todo mundo abaixava a cabeça. Um dia ele chegou apontando o dedo pra mim e eu falei: “Não! Comigo você não vai folgar!”. Ele falou: “Ah, então me espera na saída!”. Foi marcado o duelo. E foi uma violência, porque eu fui pra cima do menino e quebrei a cara dele. Todo mundo da cidade veio me cumprimentar como uma forma de libertação. Eu que sou da paz precisei dessa violência pra me posicionar.

Um ex-funcionário seu foi à mídia dizendo que vocês tinham tido uma relação amorosa e que você o teria presenteado com um apartamento. Você o processou. No que deu isso? Ainda está em juízo. É uma história que não tem nada a ver com caso de amor, é uma história megaprofissional. Contratei essa pessoa pra trabalhar pra mim, e eu estou cobrando na Justiça o que eu acho que está errado. Tenho tudo isso documentado, e eu estou querendo que seja provado. Que ele me traga a prestação de contas. É uma coisa que virou, com a imprensa muito leviana, um caso de amor, até porque houve essa ameaça de uma certa forma. Ele não tinha argumento e houve uma sugestão de que ele poderia me ameaçar por aí, pela minha imagem. Eu realmente não posso falar mais sobre o caso. A imprensa não falou com ele, né? Então vão lá, falem com ele.

 

"Com quem eu durmo não faz a menor diferença pra ninguém!"

 

Há uma tendência na mídia e na opinião popular de insinuar que astros jovens, talentosos e bonitos são gays. Isso acontece com você. Incomoda? Não. Porque tomo essa posição de não deixar afetar minha vida. O que importa é a sua verdade. Acho também que esse tema da sexualidade é tratado muito levianamente. Eu realmente evito falar sobre isso, porque qualquer coisa que a gente fale é usada contra a gente. Me recuso a ter que ficar explicando o que se passa na minha vida, em todos os sentidos. Com quem eu durmo? Com quem eu durmo não faz a menor diferença pra ninguém! Sempre fui uma pessoa megadiscreta com a minha mulher. Não sou de ficar beijando em público. É uma opção minha. Hoje tem muitas histórias de pessoas vivendo outras realidades. Eu respeito pra caramba todo mundo. Quer viver a três? Eu agora vou fazer uma novela do Manoel Carlos em que viverei um triângulo amoroso. Sou casado com a Giovanna [Antonelli] , e ela se apaixona por uma mulher. Vai ser um reflexo do que está acontecendo por aí, a possibilidade de você viver a três, abrir o seu casamento. Se você está vivendo a sua vida de um jeito que você achou que vai funcionar, acho maravilhoso. Eu sou um cara que gosta de olhar tudo e escolher o que quer. As pessoas confundem muito isso. Se você é um cara sem preconceitos quer dizer que você faz tudo? Não. Não ter preconceito significa você poder escolher o que você quer, sem julgamento das pessoas com opção diferente da sua. Sou a favor dessa liberdade. Acho muito pequenas essas discussões. Outro dia o Sheik [jogador do Corinthians] deu um selinho no Isaac [Azar, chef de cozinha e empresário], um cara meu amigo, pai de família. A Hebe Camargo fez isso a vida inteira. Aí virou uma discussão se ele era gay ou não, foi a torcida lá com faixas brigar. O que tem a ver o trabalho dele em campo com quem ele leva pra cama? É uma invasão. É um país que finge ser livre, mas que acho muito pouco livre.

Quanto você cuida da sua imagem? Muito! Mas cuidar da minha imagem não é querer aparentar alguma coisa que eu não sou só pra poder ganhar dinheiro, por exemplo. Mostrar a imagem é mostrar quem você é. Não posso pegar e sair bêbado por aí, até em respeito às vovozinhas que me acham um cara legal, sabe? Eu não sou só um bom moço, embora eu queira ser muito legal. Eu quero que todo dia minhas relações sejam melhores, que eu possa melhorar como ser humano. Mas óbvio que também dou minhas derrapadas.

Você bebe? Socialmente. Não vou sair por aí bêbado, aloprando, beijando. Tem coisas que você faz dentro da sua intimidade. E acho que faz parte você dar uma piradinha, mas tem que ter um limite na exposição.

Como é a sua relação com as outras drogas? Na minha adolescência tinha muito medo de me aproximar das drogas. Como tenho essa coisa dos excessos, sou um cara muito intenso, falei: “Cara, tenho muito medo de gostar e de entrar num caminho sem volta”. Então a droga sempre me deu rejeição. Até meus 20 e poucos anos eu nunca tinha experimentado nada. Não que eu beba pra caramba, mas eu gosto de beber, é a minha droga. Gosto de tomar uma taça de vinho, um uísque, uma vodca, pra tirar um pouco o sargentão que a gente é. Mas eu também não caio no chão, não sou de perder a memória. Tenho uma resistência física muito grande.

Mas já teve seus porres... Claro. Mas eu tenho uma resistência tão grande que sempre fui aquele que leva os bêbados pra casa, mesmo tendo bebido mais do que todo mundo, desde adolescente. Lá pelos 20 e tantos anos fui experimentar maconha, que é uma coisa pela qual eu acho que fazem muito barulho por nada. Pra mim não fez grandes coisas. Hoje em dia eu tenho o maior prazer em dizer que realmente não é a minha onda. Acho muito baixo-astral, sem ser careta. Não sou careta com nada na vida.

Tem planos de casar novamente? Fui muito bem casado. Meu casamento foi uma coisa linda. Eu gosto muito de estar casado. Mas confesso que, putz, tenho falta de coragem de encarar um casamento hoje em dia. Acho muito bonito casar, ter filhos, mas acho que você tem que saber onde você está entrando. Estar solteiro, disponível pra vida, é muito legal também. “Você não quer ter um filho?” Quero! Mas tem que aparecer a pessoa especial, não faria uma produção independente.

Tem alguma coisa que poucas pessoas sabem sobre você? Eu odeio fazer foto, desde criança nunca gostei. Minha mãe não tem foto minha porque eu não deixava tirar. Agora estou começando a brincar com esse negócio do Instagram. Posto fotos de trabalhos meu, tipo “olha que imagem bacana”, mas nunca é foto de mim. Se for, tem a ver com o contexto que eu quero mostrar, uma situação engraçada. O ator é tímido quando ele tira a máscara, ele não quer se expor.

Pedro Baby

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Pedro Baby pouco recorda da primeira vez que foi aos Estados Unidos. “Só me lembro do rebuliço todo em volta”, diz ele sobre quando, junto de suas irmãs e seus pais, Pepeu Gomes e Baby do Brasil, foram barrados na Disneylândia pelos patriarcas serem tão ou mais chamativos que as atrações do parque. O episódio até virou música.

Sua segunda incursão em solo norte-americano, ao contrário, foi bem sucedida - embora o começo difícil. Com dois mil dólares no bolso e nada de inglês na boca, o rapaz, então com 16 anos, se debandou de casa como fizera sua mãe décadas antes. “Ou eu metia a cara nos estudos e dava uma parada com música ou eu partia pro mundo.”

Em 1996 ele trocou as praias cariocas pelo Queens com o violão a tiracolo. Em pouco tempo já tocava na noite, juntando novas referências a conhecimento que trouxera na mala e no sangue. “[Meu pai] queria muito que eu manifestasse a vontade de ser músico por conta própria, mas os grandes ensinamentos vieram da convivência [com ele]”, lembra.

Entre idas e vindas na conexão EUA-Brasil, Pedro foi colecionando trabalhos enquanto evoluía musicalmente. A lista já tinha Bebel Gilberto, Marisa Monte e Ana Carolina quando veio o convite fatal de Gal Costa: “Eu não esperava ficar na lista de músicos chamados e foi uma alegria muito grande. Me senti muito honrado”.

Para fechar a mão de grandes cantoras só faltava ao bom filho tornar a casa. Aos 34 anos convidou a mãe a retornar aos palcos da música popular brasileira - que só aceitou após uma conversa divina e uma ajudinha terrena. “Você acha que Deus não quer que uma mãe toque com seu filho?”, brinca Baby do Brasil durante um dos elogiados shows da turnê Baby Sucessos.

No palco, Pedro se reúne a amigos de longa data para tocar um repertório com poucas mudanças de arranjos e canções escolhidas a dedo por ele. Empunhando a guitarra e interpretando clássicos como “Masculino e Feminino”, o rapaz inevitavelmente faz lembrar seu pai, mas sua assinatura também soa nas cordas.

Por isso mesmo um disco com seu nome escrito em letras garrafais não deve tardar, diz ele, mas sem deixar de lado as parcerias. “Independente de lançar um trabalho, de ter uma história minha, não quero deixar de colaborar com artistas que admiro e com músicos que me identifico”, avisa esse outro menino do Rio.

Como você começou a tocar?
Pedro Baby: A música sempre esteve presente em casa, mas eu comecei a tocar a partir dos 14 anos. Eu tinha violão em casa e um dia eu estava tentando arranhar um acordes de “Preta Pretinha”, meu pai meu viu tocar e me mostrou uns dois ou três acordes da música. Isso é uma lembrança clara que tenho. Foi através do violão, naquele momento, que comecei a tocar. Depois fui evoluindo. Na época, meu padastro, o Nando Chagas, formado na Berkeley, foi uma pessoa que me auxiliou muito. Me deu muito material para tocar. Com um tempo eu comecei a dar canja no show da minha mãe, mas só um bom tempo depois que eu comecei a participar das coisas com meu pai. Mas isso durou até os 17 anos, quando eu decidir ir embora para os Estados Unidos.

E como era a relação com seu pai? O que eu pude ver de show, ensaio, de formar de lidar com música, o apego ao instrumento, tudo isso é tão importante quanto ter um professor falando. Ele queria muito que eu manifestasse a vontade de ser músico por conta própria, mas os grandes ensinamentos vieram da convivência. Tanto que quando eu comecei a demonstrar que aquilo era meu caminho, naturalmente surgiram mais oportunidades de aprender com ele. Mas sempre foi algo mais comigo mesmo. Me dou bem com ele. Tocamos juntos no passado.

E qual a sua relação com sua família? Minha mãe criou a gente com muita liberdade. Cada um tem uma personalidade bem definida. Meus irmãos, como vieram de outra geração, não pegaram essa coisa de estrada, show, ensaio. São de uma geração de festa, rave, boate. Isso é uma cultura mais forte para ele. Os dois são produtores de música eletrônica, mas não se transformaram em músicos propriamente dito. Minhas irmãs tinham o SNZ, mas agora cada um segue seu caminho. Cada um correndo atrás do seu espaço, da sua onda musical. Não é fácil vir de uma família musical de onde vem uma certa responsabilidade para apresentar um trabalho de qualidade, uma carreira firme. Às vezes é mais difícil. Pode abrir portas, mas pode te prender. Então cada um tem buscado uma evolução, um caminho para seguir. A gente é junto, mas cada um com seu caminho.

 

"Não é fácil vir de uma família musical de onde vem uma certa responsabilidade para apresentar um trabalho de qualidade, uma carreira firme. Às vezes é mais difícil. Pode abrir portas, mas pode te prender"

 

E qual era o cotidiano na sua casa quando você era garoto? Meu pai sempre gostou de ter estúdio em casa, então me lembro muito de banda tocando, ambiente musical. Aquela alegria em casa. A extensão do que foi os Novos Baianos. Quando acabou a banda, a maior parte dos músicos seguiu na carreira solo do meu pai e da minha mãe, então já tinha um afinidade muito grande entre eles de convivência e aquilo se estendia na estrada. O que mais me fascinou foi esse convívio. Quase como se você estivesse com seus amigos da escola e tivesse aquela excursão! Eu sentia muito isso. A alegria, a bagunça que tinha na escola tinha no final de semana com aquela turma. Minha sempre procurou levar a gente, sempre que ela pode -- acho que ela levou até demais! Mas a gente queria muito. Eu também, por ser o homem mais velho, me fazia presente, buscava ser útil para participar de uma forma bacana. Era essa convivência até o período em que eles viviam juntos. Mudou um pouco quando eles se separaram e houve núcleos diferentes de convivência. Eu tinha entre 8 e 10 anos quando isso aconteceu.

E como foi depois da separação? Os filhos todos continuaram com minha mãe, meu pai foi buscar outra casa, mas a gente continuou convivendo. Aí aconteceu outro núcleo: no trabalho da minha mãe tinha outros músicos, outra turma viajando, e no trabalho do meu pai era outra turma, outra banda. Naturalmente, uma criança sente um pouco a distância, a quebra daquele ambiente de convivência, mas minha mãe soube lidar muito bem. Ela conseguiu manter o elo. Foi uma adaptação que é normal na vida de muita gente. Apesar de eles terem uma imagem muito forte juntos, mais do que muitos casais.

E por que depois de um tempo você resolveu ir aos Estados Unidos? Foi uma questão de oportunidade também. Aconteceu. Eu tinha 16 anos e comecei a sentir dificuldade de conciliar essa vida de estrada, estudos… Não estava rendendo bem: queria viajar, fazer show, queria me concentrar naquilo. Muito por causa do meu padrasto, um cara que teve a oportunidade de estudar em Boston, eu sempre ouvia as histórias. Como era a experiência de estudar fora. E eu também tinha um sonho de conhecer Nova Iorque desde pequeno. A meca da música, das coisas eletrônicas, das guitarras e tudo o mais. Sempre tive uma vontade muito grande de conhecer e até aquele momento eu não tinha ido para lá. Surgiu uma oportunidade através de um amigo. Ele me emprestou uma grana, já tinha morado lá e resolveu me levar. Eu não sabia uma palavra em inglês. Ou eu metia a cara nos estudos no Rio e dava uma parada com música ou eu partia pro mundo. Correr atrás de um negócio meu e realmente responder sobre meus atos. Acabei optando por isso. Graças a Deus eu tive sorte e hoje estou aí pagando minhas contas direitinho!

Sua história é bem emblemática para artistas brasileiros. Ela lembra a do Tim Maia, que também foi para os Estados Unidos bem jovem. Como foi sua chegada lá? Eu fiquei impressionado com as condições que ele foi na época. É um negócio absurdo. As minhas condições foram um pouco melhores! Mas também foi quase “uga-uga”. Eu não falava uma palavra de inglês, tinha dois mil dólares e passagem de volta marcada para dois meses depois. A minha sorte é que eu tinha uma irmã morando lá, então ela me recebeu e dormi dois dias na casa dela. Mas como eu estava com um amigo e os apartamentos lá são pequenos, a gente tinha que arranjar um lugar. A gente teve que correr muito atrás e muito rápido. Em dois dias a gente alugou um apartamento no Queens, fora da ilha, e aí começou a vida. Aí você faz tudo até começar a trabalhar com música. Eu dei sorte que dentro de um mês estava fazendo conexões musicais e consegui entrar em um trabalho bacana. Foi a base da minha estrutura nos Estados Unidos nos primeiros 5 anos.

Fernando Young/Divulgação

Pedro e Baby

Pedro e Baby

Isso foi com a guitarra? Foi com o violão. Eu virei guitarrista anos depois. Quando eu fui para o aeroporto eu tinha essa dúvida de qual instrumento levar: eu tinha um violão e uma guitarra. Nessa hora foi que eu defini o caminho para minha vida também. Pelo fato de eu ter levado o violão, muitas portas se abriram nos Estados Unidos por ter a sonoridade brasileira. Na guitarra eu ainda era muito verde. Provavelmente se eu tivesse optado pela guitarra eu não teria sobrevivido. Seria o instrumento errado. Foi uma escolha determinante. Os trabalhos que eu consegui, consegui por causa do violão. Fazia show na noite. Inclusive dois integrantes da banda em que eu toquei estão hoje no trabalho da Baby. Pessoas que conheci lá, se tornaram amigos e até hoje estão comigo. Em 99 eu tive um convite do Davi Moraes para participar de um disco produzido por ele. Voltei ao Brasil para ensaiar, fazer shows, lançamento. Quando deu uma esfriada de novo meus amigos me ligaram com outra oportunidade nos Estados Unidos. Fechei a mala e resolvi voltar. Fiquei mais uns bons três anos. Foi quando surgiu convite para trabalhar com a Bebel Gilberto. Tinha um trabalho fixo. Isso foi em 2003.

Você gravou algo com ela? Gravei. O convite para ficar na banda dela veio através do disco. Ela gravou uma composição minha em parceria com Daniel Jobim [a faixa "Everyday You’ve Been Away"]. Acabei gravando outras músicas no disco e quando vi era basicamente meio disco. Aí surgiu o convite para entrar na banda. Fiquei basicamente dois anos trabalhando com a Bebel. Aí comecei a ficar com saudade do Brasil, sentia falta da minha família, várias coisas que não eram latentes nos primeiros anos de Nova York. Voltei e fui gravar no disco Infinito Particular da Marisa Monte. No meio da gravação eu senti que ela estava montando uma banda nova que ia sair em turnê. Me ofereci para trabalhar com ela. Tinha acontecido um convite dela em 2000, mas ali, cinco anos depois, tive essa oportunidade e falei para ela que ia voltar ao Brasil. Foi quando fiz a turnê “Infinito Particular”. Conheci mais um integrante da banda da Baby nessa ocasião. Depois tive convite de trabalhar com a Ana Carolina durante dois anos e após isso surgiu o convite da Gal.

Como foi seu trabalho com a Gal Costa? Foi uma surpresa. Eu não esperava ficar na lista de músicos chamados e foi uma alegria muito grande. Me senti muito honrado. Foi uma grande responsabilidade. Pela história dela, pela conexão com minha família - meu pai tocou com ela no disco Fa-Tal. Foi um momento de afirmação como músico. O trabalho tem uma visibilidade muito grande na parte musical porque são apenas três músicos. É preciso desenvolver uma história bacana. Depende muito de como você vai executar aquilo. Foi um desafio que eu levei com muita honra. Mais ainda por acompanhar a maior cantora do Brasil.

Um dos filmes sobre os Novos Baianos se chama “Filhos de João”, em referência à influência do João Gilberto sobre o trabalho dos seus pais. Você também se considera um filho de João? João Gilberto foi uma coisa que, por mais que existisse a conexão com os Novos Baianos, eu não tinha a consciência musical de quanto aquilo foi importante para eles. Só vim a ter essa consciência musical quando eu fui morar nos Estados Unidos. Foi quando eu tive meu encontro com o João Gilberto. Depois eu liguei uma coisa a outra. Descobrir isso foi muito determinante na minha escola musical. O caminho harmônico e melódico, a síntese do samba, a influência da música brasileira que vem com ele.

Depois de todos esses projetos, nem de longe você pode ser visto como músico de apoio. Seu trabalho como compositor, em que medida ele afeta os shows que você faz hoje com a Baby? Essa parte de compor, para mim, veio primeiro. Comecei a tocar porque eu tinha melodias na minha cabeça e queria fazer música. Quando eu fui para os Estados Unidos tocar na noite foi quando eu comecei a aprender a tocar canções de outros artistas, conhecer outros universos musicais. A composição vem primeiro e é um processo que não para. Tem as safras. Tem épocas que você está muito mais propício a compor e tem outras que você está focado em realizar trabalhos, ideias que já concebeu, arranjos que já pensou e aí você vai para estrada botar aquilo em prática.

E onde está sua assinatura nesse espetáculo enquanto diretor musical e guitarrista? Primeiramente na escolha do repertório. É onde está o conceito de todo o trabalho. No que eu queria mostrar pro público. Isso é onde está minha maior assinatura. Além disso tem a escolha das pessoas que estão trabalhando comigo, pelo fato de terem uma relação pessoal comigo, é importante para o clima do que está acontecendo no palco. E na questão dos arranjos não tinha muita coisa para ser mexida. Não tem como descaracterizar algo que tem uma personalidade muito forte. Você precisa adaptar isso para a realidade dos músicos atuais. Não tinha sopro originalmente, por exemplo. O dedo está nessas questões fora do palco e na liberdade para para fazer a leitura de uma forma nova.

Tem algum momento em que você toca guitarra baiana, instrumento que seu pai usou? Não. Foi um instrumento que eu não desenvolvi por bobeira minha. Talvez por não tê-lo e não me identificar tanto com ele. Eu vim do violão, trabalhei muitos anos como violonista. Não ter tido uma guitarra baiana para estudar aqueles temas todos. Me tornei guitarrista quando trabalhei com a Ana Carolina. Ela me viu tocar a primeira vez quando eu produzi o disco da Preta Gil. A gente fez um show, a Ana me viu tocando guitarra e a visão dela era de guitarrista. Quando eu fui trabalhar com ela eu tive a oportunidade de pegar o instrumento, explorar ele no palco.

Então não foi nos Estados Unidos? Não. Lá foi muito pouco. Eu era muito verde como guitarrista lá.
Mas você traz referência de guitarrista de lá? Com certeza. Não precisava nem ir lá. Meu pai tem uma referência muito forte do Jimi Hendrix, do Santana, do Jeff Beck, Stevie Ray Vaughan. Pelo meu padrasto eu tinha uma influência do George Benson, esses caras mais do jazz.

Você pretende voltar ao violão? Não abandonei, não! No show da Gal é 60% guitarra e 40% violão. É um lugar em que posso tocar violão do jeito que eu gosto. Ela tem uma influência do João muito forte. Não só dele, mas também do Jorge Ben, o violão mais escovado, do Gilberto Gil, com “Barato Total”. O trabalho da Gal é um resumo. Tem um pouco de tudo. Tem o lado guitarrista forte, tem solo, guitarrista melodioso, violão de samba, violão suave, violão escovado. O show dela é bem completo. Acho até que por essa formação do violão eu fiquei ali na lista dela.

E você e o Davi Moraes? Vocês são grandes amigos, certo? Sim. O Davi tem uma importância muito grande. É um cara que abriu caminhos pra mim no Brasil. Pelo músico que ele é, pela escola que ele representa, ele me trouxe junto. O fato de ele ter tocado com a Marisa estabeleceu um universo musical que depois eu dei segmento. Com o Moraes que ele me deu oportunidade de trabalhar. Não só por isso, mas pelo fato de ele ser muito ligado ao meu pai e eu não ter meu pai mais em casa, ele me mostrou muita coisa. Isso eu tive com o Davi.

 

"Hoje em dia o artista acaba buscando primeiro ser uma celebridade que realmente ser um artista de música. O foco acaba sendo nisso: na fama, um caminho de popularidade que talvez vá levar a música mais longe, mas isso não perpetua"

 

No mundo como um todo você acha que a música boa está perdendo espaço? O foco é outro. É muito na imagem, comportamento, estilo de vida. Está mais por aí que propriamente a música, a canção, a mensagem. 

Quando você fala em imagem e comportamento, não tem como não pensar nos Novos Baianos. Eles trazem informação não só pela canção, mas também pela imagem e pelo comportamento. Hoje em dia é o inverso, não acha? A imagem e o comportamento nos Novos Baianos era uma coisa natural que era incrível justamente por isso. Por trás daquele comportamento vinha aquela música com força tão grande. Não adianta nada ter aquele comportamento todo e a música não falar. Provavelmente se o comportamento não fosse aquele, mas a música fosse daquele jeito, também teria uma força. Acho que o bacana é a união das duas coisas naturalmente. Hoje em dia o artista acaba buscando primeiro ser uma celebridade que realmente ser um artista de música. O foco acaba sendo nisso: na fama, um caminho de popularidade que talvez vá levar a música mais longe, mas isso não perpetua.

Parece que você está sempre acompanhado do Betão [filho do Paulinho Boca de Cantor], do Davi Moraes também... Queria entender melhor se vai rolar alguma coisa com eles, se você tem projeto solo… Tenho vontade de fazer coisas com diversas pessoas que eu gosto. Tenho a intenção de lançar meu trabalho solo, minhas canções, músicas que gosto de tocar, interpretar. Tenho vontade de fazer isso. Em disco mesmo tenho vontade de lançar minhas canções. Independente de lançar um trabalho, de ter uma história minha, não quero deixar de colaborar com artistas que admiro e com músicos que me identifico. São coisas que não quero deixar de fazer. Quero arranjar um equilíbrio bacana. A fonte de inspiração e de novas ideias é esse bate-bola com pessoas que você se identifica. Provavelmente a gente vai fazer coisas juntos. É natural. Não dá pra fugir disso. É questão de tempo. No momento o foco é esse DVD da Baby e na sequência eu quero gravar um disco do show. Eu quero fazer tudo isso até o final do ano.

Para fechar: às vezes rola uma bronca da sua mãe no palco? “Não sola tanto” ou algo assim?! Não, não! A bronca, se tiver, é minha! Eu que fico, em determinados momentos, cuidado pra gente ir num caminho. Mas ela se diverte muito, ela adora. Tem um cuidado para deixar tudo bacana. Tem uma questão de proteção muito forte. É um instinto. Tem isso de deixar tudo bacana para ela poder se divertir, curtir. No fundo ela está ali se divertindo!

O episódio da Disneylândia, em 1983

Pedro Baby em 2013

Bruno Pesca

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Kishore Kumar

 

O convidado de hoje do Trip FM não é jornalista nem correspondente internacional, mas já visitou alguns dos países e regiões que vivenciam atualmente as maiores crises políticas, econômicas e ecológicas do planeta. Ele também não é surfista profissional, mas já pegou algumas das ondas mais perfeitas e conheceu alguns dos picos mais secretos que existem na Terra.

Carioca, ele é formado em economia pela UFRJ e durante cinco anos atuou no mercado financeiro até que, em 2008, foi despedido do banco de investimento onde trabalhava. Inspirado pela máxima que diz que os momentos de crise são os melhores para se reinventar, ele juntou alguns amigos e formatou o programa de televisão exibido pelo Multishow, o Não Conta Lá em Casa, um programa de turismo que deixa de lado os destinos mais procurados e badalados para visitar regiões inóspitas como Mianmar, Coréia do Norte, Irã, Iraque, Somália, Afeganistão, Bósnia, entre outros lugares bem pouco hospitaleiros.]

Como bom economista ele viu nessas viagens uma oportunidade para surfar em picos clássicos, sábia decisão que lhe rendeu passagens pela Indonésia, África do Sul e, inclusive, um segundo programa de televisão, este exibido pelo canal Off, o A Vida que Eu Queria, onde ele desbrava ao lado do amigo Marcelo Trekinho alguns dos mais belos picos de surf do mundo.  O papo hoje aqui no Trip é com Bruno Pesca.

Playlist da semana:  

Stray Cats - Stray Cat Strut
Mutantes - Ando Meio Desligado
Ben Lee - Song for the Divine Mother of Universe
Johnny Cash - Further on up the Road
Specials - Rat Race

Da Lua em voo solo

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Adriana Vianna

Gustavo Da Lua há 10 anos é percussionista da Nação Zumbi, que desde os anos 90, quando foi criada por Chico Science, é uma das maiores bandas ainda em atividade no Brasil. Também já tocou ao lado de Otto, Los Sebosos Postizos, 3namassa e outros nomes importantes da música brasileira. Neste mês o músico lançou seu CD solo, que recebeu o nome de RADIANTESUINGABRUTOAMORum hino ao sexo feminino, com temática romântica e em defesa do amor. "Uma lição de anatomia", segundo o escritor e jornalista Xico Sá.

São 13 faixas com melodias e arranjos bem marcados que permitem ao ouvinte mergulhar na sonoridade do músico, que exprime sua identidade artística em cada uma delas. A canção "O Transeunte", produzida por Fernando Catatau (do Cidadão Instigado), ainda faz parte da trilha sonora do filme Transeunte, dirigido por Eryk Rocha. 

O show de lançamento está marcado para esta sexta-feira, dia 25 de outubro, em São Paulo. 

Ele contou para a Trip um pouco mais sobre o álbum.

Trip. Quando surgiu a vontade de criar algo que fosse exclusivamente seu?
Gustavo Da Lua Ah, já faz bastante tempo, desde quando criei o Sheik Tosado, em 1996, com o China e os meninos. Eu tocava percussão, ajudava nas composições e fazia os backing vocais. Aí entrei na Nação Zumbi e, tocando com eles, nos projetos deles, Seu Jorge & Almaz e outros, algumas oportunidades foram surgindo: fiz um tema pro filme Besouro, a Céu gravou Quilombo te espera no Sonantes, gravei uns backings no disco do Otto, do Lirinha... Enfim, a vontade foi ficando cada vez mais forte em mim. Depois o Catatau chegou com "O Transeunte", um presente dos deuses. Agora tá aí, nasceu a criança. [risos]

Como é a experiência de lançar um trabalho solo depois de dez anos acompanhando a Nação Zumbi e o que muda quando se está sozinho? Rapaz, é uma experiência nova e está sendo massa. Pra mim, que sempre toquei em banda, fazer o meu foi uma evolução pessoal, íntima. Tive que estudar, fui tocar violão, ler outras coisas, me “trancar” no estúdio bastante tempo.

Como soa, para você, falar sobre o amor hoje em dia? O amor é inspiração, não pode ficar escondido, nem ter subterfúgios, nem ser entendido, estudado. Então também não precisa de rótulos – já que todo mundo tem medo de parecer isso ou aquilo quando ama ou fala de amor. Sem essa, sem cerimônia. Eu tento falar de um jeito espontâneo, querendo dizer que é simples, não precisa fazer força.


"Meu disco fala desse amor; pelo lugar, pela origem, pela mulher, pela saudade"


O Manguebeat influencia bastante no RADIANTESUINGABRUTOAMOR? Ah, influencia muito, sem dúvida. Sou de Olinda e vi os caras botando a cultura do meu Estado no mundo, contextualizada. Meu disco fala desse amor; pelo lugar, pela origem, pela mulher, pela saudade.

A faixa O Transeunte, que é produzida pelo Catatau, é trilha sonora principal do filme de Eryk Rocha. Ela foi criada para o filme ou a ideia surgiu depois? O Catatau assina a trilha do filme; ele compôs a música e me convidou para cantar. Aí, meu irmão, quando eu ouvi, fiquei muito, muito instigado a cantar as minhas coisas. Ele me incentivou muito, foi um dos caras que me deu o pontapé inicial.

Vai lá: Gustavo Da Lua - Lançamento RADIANTESUINGABRUTOAMOR
Quando? 25 de outubro, sexta-feira, à 1h (abertura da casa às 23h)
Onde? Da LEoni (antigo Studio SP) - Rua Augusta, 591 - São Paulo
Quanto? R$30 ou R$60 (consumação)

Ouça e faça download pelo site: www.gustavodalua.com

Gilda Midani

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Gilda Midani

Gilda Midani

Ela é dona de uma história de vida invejável. Gilda Midani viajou o mundo, se relacionou com figuras ilustres da cultura brasileira, como o jornalista Tarso de Castro, o diretor de fotografia Tuca Moraes, o diretor de teatro Geral Thomas e com André Midani, seu atual marido, um dos nomes mais importantes da MPB brasileira. Fotógrafa e figurinista, ela trabalhou com nomes de peso da música nacional, como Caetano Veloso e Lenine, e fez figurinos para diversas companhias de teatro pelo mundo. Em sua mais nova fase, ela tem feito bastante sucesso como estilista, com uma criação muito original e particular. Gilda Midani é mãe da Ana e do João Vicente, ator e um dos criadores do fenômeno da internet Porta dos Fundos, e sogra da nossa querida amiga Sabrina Sato.

Essa entrevista com a Gilda foi feita pela jornalista Micheline Alves para a revista Tpm e a gente separou alguns dos trechos mais divertidos e interessantes.

Playlist da semana:

Caetano Veloso - "Beleza Pura"
Devendra Banhart - "Pensando em Ti"
Jorge Ben - "Brother"
Tha Band -- "This Wheel's on Fire"
Violent Femmes - "Blister in the Sun"

Anote na agenda:

O Trip FM vai ao ar na sexta-feira, na Grande São Paulo, às 21h, reprise toda terça-feira, 23h, pela Rádio Eldorado Brasil 3000, 107,3MHz.

Não é de São Paulo? Veja aqui as cidades e as rádios onde o programa é transmitido.

Antonio Prata

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Reprodução

Antonio Prata, escritor e roteirista

Antonio Prata, escritor e roteirista

O que passa desapercebido para a maioria das pessoas vira matéria-prima para a arte de nosso convidado de hoje, Antonio Prata. Verdadeiro mestre em dar ao cotidiano e às sutilezas da vida seu devido destaque, ele é hoje considerado um dos mais importantes e talentosos cronistas de sua geração.

Paulistano do fim da década de 70, filho dos escritores Mario Prata e Marta Góes, ele estudou Ciências Sociais na PUC-SP, curso que abandonou no último semestre. Profissionalmente, ele começou fazendo estágio, para nosso orgulho, aqui na revista Trip, e, depois de uma passagem por uma extinta revista da MTV, se mudou para a Capricho, onde escreveu durante seis anos. Entre 2003 e 2009 foi cronista da jornal O Estado de S. Paulo e já há quatro anos escreve para a Folha de São Paulo, sempre aos domingos, no caderno Cotidiano.

'A crônica às vezes é ficção do começo ao fim'

Além do trabalho em revistas e jornais, escreve roteiros, novelas e já lançou alguns livros, entre eles Meio Intelectual, Meio de Esquerda, que reúne algumas de suas crônicas, o Felizes Quase Sempre, um livro infanto-juvenil ilustrado pelo cartunista Laerte, e o Nu, de Botas, sua décima e recém-lançada obra.

Playlist da semana:

Lou Reed - "Vicious" 
Junip - "Its Alright"
Secos e Molhados - "Assim Assado"
Selah Sue - "Raggamuffin"
Alabama Shakes - "Always Alright"

Ganeshas

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Divulgação

Ganeshas

Ganeshas

Embora o nome indiano, o Ganeshas é uma banda com muitas afinidades brasileiras. Quem ouve "Longe do Rio" pode sentir uma saudade comparável a "Back in Bahia", de Gil. A letra menciona Tom Jobim, mas é a canção "Nair" que tem uma elétrica aura bossa-nova. E a música "Navegador", como sugere o nome, faz alusão a Fernando Pessoa - português que fez a cabeça de tantos escritores da terra.

Três anos após o álbum de estreia, o Ganeshas juntou essas e outras composições no seu segundo álbum. Cabeça Parabólica é uma colcha de retalhos mais ou menos costurados - até a faixa-título dialoga com a profusão de referências vista, por exemplo, na antena de Chico Science e Nação Zumbi. Não há, no entanto, experimentalismo desavergonhado.

“Somos um grupo de rock brasileiro”, diz Brenno Quadros, vocalista e guitarrista da banda. Formado no Rio de Janeiro, o Ganeshas passou por uma pré-produção em Teresópolis, no interior do estado fluminense, e depois rumou em direção a Minas Gerais para gravar o segundo disco. O lançamento online e gratuito acontece nesta terça, 5, e aproveitamos a data para conversar com o quarteto.

Trip: Por que o disco se chama Cabeça Parabólica? 
Brenno: Vivemos numa época de muito excesso de informação. Somos uma geração muito conectada, 100% do tempo. Isso acaba quase que gerando uma alienação. É um paradoxo. A gente achou que esse nome tinha a ver com o disco. Tem a ver também gravar em Minas, voltar às coisas simples.

Como foi a gravação do álbum? Esse foi diferente. Foi mais organizado. A gente fez um período de pré-produção e ficamos uma semana em Minas, mas chegamos com tudo bem pensado. A gente ficou bem imerso no processo de gravação. Acordava, tomava café da manhã e ficava lá. Aqui no Rio ou em qualquer cidade grande você tem uma dispersão natural. A gente ficou bem junto.

Como foi o trabalho com o produtor Luã Yvis? Ele já nos conhecia e tinha assistido alguns shows. Ele foi estudar produção musical nos Estados Unidos e quando estava para se formar ele disse que tinha o desejo de produzir esse disco. Ele acrescentou bastante. No primeiro disco a gente não teve a figura do produtor musical. O Luã chegou e ajudou a formatar tudo para gente chegar.

Como vocês veem o rock no Brasil? Somos uma banda de rock brasileiro. A gente ouve muita música brasileira. Acho que nos anos 80 o rock era o sertanejo universitário hoje. Agora tem talentos, mas eles ficam mais escondidos. Às vezes a gente sente uma lacuna de boas bandas de rock, de grandes bandas como o Nação Zumbi, o Los Hermanos. Mas tem um público que quer esse som. Tem um público carente por novos artistas. É uma pena que as pessoas não conheçam tantos quanto antes.

O disco e o lançamento são independentes? Sim. Conversamos com algumas gravadoras e analisamos propostas. Elas ainda tem um papel de alcance muito grande, mas a gente está orgulhoso do disco e quer que ele alcance muita gente também pela internet.

Vai lá: Ganeshas - Cabeça Parabólica
www.ganeshas.com.br


Marcelo D2

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divulgação

Marcelo D2

Marcelo D2

Ele é um dos principais nomes do hip-hop nacional e um pioneiro da discussão sobre a regulamentação da maconha no Brasil. Carioca, sua trajetória na música começa no grupo Planet Hemp, com quem lançou em 95 o disco de estreia da banda, o Usuário. Três anos depois, em 98, ele lançou seu primeiro disco solo, o Eu Tiro é Onda, disco que evidenciou uma característica marcante do seu trabalho, a maestria com que ele mistura ao rap sonoridades tipicamente brasileiras, como o samba.

"A música é uma conversa e é muito bom conversar com todos. Gente mais nova, mais velha, de diferentes estilos...O que mais me fascina na música é isso, misturar ritmos"

O papo desta semana é com o Marcelo Maldonado Gomes Peixoto, mais conhecido como Marcelo D2, que está lançando seu quinto álbum solo, o Nada Pode Me Parar.

Setlist do programa:

Elvis Costello - "My Mood Swings"
A Tribe Called Quest - "Bonita Apllebong"
Dusty Springfield - "Spooky"
Gil Scott Heron - "Lady Day and John Coltrane"
Marcelo D2 - "MD2"

O Trip FM vai ao ar na grande São Paulo às sextas às 20h, com reprise às terças às 23h pela Rádio Eldorado Brasil 3000, 107,3MHz

Paulo Miklos

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Luiz Maximiliano

 

Paulo Miklos viu metade da sua banda seguir outros caminhos e, há apenas três meses, perdeu a mulher com quem foi casado por 30 anos. Mais que nunca, a solidão espreita. Mas um titã é um titã: agarrado em seu novo programa de TV e no próximo disco, ele segue em frente

Talvez seja uma questão de hábito. Treinado por mais de três décadas a pensar e falar sobre todas as coisas pelo ponto de vista coletivo dos Titãs, Paulo Miklos responde sempre com um “nós” no sujeito da frase – mesmo quando as perguntas são sobre ele sozinho. Foi assim que ele fez durante quase metade da conversa que você lê a seguir. “É, né? Eu não tinha percebido que fazia isso.”

Não é que sua vida, inclusive a profissional, seja feita de poucas individualidades. Muito pelo contrário. À parte dos Titãs, o músico desenvolveu e desenvolve várias outras facetas que não a do vocalista, tecladista, por vezes saxofonista e atualmente também guitarrista dos Titãs.

A mais recente de todas elas pode ser vista desde maio no programa Paulo Miklos show, na Mix TV. Ele é o âncora do talk show semanal (vai ao ar às terças-feiras, às 22h30), que concilia números musicais (alheios) com entrevistas. Inspirado nos apresentadores ingleses (mas também tendo na memória os brasileiríssimos Silvio Santos e Flávio Cavalcanti), faz questão de estar sempre de terno, para que fique claro para o público quem é o entrevistador e quem é o entrevistado.

Sua carreira de ator segue firme. A estreia, que o relevou como um grande performer dramático (e cômico), aconteceu em 2001, quando estrelou o longa O invasor, do cineasta Beto Brant. Miklos viveu justamente o personagem do título. Para desenvolver os trejeitos necessários para o papel, teve aulas particulares com o rapper Sabotage (1973-2003), com quem também contracenou no filme.

Outros bons trabalhos vieram a seguir, em papéis um pouco menores, mas nem por isso mais apáticos. Fez bons pequenos trabalhos em Boleiros 2 (2006), de Ugo Giorgetti, depois em Estômago (2007), de Marcos Jorge.

Mas foi É proibido fumar (2007), dirigido pela paulista Ana Muylaert, que deu a Miklos o seu primeiro protagonista de fato, Max – par romântico da personagem vivida por Glória Pires. Ali, ele deu vida a um personagem um tanto mais próximo de sua realidade: um cantor de boteco. O próprio Miklos, na era pré-Titãs, chegou a tocar em bares para defender o dinheiro do mês.

A partir da carreira bem-sucedida no cinema, Miklos pegou gosto pela nova profissão. E logo começou a atuar também na televisão. Fez de tudo. Tanto pequeníssimas participações em séries, como Os normais (2002) e Sessão de terapia (2013), até papéis fixos em novelas, como Bang bang (2006).

Também sozinho, Miklos produziu dois álbuns. “Minha extensa obra solo”, ele brinca, com os CDs nas mãos. O primeiro é de 1994 e tem apenas seu nome como título. Todas as letras e músicas foram compostas por ele, que também assina a produção. O segundo veio em 2001: Vou ser feliz e já volto. Na capa, o músico aparece com os cabelos amarelos em uma sessão de fotos feita em Nova York, onde havia passado uma temporada que descreve como “muito louca”, regada a excessos de álcool e drogas.

Hoje, ele diz, a loucura está completamente controlada. Mas foram necessários anos de terapia, remédios e muitos afetos para sobreviver àquele período. Miklos vive na cidade em que nasceu, São Paulo. Atualmente, divide uma casa no bairro do Sumaré com a única filha, Manoela, e o cão, Nestor, um parrudo bernese.

Em julho, ficou viúvo. Rachel Salem, com quem estava casado desde 1982, mãe de Manoela, perdeu a batalha contra um câncer de pulmão. Pouco mais de um ano antes, a mãe de Miklos havia morrido da mesma doença. A tristeza fez com que ele se recolhesse em casa. Não havia dado nenhuma entrevista sobre o assunto – até esta aqui. Só saiu do casulo para trabalhar. O trabalho – sozinho e com os Titãs, que agora são quatro – é que segura um pouco da barra, a mais pesada por que passou em seus 54 anos de vida.

Ele afirma que, agora, a banda está de volta a um equilíbrio. O lançamento mais recente foi um pacote de CD e DVD com o registro da turnê de 30 anos do álbum Cabeça dinossauro, o maior clássico titânico. Atualmente, eles correm com um show de canções inéditas. Testam ao vivo o repertório que vai dar origem ao próximo disco de estúdio, com previsão de chegar às lojas no primeiro semestre do ano que vem.

Os Titãs são seu assunto preferido. Pelo menos é isso que dizem suas feições quando ele volta e volta e volta a falar sobre a banda. Com os outros companheiros, Paulo Miklos pode voltar ao conforto de ser “nós”. Embora tenha tanta estrada corrida por conta própria, parece ficar bem mais confortável quando tem os amigos para dividir as coisas.


“Agradeço a todos os amigos queridos e a todos os fãs pelo carinho. O momento agora é de recolhimento e comunhão em família. No coração sinto a dor da ausência da minha Rachel. Sei que nunca mais vou preencher este vazio, mas na alma descubro a plenitude de ter vivido um amor completo e eterno. Meu amor de toda a vida, Rachel Salem”, escreveu Paulo em sua página no Facebook


Você, claro, está num momento delicado. Mas me parece estar bem, com os dois pés bem fincados no chão. O processo foi muito duro. Eu não tive nem o tempo do luto da minha mãe [morta há um ano e meio]. Essa coisa de você tratar publicamente uma coisa pessoal sua tem dois lados. Essa intimidade que a gente pode ter com o público, de falar sobre nossa experiência pessoal, pode servir de exemplo. Por mais que eu tenha ficado receoso de falar desses assuntos imediatamente, ao mesmo tempo abracei a atividade freneticamente. Não dá para ficar jogado no canto e deixar a coisa te tomar. Nos últimos três meses fui ao Rock in Rio, participei de um projeto que corre o Brasil cantando Beatles, cantei com o João Donato músicas do Vinicius, tô fechando uma participação em um filme, fazendo um curta no fim de semana... Tô em movimento, entendeu? E as coisas estão bacanas: o programa de TV, a banda vivendo um momento especial, quase de renascimento. Estamos com material novo, prontos pra arriscar e fazer um show inédito. Essas coisas estão me dando força e segurando a onda. Na verdade, o que sempre foi o alicerce foi o trabalho, a paixão por ele. Às vezes, nem os que estão mais próximos de mim sabem o que eu tô passando. Daí tem um lado de atuar, de estar na atividade correspondendo. É isso o que eu tomo pra mim pra poder estar bacana, pra poder receber alguém. Entrevistar, ser entrevistado. Entrar no palco, dar uma coisa além do que você costuma dar. O show dá pra isso. A música que a gente faz é impactante, descarregada. Então eu faço terapia duas, três vezes por semana pelo Brasil, no palco. Tem uma rede de afeto e de carinho na qual estão as pessoas com quem eu trabalho – não só os Titãs, amigos da vida toda, mas também o pessoal da TV, gente muito bacana.

Quando e como vocês descobriram o câncer da Rachel? Descobrimos no final do ano passado, a gente estava em férias. O câncer ficava num lugar difícil, mais alto, então a gente tirou um pulmão. Mas depois pegou o outro. Ela teve uma infecção, e foi muito rápido. Uma coisa muito chocante. Você quer se matar? Às vezes, sim. Às vezes você pega o avião, vem uma turbulência e você pensa: “Se cair, tudo bem”. Você sabe que você está instável de uma maneira bastante estranha em relação ao que é o significado da vida. As coisas entram em solvência, é uma dor fodida.

Mudemos para outro assunto, mais ameno: música. Quando começou sua relação com ela? Criança, meus pais me deram um piano e depois minha avó me deu uma flauta doce. Ficou mais séria quando eu tinha 17 anos, mais ou menos. Participei de um festival da TV Tupi em 1979 que tinha o Arrigo Barnabé, o Walter Franco cantando “Canalha”. Entrei como arranjador da banda com a camiseta de jogar bola na escola, magrelo e com um saxofone emprestado, achando que tava abafando. Quando apareci no ensaio, a orquestra da TV Tupi, que só tinha fera, olhou pra mim sem entender nada. Eu escrevi tudo direitinho, apesar de não saber direito o que estava fazendo.

Então você estudou música mesmo? Estudei. Sempre fui muito interessado em música. Por fim acabei entrando na ECA [Escola de Comunicação e Artes da USP]. Cheguei das férias no Nordeste super-relaxado, de cabelão, bronzeado e fui fazer a prova. Toquei “Syrinx”, uma peça de flauta solo de Debussy. No meio a banca interrompeu, o que é normal, e soltou: “Tá bom, obrigado. Você parece um fauno mesmo” [risos].

Gostava da faculdade? Era só gente de conservatório, orientais que estudam violino desde os 6 anos de idade. Rapidamente percebi que...

Não era seu lugar? Isso. Aí eu ia na fitoteca e fazia um download geral.

Uma pirataria analógica. Pois é. Na época era fita e eu pegava tudo. Conheci a música contemporânea e pirei. Música concreta do Luciano Berio, só caras legais, coisas geniais. Passei lá um ano copiando as coisas e depois não voltei.


“Eu faço terapia duas, três vezes por semana pelo Brasil, no palco”


Mas os Titãs começaram antes disso, certo? A gente foi se encontrando na escola, se agregando. A gente viu os Novos Baianos tocar no pátio! O Alceu Valença e o Gil também! Depois, quando soubemos da existência da Blitz, pensamos: “Por que a gente não monta uma banda dessa?”. Inicialmente a gente fez uma fitinha, que era a fita das musas. Na verdade, era só para cantar as meninas.

Cantadinhas gravadasCantadinhas gravadas e reunidas numa fitinha que a gente promoveu e fez meio independente, colando uma a uma com um caderninho. Isso foi o começo dos Titãs. Eram todos os amigos juntos num primeiro momento, um coletivo gigante. Era um bonde, na verdade [risos]. Tinha, por exemplo, o Nuno Ramos, que depois foi ser artista plástico.

Ele também era do colégio Equipe? O que tinha na água dessa escola para reunir tantos talentos? É difícil explicar. Eu fui pro Equipe porque ouvi dizer que lá tinha um festival de música. Nem imaginava que depois ia ter o privilégio de presenciar o que presenciei naquele pátio, graças ao Serginho Groisman [outro aluno do Equipe] e à programação constante que ele trouxe.

Todos os Titãs eram do Equipe? A maioria. O Tony Belloto não, mas ele era amigo do Marcelo [Fromer] e do Branco [Mello]. O Branco tava numa classe antes de mim e o Arnaldo [Antunes] e o [Sérgio] Britto, um ano na frente.

E como funcionava a dinâmica dentro desse bonde musical? A gente já tinha claro que o barato era a coisa criativa, aquilo que a gente podia criar juntos, e defender essa criação sem preconceitos. A gente tinha toda essa carga de informação, adorava o Arrigo [Barnabé], o Itamar [Assumpção], essa vanguarda paulista. Eu queria fazer umas frases dodecafônicas! [Risos]. A gente tinha uma proximidade também com a poesia concreta do Augusto [de Campos], o Arnaldo [Antunes] é um cara que estudou as coisas. A gente tinha esse conhecimento profundo da música popular brasileira trombada com toda música internacional. A gente era new wave, mas curtia Alceu Valença. O Nasi, do alto do seu conhecimento de causa, dizia: “Eu sempre disse que a gente era do underground, do movimento do rock’n’roll, do Madame Satã. Vocês eram o último grito do tropicalismo”.

Luiz Maximiliano

 

Engraçado issoÉ! Eu achava que era da turma, mas talvez não tanto [risos]. A gente sempre gostou do The Clash, por exemplo, que é uma banda que introduziu a música caribenha, o reggae, misturados com um punk rock mais encardido, mais sectário. O Cabeça dinossauro, por exemplo, tem reggae, funk, musica eletrônica, punk. Tem tudo, e foi feito em 86! Ele é uma mistura desse DNA louco. A gente era uma coisa caleidoscópica. “Sonífera ilha” parece um ska da fronteira do Paraguai [risos].

Num grupo tão numeroso você certamente teve que abrir mão de muita coisa. Como era isso? Não era problema. Desde o começo teve uma dinâmica de aproveitar o que era melhor, a melhor ideia. Sempre houve um consenso, um bom senso.

Quando o Arnaldo, o Nando e o Charles saíram, você pensou em sair também? Acho que foi uma questão que se colocou pra todos nesses momentos. Quando o Arnaldo quis sair, a primeira coisa que a gente pensou foi: “Pô, mas peraí, pode sair?” [risos]. Essa coisa meio sonho de criança, inocente, acabou. E aí? E aí a gente continuou porque a gente tinha um puta disco, o Titanomaquia, na mão. Foi a mesma coisa nos momentos mais trágicos, como quando perdemos o Marcelo [o guitarrista morreu atropelado por um motoqueiro em 2001]. A gente estava na véspera de viajar pra gravar o A melhor banda de todos os tempos da última semana, com todos os arranjos feitos junto com o Marcelo. De novo a gente se viu na mesma situação: “O que fazer agora? Vamos parar. Não, não vamos parar, vamos fazer esse disco que ele fez com a gente. Vamos registrar isso”. A gente entrou em estúdio e foi um momento de união, em que você está ali pelo outro. Foi isso que moveu a gente naquele momento. Hoje é o patrimônio que a gente tem.

O último trabalho dos Titãs revisita o Cabeça dinossauro, talvez o disco mais cultuado de vocês, lançado há quase 30 anos. O que mudou no Brasil nesse tempo? A gente está tocando músicas como “Desordem”, por exemplo, que é uma coisa que fala de distúrbio de rua e pergunta: “Quem quer manter a ordem?/ Quem quer criar desordem?”. Essas coisas estão muito dúbias atualmente. Os agentes parecem que trocam de lado. Quem está provocando, quem está policiando e censurando? A quem interessa botar um carimbo de “isso não pode, isso não é democrático”? O que é democrático? O povo na rua, a provocação, em que níveis são aceitáveis? Tem toda essa discussão, mas não tem banho de sangue nas ruas, como a gente vê na Primavera Árabe. Então considero que a gente melhorou muito.

Mas o que suscitou todo esse movimento na sua opinião? O gigante adormecido andou acordando por aí [risos]. Quantas coisas estavam na rua, quantas reivindicações, quanta coisa criativa estava acontecendo... Essa coisa dá pra ocupar as páginas dos jornais e dos telejornais. Eu acho que a gente melhorou muito porque estamos tocando nesses assuntos, experimentando os limites e questionando uma situação que é insuportável, mas que continua a mesma bandalheira de sempre.

Você falou das manifestações “violentas” e dos “baderneiros”. O que você pensa deles? Merecem estar entre aspas mesmo? Eu acho que são práticas que estão aí. Eu não vou incitar a violência [risos]. Acho que tem uma responsabilidade nisso, mas acho também que tem uma coisa da mídia de fazer esse papel da patrulha. Eu compreendo que de repente tem que fazer isso mesmo [quebrar tudo] pra chamar a atenção, porque a plaquinha que eu estou levando ninguém se interessa em fotografar. Mas, se eu jogar essa placa dentro da agência bancária, vão me fotografar imediatamente.

E o seu programa, o Paulo Miklos show? A ida para a TV tem a ver com uma sensação de que tudo que você tem a dizer não cabe mais só na música? O gostoso do programa é que ele tem esse espectro, vai do talk show à música. O que mais gosto é o contato com as pessoas, deixar fluir a conversa.

A ideia do programa foi sua? Não.

Convidaram você? Me convidaram pra fazer um programa que inicialmente se chamava Dose tripla. Éramos três – eu, Gustavo Braun e Marina Santa Helena – na bancada, e eu era uma espécie de mediador. Achei bárbaro porque foi uma plataforma de estudo de dinâmica e também foi o primeiro momento em que eu percebi o quanto aquilo poderia me trazer de informação nova. Foi como se fosse um aprendizado até chegar o momento de receber um convite pra fazer um programa só meu.


"Às vezes você pega o avião, vem uma turbulência e você pensa: se cair, tudo bem"


Tem muito a ver com a sua experiência de ator também, né? Tem, mas também tem a ver com a minha relação com a música mesmo. O que sempre me atraiu, desde essa época, é a interpretação, é estar cantando, é o palco, o encontro com o público. Isso sempre me fascinou. O Beto me convidou pra fazer O invasor depois de um show nosso. Eu achei que ele estava tomado por aquela coisa de camarim depois de show: “Não, Beto, agora você está um pouco alterado. O show é muito legal, eu sei, mas eu vou dar um tempo pra você pensar melhor”. Mas, no dia seguinte, ele ligou: “Eu tava falando sério mesmo. O teu personagem é o personagem título do filme”.

O rapper Sabotage ajudou nas filmagens. Como é que foi essa relação? Primeiro eu já vampirizei o cara, peguei o jeito dele. Pensei: “Ele é uma inspiração bacana pro personagem que eu vou criar”. Agora, foi no texto que ele trouxe a contribuição mais fantástica. Ele tinha aquela coisa típica dos poetas, uma coleção de gírias que ele ouviu e registrou do pessoal falando nas ruas, quase um código cifrado. Eu entrava em cena e o Alexandre Borges e o Marco Ricca ficavam de boca aberta, porque não era nenhuma deixa que estava no texto.

Tem novos papéis à vista? Vou participar de um curta no fim de semana. E tem o filme do Jeferson De, um cineasta paulista, chamado Celulares. A gente vai filmar agora no começo do ano.

Não sei se já disse isso, mas você tende a responder as perguntas usando “a gente” em vez de “eu”. Culpa dos 30 anos de banda? Ah, sim. Mas ainda não estou falando eu e Paulo Miklos, tipo o Edson e o Pelé [risos].

Mas você acha que por conta da sua trajetória de vida acabou tendo uma visão mais plural do mundo? Eu não tenho grande barato no exercício artístico solitário. Acredito muito na coisa colaborativa. Na minha formação eu acredito nessa coisa da banda, do grupo. Eu acho que é assim que funcionam as coisas. E pensando agora na MPB, nos grandes nomes, nas grandes divas… Eu não sou dessa cultura. Não me bate. Quanto mais eu vou para uma coisa pessoal, autorreferente, autobiográfica, parece que cada vez mais vai perdendo o sentido pra mim.

Engraçado. Nesse sentido, você é o anti-Nando Reis, que é o cara mais autobiográfico dos Titãs. Exato. Ele e todos os meus ídolos. O Caetano... São todas músicas que canto no chuveiro depois. Acho fantástico. Mas meu primeiro movimento é o contrário disso. Sinto que a coisa vai se perdendo se eu mergulhar demais nessa autorreferência.

É comum dizerem que, com o passar dos anos, a pessoa amadurece, se individualiza. Por isso que banda de rock é coisa de moleque [risos]. Acho que isso acontece. Quando a gente estourou eu era ofrontman. “Como a gente vai fazer para mostrar pras pessoas que a gente é uma banda tão complexa?” Essa sempre foi a questão, porque tem quatro, cinco cantores. Cada um tem sua personalidade. A luta foi para as pessoas perceberem as individualidades. Não só o jeitão de cada um, mas o traço, a personalidade, o que cada um compôs, qual foi a contribuição de cada um.

Seu segundo disco tem um título engraçado: Vou ser feliz e já volto. Tem uma história, que você deve ter ouvido mil vezes, de que “pô, o Titãs deve estar chato porque o Paulo foi ser feliz solo e já volta”. Mas não era só o Titãs, não. Era a vida mesmo.


"O Nasi dizia: A gente era do underground do rock'n'roll, vocês eram o último grito do tropicalismo"


A vida? Conta aí. É um disco escapista. É justamente a brincadeira da tabuleta “Volto já”. Era um pouco isso, de estar muito imerso na coisa do tédio, do cotidiano, da mesmice. Eu talvez estivesse no auge do momento de estar escapando de tudo e usando todos os artifícios possíveis para estar vivendo uma realidade paralela, explorando as portas da percepção escancaradas.

É, você estava loirão, loucão. Fiz tudo isso. Cheguei em NY para masterizar o disco com o Dudu Marote, meu produtor. Comprei uma camisa e resolvi entrar num cabeleireiro no Soho. Aí estava a Björk do meu lado. Sentei, olhei e pensei: “Estou no lugar certo!”. Sei que a mulher fez uma coisa e eu fiquei com cabelo cenoura. Fui pro hotel, olhei e falei: “Acho que não deu certo”. Não era isso que eu queria. Queria ficar como o Billy Idol, aquela coisa platinada.

Você falou de “explorar as portas da percepção”. Imagino que esteja se referindo a drogas, mas eu achava que o Paulo Miklos doidão foi o dos anos 80... Eu costumava brincar com isso. A mais longa adolescência de que se tem notícia é a minha [risos].

Isso foi por volta de 2001. Foi por alguma coisa que bateu essa adolescência tardia? Acho que foi o abuso de substâncias. Acho que tem um momento que ou você sai ou não sai. Ou recai. Ou fica tentando sair, patinando. Eu saí, mas demorou.

Essa época foi o auge da adolescência, por assim dizer? Talvez não tenha sido o auge, mas era um momento em que isso ainda estava ecoando. Inclusive porque esse disco foi feito logo antes da minha participação em O invasor, minha primeira participação no cinema. Foi uma coisa que mexeu muito comigo. Você tem que estar muito atento. É o avesso da experiência de estar vivendo a música. Na música, quanto mais doidão melhor!

Você já sabe como funciona, né? As pes­soas esperam isso! Também tem uma expectativa em relação a você ser aquele clichê ambulante do roqueiro doidão. Na verdade, a experiência com drogas, de excesso, está no sofrimento. Na depressão. Muito mais nisso do que em qualquer coisa.

Mas no começo elas deram uma iluminação? Sim. É uma prática social também, assim como o álcool. O álcool foi a primeira coisa que eu tive de me livrar para poder voltar e ter controle da minha vida. Ele é o grande vilão para uma pessoa como eu, que se percebe com um problema de abuso e limite. Hoje eu não bebo. Antes eu brincava: “Só bebo a trabalho”. E era todo santo dia.

Você chegou a ter depressão mesmo, ir ao psiquiatra? Lógico. Então eu parti pras drogas lícitas, terapêuticas, que também são drogas. Até que chegou o momento que eu afastei todas. Foi ótimo.

Sem remédio não dava? Com certeza não. Chegou uma hora em que eu tava tão determinado, tinha tanta consciência, que falei: “Vou lançar mão de todas as coisas que eu tiver a meu favor”. Depois, pra me livrar do cigarro, outro vilão, foi a mesma coisa. Perdi minha mãe e minha esposa com o cigarro... E eu não era pouco fumante. Fumava um maço e meio por dia!


"O álcool foi a primeira coisa que eu tive de me livrar para poder voltar e ter controle da minha vida"


Você resolveu parar de fumar por causa da sua mãe? Não, eu já queria parar havia algum tempo. Porque, pra cantor, tocando instrumentos de sopro e tal, é um atentado.

Você se voltou para alguma religião, alguma crença nesse momento? Não acredito muito nessas coisas. Tenho muita inveja, uma inveja boa, das pessoas que acreditam, que encontram força, calma pra alma, em uma explicação que elas realmente acreditam. Mas isso não faz parte de mim. Sou misto de um casamento de católica com judeu. Fui pro candomblé, tenho essa aproximação cultural com a religiosidade, com todas elas. Acho fantástico. 

Biografias. Autorizadas e não autorizadas. Qual sua posição nesse bafafá? Fiquei um pouco surpreso. Tá fora de foco a conversa. Porque, se a lei é frouxa, se você não tem instrumentos pra se defender no caso de você ser realmente atacado, a gente deve focar nisso. A quem interessaria esconder os fatos, eu me pergunto. Obviamente, interessa a quem quer esconder coisas. Acho que você pode se preservar de dizer coisas da sua vida. Mas acho exagerado defender a aprovação prévia, porque sem o meu aval você não vai poder dizer nada. Aliás, depois quero ver essa entrevista, hein?!

O titã Paulo Miklos

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Luiz Maximiliano

 

No programa da semana o papo é com Paulo Miklos. Membro fundador de uma das bandas mais importantes do rock nacional, os Titãs, o Paulo vem aqui falar sobre sua infância, sua breve experiência como escoteiro, seu começo na música, sobre Titãs e sobre sua carreira de ator e apresentador de televisão. A gente vai conversar também sobre a fase difícil pela qual ele está passando depois de perder, há menos de quatro meses, sua esposa para um câncer de pulmão. Tudo isso e mais um monte de coisa interessante num papo muito franco com músico. Ele também está na capa e na entrevista principal, das Páginas Negras, da revista Trip deste mês.

Playlist da semana:

The National - Anyone's Ghost
Titãs - Sonifera Ilha 
The Black Seeds - One by One
The Clash - Rock the Casbah
Ben Howrad - Keep Your Head Up

PJ Pereira

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Leo Neves

PJ Pereira

PJ Pereira

Paulo Jorge Pereira, o PJ Pereira, é um dos mais importantes e premiados publicitários brasileiros e, através de suas mais recentes criações, ganhou em julho deste ano um prêmio Emmy, que é considerado uma espécie de Oscar da televisão norte-americana, e foi comparado a JK Rowling, autora da série de sucesso Harry Potter. Carioca ele começou sua carreira como programador de computadores antes de se formar em Administração pela PUC do Rio. Com o canudo em mãos, se mandou para São Paulo para trabalhar com publicidade. Aqui na cidade se encontrou com Nizan Guanaes, trabalhou na DM9 e posteriormente abriu a agencia Click, uma das primeiras agências digitais do país.

Em 2004 se mudou para os EUA, onde mora até hoje, e depois de uma temporada na consagrada AKQA fundou a Pereira & O’Dell, considerada hoje uma das mais importantes agências de publicidade do mundo. Ele acaba de lançar O Livro do Silêncio, primeira obra da trilogia Deuses de Dois Mundos, pela editora Livros de Safra.

Playlist da semana:

Rolling Stones - Beast of Burden
Rod Stewart - Da Ya Think I'm Sexy
Desmond Dekker - Israelites
Raphael Saadiq - Let's Take a Walk
Otto - Exu Parade

Luiz Bolognesi

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luizbolognesi

luizbolognesi

Ele é roteirista de cinema e foi responsável pelo texto de importantes filmes nacionais. Formado em Jornalismo pela PUC, antes de se lançar na carreira cinematográfica ele foi redator no jornal Folha de S. Paulo e na Rede Globo.

Em 1996, lançou o curta-metragem Pedro e o Senhor e, em 1999, o documentário Cine Mambembe. Seu terceiro filme, lançado em 2001, comoveu o país e representou um importante marco na história do cinema aqui no Brasil.

Com direção da sua esposa, a Lais Bodanzky, e com Rodrigo Santoro e Gero Camilo no elenco, o filme Bicho de Sete Cabeças foi sucesso de crítica, público e, inclusive, teve papel decisivo na revisão da política nacional sobre as instituições psiquiátricas.

De lá pra foram diversos trabalhos, entre eles a animação Uma História de Amor e Fúria, filme lançado no início desse ano e que marca sua estreia na direção de longas-metragens.

Se você acompanha o cinema nacional já deve ter percebido que o papo hoje aqui no TRIP é com o Luiz Bolognesi, que foi um dos indicados à segunda edição do Trip Transformadores pelo maravilhoso trabalho que ele coordena junto da Lais, o Cine Tela Brasil.

PLAYLIST:

Stevie Wonder - Higher Ground

Belleruche - Anything You Want

Beirut - A Candles Fire

Arcade Fire - Ready to Start

Raul Seixas - De Cabeça pra Baixo

Matinas Suzuki Júnior

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Matinas Suzuki

Matinas Suzuki

O papo de hoje no Trip FM é com Matinas Suzuki Júnior, importante jornalista brasileiro que marcou a história de grandes grupos e veículos de comunicação aqui do Brasil.

Natural de Barretos, cidade do interior paulista, ele se mudou para São Paulo em 1973. Aqui, estudou no famoso colégio Equipe e, posteriormente, se formou em jornalismo pela ECA, a Escola de Comunicação e Artes da USP. A carreira jornalística é marcada pelos 16 anos de Folha de S. Paulo, jornal que ajudou a reformular nos anos 80, pelos 3 anos como apresentador do Roda Viva, da TV Cultura, pela criação do iG, o primeiro portal de internet gratuito no Brasil, e pelo lançamento da rede de jornais Bom Dia, que tem circulação em diversas cidades do interior de São Paulo. Atualmente é diretor executivo da editora Companhia das Letras.

Playlist da semana:

Edward Sharpe and the Magntics Zeros - Dear Belevier
Mayer Hawthorne - Let me Know
Hugh Laurie - Unchain my Heart
Beatles - Get Back
Cérebro Eletronico - Canibais Ancestrais

 

Eles vão de bike

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Arquivo Pessoal

 Felipe Schlossmacher Cariello no Farol da Barra - BA

Felipe no Farol da Barra - BA

Cicloviajantes dão dicas para quem quer chegar até o destino pedalando na magrela e contam alguns perrengues que passaram pelo caminho

Felipe Schlossmacher Cariello, de 22 anos, pedala desde pequeno, mas se inspirou para encarar maiores distâncias quando conheceu uma alemã que viajava de bike pelo Brasil no Encontro Nacional de Comunidades Alternativas, que aconteceu em 2011 em Aratuípe, na Bahia. Ele gostou da ideia e decidiu comprar uma bike na feira do rolo de Salvador. Pagou 60 reais por ela e começou a pedalar sozinho com destino à Maragogi, litoral norte de Alagoas. O percurso tem aproximadamente 800 km, mas Felipe acredita ter percorrido um pouco mais. “Calculo que por volta dos mil, já que para visitar as praias tive de pegar estradas de uns 20 km cada. Mesmo sem preparo físico, meu corpo aguentou bem os 80 km diários.”

Durante os 15 dias que levou, fez algumas paradas para dormir. Sem maiores preocupações, entrega que “qualquer canto coberto era lugar pra esticar a lona, entrar no saco de dormir e pronto.” E quando diz qualquer canto, é qualquer canto mesmo. Felipe se acomodou entre as cadeiras de um restaurante em um posto de gasolina, enquanto por outros dias dormiu embaixo de uma ponte, ambos na BR. Também passou dois dias em um assentamento do MST, uma noite em uma chácara da UDV [União do Vegetal, igreja que faz uso de Ayahuasca] e outra na varanda de uma casa na beira da praia. Em uma das noites dormidas embaixo da ponte, acordou com um homem o ameaçando com um facão e querendo saber o que ele estava fazendo ali. O susto foi grande, mas depois de se explicar, ficou tudo bem.

Trip Qual a vantagem de ir pedalando?
Felipe Você consegue aproveitar cada quilômetro de estrada e a admirar a paisagem, além de estar praticando exercício e não poluindo o ar. E o melhor, é de graça.

Quais dicas você daria pra quem quer viajar de bike? Eu diria que o ideal é pedalar durante o dia e descansar durante a noite. Também é bom revisar tudo antes de começar; corrente, banco e freio. Além disso, se for passar vários dias na estrada, é importante levar equipamento de camping e ter um bagageiro na bike pra carregar a mochila. Pra comer, cuscuz é uma boa. Além de barato, oferece a energia que você vai precisar. Arroz também é muito fácil e rápido de fazer. Para beber, café com leite em pó, dá muita “sustança”. Mas a maior dica é perder a vergonha, não ter medo de tocar na campainha de um desconhecido e pedir para encher o cantil, ou dormir na varanda. Fui muito bem recebido na casa de várias pessoas. Para as paradas, os postos geralmente têm banheiro com chuveiro para os caminhoneiros.

 

"[...] a maior dica é perder a vergonha, não ter medo de tocar na campainha de um desconhecido e pedir para encher o cantil"

 

Arquivo Pessoal

 Renata e sua bike

A designer Renata Cardamoni, de 24 anos, usa a bicicleta como principal meio de transporte desde 2011. Saindo de São Paulo, fez seu primeiro passeio até Santos com alguns amigos. Depois desse episódio, se sentiu segura para outros trajetos e a sensação de pedalar na estrada foi tão boa que acabou indo para o Guarujá, Sorocaba, Guararema e São José dos Campos dessa forma. Em outra viagem, que dividiu o caminho usando ônibus, foi de Paraibuna a Ubatuba – o maior trajeto que já fez até hoje. Mesmo quando não pretende pegar estrada pedalando, leva a magrela no bagageiro do ônibus para não se arrepender e poder usá-la ao chegar em seu destino.

Cachoeira é parada obrigatória, por isso Renata acha importante sempre ter um mapa em mãos e anotar pontos de referência. A maioria das viagens que fez estava acompanhada com amigos, mas também já se aventurou sem eles. “As pessoas falam o tempo todo que para mulher é perigoso, inclusive sentem dó de você por estar sem companhia. No Carnaval viajei sozinha, calculei mal o tempo, choveu e acabei pedindo uma carona na estrada, com a bike - e eu - toda suja de lama.”, conta.

Quando perguntamos quando saber se está pronto para arriscar os muitos quilômetros, ela ri e diz “você está pronto quando resolve desviar o caminho de casa para pedalar mais.”

Trip Qual a vantagem de ir pedalando?
Renata Você sente cada pedacinho do percurso. O nascer do sol é um dos momentos imperdíveis!

Quais dicas você daria pra quem quer viajar de bike? Revisar bem a bike e ter estratégias, as vezes é preciso pedir carona se acontecer algum perrengue. Aqui em São Paulo tem o trajeto da Serra da Cantareira, que pode ser um bom teste para saber se está pronto para viajar por mais tempo. Leve o mínimo possível, mas o máximo necessário. É importante sempre ter um corta-vento, capa de chuva, óculos de sol e ficar esperto com o clima. Frutas secas e amendoim são perfeitos para o lanche. Pare onde se sentir acolhido, seja pela natureza ou pelas pessoas. Tem muita gente boa disposta a ajudar.


Paula Lavigne

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Equipe Trip

A empresária Paula Lavigne

A empresária Paula Lavigne

A entrevistada das Páginas Negras da edição de dezembro, Paula Lavigne, fala hoje ao Trip FM. Em entrevista ao jornalista Marcus Preto, a empresária e produtora musical fala sobre sua carreira, sobre Caetano Veloso e, claro, a polêmica que marcou 2013, o Procure Saber, grupo de autores, artistas e pessoas ligadas a música dedicado a estudar e informar os interessados sobre regras, leis e funcionamento da indústria fonográfica.

Trip FM Especial de Férias

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Divulgação/Caroline Bittencourt

Tony Bellotto, dos Titãs

Tony Bellotto, dos Titãs

À partir desta sexta, 27/02, o Trip FM começa uma retrospectiva com as melhores entrevistas do ano, exibindo no rádio novamente os papos com os convidados mais interessantes que passaram por nosso estúdio em 2013. No total serão oito reprises cobrindo a maioria dos assuntos tratados nas entrevistas do programa desde janeiro desse ano.

O programa tira férias até o dia 31 de janeiro, mas aqui você relembra as entrevistas mais interessantes, inusitadas e divertidas de 2013.

Veja abaixo a lista completa de reprises com links para escutar os programas na íntegra aqui mesmo no site da Trip.

27/12 - Tony Bellotto
03/01 - Rafael Cortez
10/01 - Fabio Porchat
17/01 - Antonio Lancha Jr.
24/01 - Sidarta Ribeiro
31/01 - Paulo Miklos

O Trip FM vai ao ar na grande São Paulo às sextas às 21h, com reprise às terças às 23h pela Rádio Eldorado Brasil 3000, 107,3MHz

Paula Lavigne

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Arquivo Pessoal

Grávida de Zeca

Grávida de Zeca

Ela está no centro da polêmica das biografias, uma das mais barulhentas do ano. Antes, porém, já tinha uma história e tanto para contar: casou com Caetano Veloso aos 16, abortou na adolescência, foi atriz, é produtora de sucesso. A seguir, uma breve biografia - autorizada, diga-se - de Paula  Lavigne

Paula Lavigne diz que o primeiro livro que ganhou de Cae­tano Veloso foi Memórias de uma moça bem-comportada, de Simone de Beauvoir. “O bom comportamento seria aquele bem-visto pelos outros ou aquele que faz o ser humano se sentir livre?”, ela pergunta. E já responde: “Simone acredita na segunda opção. Eu também. O homem precisa da intimidade para se preservar do controle e da vigilância, provenientes da vida comunitária. Somente nela, manifestamos nosso verdadeiro eu”.

Paula já tinha uma história e tanto, além de uma série de rompimentos, pontos de virada e recomeços, antes de se ver no centro de uma das maiores polêmicas do ano, a das biografias, justamente um embate entre liberdade de informação e direito à privacidade.

Filha do advogado criminalista Arthur Lavigne e da psicanalista Irene Mafra, Paula conheceu Caetano aos 13 anos e se casou com ele aos 16, idade em que foi emancipada para abrir uma empresa em sociedade com o marido, a Uns Produções. E, nos anos seguintes, se tornou uma das empresárias mais bem-sucedidas da história do showbiz nacional.

Odeio você

Da música, alcançou também o cinema. A partir de Orfeu (1999), produziu uma dúzia de longas, incluindo nessa lista alguns blockbusters, como Lisbela e o prisioneiro e 2 filhos de Francisco. Já foi atriz também. Estreou na minissérie Anos Dourados, da Globo, em 1986; no mesmo ano esteve no filme Cinema falado, dirigido por Caetano; depois fez novelas de sucesso, como Vale tudo (1988). E com Explode Coração, de Gloria Perez (1995), rompeu com a carreira: não se achava boa o suficiente para que sua presença ali se justificasse. Engravidou ainda adolescente, mas abortou. Filhos vieram mais tarde: Zeca tem hoje 21 anos e Tom, 16. Nesse meio-tempo foi a musa de uma série de canções do marido.

casamento durou até 2005. E a separação a fez passar pelo pior momento da vida até então. Tornou-se dependente de remédios. Para dormir, para acordar, para esquecer. Ficou nesse vaivém por três anos, até conseguir a ajuda médica certa. Diz ter sofrido ao se ouvir biografada em quase todas as canções do álbum  (2006), de Caetano, composto por ele durante o período de separação. “Indiscrições de Caetano”, ela diz. É para ela, entre outras desse disco, “Odeio” (“Odeio você/ Odeio você/ Odeio você/ Odeio”).

Mas, até ali, ódio era uma coisa diferente. Bem diferente da onda de ódio de que foi vítima agora, quando se tornou a presidenta do grupo Procure Saber e, por consequência, a figura central da chamada “polêmica das biografias”. “Não sou mais a mesma pessoa que eu era quando entrei nessa história”, ela disse mais de uma vez nos bastidores desta entrevista.

Procure Saber foi criado em 2013, por nomes como Caetano, Roberto Carlos, Chico Buarque, Gilberto Gil, Marisa Monte, Djavan, entre outros gigantes da MPB. Venceu a primeira batalha contra o Ecad, a entidade arrecadadora dos direitos autorais aos artistas, que agora passou a ser fiscalizada por um órgão específico e é obrigada a prestar contas da distribuição dos recursos.

Já o segundo passo do grupo foi bem mais polêmico: uma tentativa de debate sobre a necessidade de autorização prévia para biografias, regra que está em vigor e que biógrafos e editores de livros tentam derrubar. Na ocasião, a presidenta do Procure Saber disse que a intenção do grupo era “apresentar uma alternativa que atenda os escritores, mas não crie uma situação de exploração da obra e da vida alheias sem a remuneração correspondente e sem que a vida privada e a intimidade do biografado sejam violados”.

Começaram os ataques. Paula e os outros integrantes foram chamados de censores por parte da imprensa e nas redes sociais. No meio do furacão, ela foi defender as ideias do grupo no programa Saia justa, do GNT. E o barulho só aumentou.

Depois da repercussão do programa, Caetano defendeu a ex-mulher: “Paula foi escolhida pelos conselheiros [do Procure Saber] por causa de sua capacidade de fazer as coisas andarem. Não está ali por

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ser minha empresária ou por ter sido minha mulher. É quase apesar disso”.

capacidade da empresária de fazer as coisas andarem continua acesa. Antes da polêmica das biografias, ajudou a articular a campanha Somos Todos Amarildo (veja o vídeo produzido por ela em http://goo.gl/4l9mRM), que abriu os olhos da população para o caso do ajudante de pedreiro Amarildo de Souza, desaparecido em 14 de julho aos 43 anos e, segundo investigações da polícia, torturado até a morte por PMs da UPP da Rocinha.

 “Igual a painho”

Em outubro, Paula organizou um jantar-leilão em seu apartamento para levantar dinheiro para comprar uma casa para a família de Amarildo. Cerca de 120 pessoas estiveram no evento, que rendeu R$ 250 mil. Há poucas semanas, a empresária produziu um show no Circo Voador em prol da mesma causa, com Marisa Monte e Caetano Veloso.

Paula é produtora 24 horas por dia. E isso ficou claro quando Trip a encontrou em seu apartamento na avenida Vieira Souto, de frente para o mar de Ipanema. Ela própria foi atrás da equipe que produziria as fotos, a maquiagem, o cabelo etc. Organizou os passos de cada um, os horários. “Sou mais rápida do que todo mundo, então fico aflita e acabo eu mesma resolvendo tudo.”

Só parava para enrolar os cigarros (“preciso parar de fumar”) e para responder às mensagens de texto que pipocavam no celular.

Queridos, vamos resolver logo essas fotos? Estou igual a Painho [Caetano], achando um saco esse negócio de fotografia e querendo começar logo a entrevista. Nem parece coisa de mulher, né? Mas ando assim agora: gostando mais de falar. Quem diria?”

Antes de começarmos, você disse: “Eu não sou mais a pessoa que eu era quando entrei nessa história”. Estamos falando da questão das biografias, claro. Pode falar dessa sensação? Não sei exatamente que outra pessoa eu sou, só sei que não sou a mesma. A gente já viveu escândalos antes. O caso do réveillon [de 1996] foi um deles, a gente respondeu a um processo por superfaturamento de cachê, uma coisa absurda, disseram que o Paulinho da Viola ganhar menos era racismo, aquela história toda. Fomos inocentados, mas é pra você ver como a gente, nosso meio, é despreparada. Não tinha nada a ver discutir cachê de Caetano, Chico, Milton, Gil, Gal e Paulinho da Viola e de repente aquilo virou dois processos. É uma classe visada e sem representatividade. Na questão das biografias, vi o poder da mídia, a ponto de nos transformar em censores. Levantamos uma questão pra discutir. Mas, quando há um judas pra bater, não há discussão.

Você foi o judas? Todos fomos os judas. Eu botei a cara, louca e impulsiva do jeito que eu sou, porque eu sabia que a gente não queria o mal, nem censura. Fui tentando falar e a coisa foi incontrolável. O trauma foi grande, não vou ser mais tão espontânea e tão sincera como eu era. Fico falando aqui e cada palavra penso: “Meu Deus, será que estou falando alguma palavra que alguém vai poder destacar e me criar problema?”. Ouvi muito: “Como a Paula Lavigne pode falar de privacidade se ela saiu na Caras?”. A intimidade é minha! Se eu acho que estou num momento bom pra sair na Caras, eu vou sair. Mas, quando um paparazzo corre atrás de mim, ele decide sobre a minha privacidade. Não somos BBBs.

 

"Levantamos uma questão pra discutir. Mas, quando há um judas pra bater, não há discussão"

 

Alguém escreveu que isso de proteger a privacidade é falácia: quando o artista expõe a intimidade em momentos escolhidos por ele, na verdade só quer controlar o que é mostrado. Discordo. Uma pessoa querer mostrar seu trabalho ou mostrar que está bem, fazer um retrato, não significa que ela quer falar tudo da sua vida. E ela não é obrigada. Tem coisas na intimidade que você não quer que saibam. Você pode ter uma doença, uma paranoia, enfim, namoros, coisas que você não quer que saibam. Se você é uma pessoa pública, notória, todo mundo tem direito de saber tudo? A Patricia Pillar teve câncer, graças a Deus ficou boa e resolveu falar. Foi uma decisão dela. Se ela estivesse doente e alguém tivesse ido lá fuçar, seria, sim, uma invasão à privacidade dela.

Mas isso é notícia. Mas isso vira base de pesquisa para uma biografia. Sai uma nota errada no jornal, você desmente e a pessoa escreve: “Apesar de fulano negar, foi visto não sei onde”. Então a biografia vai pontuar o quê? Se o biógrafo passa a ser um detetive, ele vai ter responsabilidade de checar fatos? E onde vai checar? Na imprensa. Há 25 anos uma nota na Folha de S.Paulo dizia que eu estava caindo de bêbada numa festa. Nunca tomei porre. Falei pro repórter: “Não bebo”. E ele: “Ah, então devia estar se comportando como tal”. Não tem jeito.

Não dá pra generalizar. Claro, não estou falando de grandes biógrafos, de pessoas sérias, mas a gente tá nessa tendência da invasão da privacidade. Quando você vê, estão os caras do Pânico num guindaste pra filmar a Carolina Dieckmann.

Mas Pânico não tem a ver com biografia. Calma, eu falo de um jeito confuso, vou de frente pra trás, de trás pra frente... O que a gente tentou o tempo inteiro dizer foi: se é pra mudar as regras, vamos estudar e combinar as novas regras? O Brasil perdeu a oportunidade de discutir um assun­to interessante, que confronta o direito de liberdade de expressão com o direito de privacidade. A questão nunca foi autorização. Talvez seja pro Roberto Carlos. Mas, como o próprio empresário do Roberto Carlos disse quando ele saiu do Procure Saber, temos estilos diferentes. No momento em que o Roberto Carlos veio com advogado criminalista, lobista, que sabe lidar com questões de Brasília, a gente estranhou. Não era o tom da gente.

Tanto que a fala do Caetano, depois da briga com Roberto Carlos, foi praticamente “eu quero que libere”. Querer que libere, eu acho que todo mundo quer. O que a gente queria conversar era quando um direito acaba e começa o outro. E como esses dois direitos andam juntos.

Fernando Young

Mas pra esses impasses existe o Judi­ciário. Em primeiro lugar, no Brasil, Justiça é coisa de rico. Pra processar alguém tem que ter dinheiro pra pagar um bom advogado. O dano moral no Brasil é imoral, cheio de ideias loucas e jurisprudências que levam sempre a desvalorizar o ser humano. É a história do Amarildo: o cara foi torturado, morto, esquartejado, sumiram com o corpo e a família teve direito a um salário mínimo como indenização! A gente vive num país injusto, e o Código Civil é uma colcha de retalhos.

Ainda acho que sua questão é mais sobre a cultura da celebridade, o paparazzo, do que biografias propriamente. Bom, nunca fizeram biografia minha, mas vejo pessoas muito magoadas. Muitas vezes as histórias são contadas a partir de uma nota no jornal. E hoje parece que o legal é descobrir os segredos das pessoas. Só vale o que é podre, o que é ruim. Não é um direito da família do [Paulo] Leminski não querer revelar que o irmão dele se suicidou? A família é censora? Fui ver o Saia justa depois, e eu parecia uma louca, desesperada. Porque cheguei ali e já estava essa coisa de “censores, são censores”. Botaram esse carimbo na cara da gente.

Você se arrepende de ter ido ao Saia justa? Cara, não me arrependo. Se você assiste lá no YouTube, vê que eu tô falando a mesma coisa de sempre. De uma maneira mais irritada, claro, porque eu não conseguia falar. Já tinha uma predisposição a um linchamento.

Você já chegou com essa sensação? Quando eu cheguei, a Maria Ribeiro e a Mônica [Martelli] já tinham dito que a Barbara Gancia tinha brigado com elas, tava uma confusão. A Maria veio aqui em casa me chamar pra ir. E então falei com a Mari [Mariana Koehler], diretora do programa. Mas, um dia antes de ir ao ar, a Astrid [Fontenelle] escreveu que eu tinha me convidado. Nunca pedi pra ir a programa nenhum na vida! Tive que ligar pra Dani [Daniela Mignani], diretora do GNT, e falar: “Pô, vocês que convidaram”. A Astrid tirou o post do Twitter, mas não se retratou. Bom, quando cheguei lá tava um clima ruim. A Barbara Gancia nervosa, a Maria nervosa. Aí a Barbara diz que hoje em dia não existe privacidade. Como não? Quis dar um exemplo de que existe, sim, e falei: “Se eu perguntar o nome da sua namorada, ela não vai gostar”. A Marcela [Bastos, namorada de Barbara Gancia] estava no estúdio, levantou e saiu. Criei uma situação real de invasão de privacidade.

Você foi chamada de homofóbica. Sim! O Carlos Tufvesson foi sensacional, entrou no Twitter me defendendo com propriedade. Sem contar meus amigos, que deram gargalhadas, né? Eu, homofóbica? Eu queria discutir. Quando deu o break, a Maria disse: “Barbara, a gente corta isso”. Aí fiquei irritada e falei: “Não!”. A Barbara já tinha escrito um artigo horroroso, dizendo que eu era oportunista, gananciosa. Mas tô acostumada, tem que nos esculhambar pra aparecer. É o que o Lobão faz, põe no Twitter: “Por que Paula Lavigne é tão filha da puta?”. Uma energia muito ruim pra cima de mim.

Você já não tinha sentido isso na vida? Dessa maneira, não. Acho que nunca estive tão exposta. A agressividade foi muito grande, a violência, os xingamentos na internet.

E pra lidar com isso? Você não se desestrutura? Claro que eu me desestruturo. Chamei a Mônica Bergamo de encalhada! Você acha que acho isso legal? Você acha que acho legal derrubar portão?

que houve de fato na história do portão? (Em 2005, Paula avançou com o carro no portão do prédio onde Caetano Veloso morava, após a separação.) Eu que fazia as malas do Caetano. Ele ia sair em turnê e estava em estúdio gravando a trilha de 2 filhos de Francisco. Eu era produtora, fui lá no apart-hotel, de nossa propriedade, onde ele estava morando. Ele não estava lá dentro com mulher nenhuma, inventaram uma história que nunca existiu. Aí veio o segurança: “A senhora não pode entrar”. “Por que eu não posso entrar?” “Porque não tem autorização do Caetano.” “Mas eu não preciso de autorização do Caetano, vim fazer a mala dele.” “A senhora não tem mais o direito de entrar.” “Eu vou entrar.” Aí ele mexeu no terno e me mostrou a arma. Acelerei o carro e derrubei o portão.

Aí chamaram a polícia. A gerente chamou. A Gloria Perez, que tem apartamento lá, viu a confusão e ligou pro meu pai. Quando a polícia chegou, meu pai falou: “Mas por que ela foi barrada? Cadê a escritura do apartamento?”. E a escritura era no nome do quê? Da nossa empresa, que abri com 16 anos. Eu não podia ser impedida de entrar na minha propriedade. Por isso nem fui à delegacia. Muita gente fala: “O pai da Paula deu dinheiro”. Não, não deu. Não acho bacana ter feito isso. Preferia ter dito “dane-se a mala do Caetano”. Mas estava num estado de nervos, me senti agredida e reagi mal.

E a briga com a Mônica Bergamo, como foi? Aquilo começou antes. Feito uma garotinha boba, a Monica começou a fazer bullying por causa de um erro de português que eu cometi. E eu, com meu temperamentozinho, comecei a ficar irritada. Aí dei um retuíte de uma coisa que vi, sem ver que o perfil dizia “Globo mente”. Aí a Monica Bergamo bota lá “Empresária de Caetano tuíta ‘Globo mente’”. Ah, não, espera aí! Chamei ela de encalhada e ela fez a festa. A vida vira um inferno, é porrada de todo lado. Ligaram pra minha personal trainer, pra ex-namorado em Londres, pro Marcelo [Marins, também ex-namorado], que agora namora a Carolina Ferraz. Ligaram pra Dedé [Gadelha, ex-mulher de Caetano] pra perguntar de brigas nossas, que nunca existiram. Ela é a mãe do Moreno, uma pessoa queridíssima, direitíssima, que amo. Falou: “Me separei do Caetano tem 30 anos! O que vocês querem saber?”. Queriam achar uns podres, mas não tenho nada a esconder. Com a matéria da Veja Rio, todo mundo riu.

Esse perfil da Veja foi até positivo pra sua imagem, não? Você aparece como uma mulher engraçada, fala de aborto... Não sou a favor de gravidez na adolescência, é um erro. Acho que aborto é direito da mulher. E sou ateia. Quando digo isso, as pessoas reagem mal. Parece que você está dizendo que não tem sensibilidade, não tem amor ao próximo. Gente, desculpa, eu não consigo imaginar alminha, vida depois da morte. Não tô falando mal de quem tem fé, tenho inveja de quem tem fé, religiosidade, espiritualidade. Mas não consigo. Então, aos 16 anos achava que se eu tivesse um filho ia estragar a minha vida, a do Caetano, tudo que a gente planejava. Mas é crime, então minha mãe me levou escondida pra fazer um aborto. Depois tive filhos maravilhosos. Se alma existe no feto, me desculpe, sou uma pecadora e vou pro inferno, paciência. Mas não acho que cometi crime. É muito sério ter um filho.

Você não vê problema em falar de experiências tão íntimas? Não tô abrindo minha intimidade simplesmente pra dizer: “Uhu, fiz um aborto!”. Gostaria que outras meninas que quisessem fazer aborto

Arquivo Pessoal

Na festa de 15 anos

Na festa de 15 anos

tivessem essa opção, fossem pra um bom hospital, com segurança. Somos obrigadas a ter filho porque a Igreja quer? Eu tenho que reagir a isso. Eu abro minha intimidade pra dizer coisas que eu penso e defendo. Numa boa, pode num país como o Brasil a maconha ser proibida? Qual a diferença de uma maconha bem usada pra um Rivotril, que é o remédio mais tomado no país?

Como é sua experiência com drogas? Não lido bem com drogas, tive uma educação de ter cuidado com isso. Todo mundo brinca que casei com Caetano porque nos anos 80 todo mundo cheirava e fumava, e eu e ele não fazíamos nada, então a gente sobrava nas festas. Anos depois, fiquei workaholic, agoniada, sem dormir dois, três dias. Fui a um psiquiatra, tomei remédios, e o que aconteceu? Virei dependente química. Queria dormir, me apagava. Queria acordar, me acordava. Tomei de Tylenol a Rivotril, Dormonid, Frontal... Não pensava em outra coisa.

Mas como começou? Teve um fato? Teve um fato. Eu fui no médico porque não conseguia dormir. Então era remédio pra relaxar e dormir.

Foi no tempo da separação? Exatamente. A barra foi muito pesada, muito dolorida. Parecia que eu tava perdendo um braço, uma perna. Comecei a tomar remédios e teve uma hora que não pensava em mais nada. Qualquer dor, eu tomava.

alivia? Claro que remédio alivia. A pessoa também se vicia em cocaína porque dá bem-estar, se sente inteligente, né? Álcool relaxa... Mas qualquer coisa que você fizer em excesso faz mal. Minha dependência foi forte, tive que tratar, ficar internada. Depois de muitas tentativas dei a sorte de pegar uma médica que deu certo comigo, que me ouvia e tentava estudar minha química. Essa coisa da neurociência é uma das que mais me interessam no momento. Um remédio que faz bem a uma pessoa pode não fazer a outra. Você é meio cobaia. Aí fui num médico na Califórnia e a receita dele era dois copos de vinho e um tipo de sativa [maconha] sei lá das quantas, que no Brasil eu nunca pude comprar, porque é ilegal, obviamente. Era uso medicinal. Você tem um vaporizer lá, que é usado em hospital e tudo. Mas não sou médica, claro que deve ter coisas da maconha que fazem mal.

Queria falar da sua ligação com artistas como Criolo, Emicida. As pessoas falam: “A Paula é esperta, né? O Caetano daqui a pouco se aposenta e ela está com os caras”. Essa história é simples. A gente está passando por uma transformação no mercado e esses artistas me fascinam. Principalmente Criolo e Emicida, com sua estrutura de produção. Eles estão fazendo um favor ao mercado, arriscando um modelo de negócios que me interessa. O Caetano virou independente pela primeira vez na vida. Depois de 52 anos de carreira, a gente tem um contrato independente: a Universal, que era dona de todos os produtos do Caetano, agora distribui a gente. Um lançamento de disco no Circo Voador custaria 30, 40, 50 mil reais nos moldes antigos. R$ 7 mil de rádio, R$ 15 mil de televisão, R$ 4 mil de lambe-lambe etc. Quando fui fazer uma reunião sobre isso com a turma do Circo pra lançar o Abraçaço, riram da minha cara. “Paula, vamos abrir a bilheteria amanhã, faltando três meses pro show, você vai botar nas redes sociais do Caetano, nós vamos botar nas redes do Circo e não vai ser gasto um tostão.” A gente lotou as três noites. E não gastou nada com promoção.

Hoje você usa muito as redes sociais, né? A gente começou atrasado, temos poucos seguidores em relação a outras pessoas. Mas é maravilhoso, a gente fala com o público certo. Não precisei sujar a cidade com lambe-lambes, não precisei gastar mídia de televisão, que todo mundo está vendo sem estar interessado no que você está vendendo. Você fala com o público-alvo sem pagar nada. Claro, agora o Facebook já está cobrando, está nascendo um mercado. Mas quem mais sabe disso? A turma do Criolo, do Emicida, porque está com isso em prática. Eu aprendo com eles.

 

"A barra foi muito pesada [na separação]. Parecia que eu tava perdendo um braço, uma perna"

 

Numa das colunas, o Caetano diz que você é uma pessoa “que faz a coisa andar”. Quando essa ficha caiu na sua vida? A ficha nunca esteve emperrada. Fui emancipada com 16 anos para abrir uma empresa, é uma vocação minha. A Gal Costa canta, o Milton Nascimento nasceu com aquela voz de Deus, eu nasci com isso. Morri de rir daquela biografia minha na Piauí. Porque é quase aquilo mesmo, eu organizava a fila do xixi. Sempre tive a noção de que a verdadeira liberdade é a financeira. Na infância inteira eu brinquei de fazer comércio. Meu pai acabava de ler as revistas e eu ia pro lado da banca perguntar se alguém queria comprar pela metade do preço.

Isso acaba sendo um talento. É um talento, e é necessário para os artistas. O Cae­tano é incapaz de coisas práticas nesse sentido. Com 15 anos, meu pai me mandou pra estudar em Cambridge. Aí o Caetano foi a Londres e eu fugi da escola para encontrar ele. A gente saiu para jantar e ele tinha esquecido o dinheiro. Paguei com minha mesada. Ele é assim. Não tem celular. Ele fala: “Pra que vou ter celular? Vou ter sempre alguém do lado, peço emprestado”. Ligar para ele, ele não quer que liguem, mas ligar para os outros ele quer! Ele diz: “Empresta seu celular um minutinho?”. Quem não vai querer emprestar?

Por que você e Caetano, tão diferentes, deram certo? A gente se completava, e se completa até hoje. O casamento acabou, mas continuamos sócios. Nossa empresa é dona deste apartamento, de tudo que a gente tem, é uma sociedade na vida. Não quis abrir mão disso, porque dá certo.

Tudo passa por você? Artístico, não. Ele compõe uma música, eu não aprovo.

Claro. Mas tem uma coisa assim: “Ah, a Paula odeia a fase ”? Eu odeio a fase  porque esse é um disco sobre a nossa separação. É a indiscrição de ser o Caetano. Tudo bem, depois vira arte. Mas quando você está vivendo aquilo é foda.

Quando você ouve “Não me arrependo de você”, não acha linda? Não é que eu não achasse linda. Quem me mostrou essa música foi o Tom, e foi superemocionante ver meu filho cantando. Mas, quando você está vivendo aquilo, é muito forte. Você se sente despida no meio da rua. Eu acho  um grande disco, mas é muito eu ali. Foi bem difícil. Hoje não, já tem tempo, já se estabilizou uma nova relação. Não gosto de “Branquinha” [do disco Estrangeiro, feita para ela]. Gosto de “Odeio você”. O Jorge Mautner diz que é uma das músicas de amor mais lindas do mundo.

Mas de cara você não gostou. Quando eu ouvi eu quase morri.

De ódio? Não. De dor. De dor de o Caetano ter sentido aquilo. A música é muito boa. Mas sofri, só isso.

Tem o “mulher indigesta”, que ele fez agora, “o ciúme é o estrume do amor” (versos de “Funk melódico”, do disco Abraçaço). Não é pra mim.

Pra quem é? Não sei! Já perguntei: “Você tem certeza de que não é pra mim?”. E Caetano respondeu impaciente: “Não é pra você”. E Caetano não mente.

Um sonho”, também do , era pra Luana Piovani? Ah, isso eu não sei. Não me mete nas fofocas de seu Caetano, não. Eu já era separada dele, não é mais minha jurisprudência.

Você renega sua fase atriz, né? Rolou reprise de Vale tudoAnos dourados, coisas nas quais você atuou. Você acha mesmo que era péssima? Não justificava eu estar ali. Fui fazer teatro porque eu era uma criança hiperativa, falei disso na entrevista à Tpm [Paula esteve nas Páginas Vermelhas da Tpm, em maio de 2003]. Fiz Tablado e, como sempre digo, entrei no lugar certo pela porta errada. Aos 15 anos eu fiz o teste pra minissérie Anos dourados e até virou folclore. Quando o assunto é cachê, sempre botam um executivo pra constranger você. Falei uma quantia tal e o cara rebateu dizendo que era absurda, que eu estava fora da realidade porque era namorada do Caetano. Aí eu falei: “Então você chame a mulher do Wando, porque a mulher do Caetano vale mais”. O Wando ficou chateado.

Não era pra ficar? Eu estava falando de uma questão de mercado, não queria desqualificar o Wando. De jeito nenhum queria ofender. Era uma piada. Mas você estava perguntando o que mesmo?

negócio de ser atriz. Então, aí eu fiz Anos dourados, tinha salário, FGTS, ganhava até o peru de Natal do doutor Roberto [Marinho]. Continuei um tempo, mesmo sabendo que eu não queria. A novela da Gloria Perez [Explode coração, de 1995] foi a última que eu fiz. Eu estava grávida do Tom e foi ali que eu tive certeza de que eu queria me dedicar aos negócios, que eu não tinha vocação para as pessoas ficarem mandando: “Anda pra cá, anda pra lá”. Aí eu já tinha entrado de sócia da Natasha, veio a trilha de O quatrilho, depois vendemos 1 milhão de discos com a trilha de Lisbela, virei empresária e não precisava mais do salário da Globo.

como você começou a produzir cinema? Primeiro a Natasha começou a distribuir a Disney, fazer essa produção local que a Disney faz, de chamar produtores do lugar, dublar os filmes. E comecei a gostar de produzir trilha de cinema. Cacá Diegues chamou o Caetano para fazer a trilha de Tieta e eu produzi, vendemos discos pra caramba. O Caetano é muito bom de encomenda. Falei: “Eu quero hit, Caetano, quero algo que pegue no Carnaval da Bahia”. E ele fez “A luz de Tieta”. Foi aí que o Cacá Diegues me chamou para produzir o Orfeu. Falei: “Não sei produzir filme”. E ele falou: “Paula, não tem nada que você não saiba fazer”. Dali eu produzi 13 longas.

 

"Qual a diferença de uma maconha bem usada pra um Rivotril, que é o remédio mais tomado no país?"

 

que nos traz à questão das leis de incentivo. Antes de eu ligar o gravador, você me dizia que não vai fazer mais nada enquanto não resolver esse negócio de Lei Rouanet. Fiz parte de uma geração que conquistou as leis de incentivo, com muita propriedade, baseada em dados. Agora de repente rola uma demonização de tudo isso, da Lei Rouanet, que eu não tô entendendo. Não sou bandida, não uso Lei Rouanet pra roubar ninguém. Fiz filmes de sucesso, dei dinheiro, empreguei. A indústria cultural emprega mais que a indústria automobilística. O quanto deixa de render ao governo subsidiar automóveis? Por que só a nossa renúncia, que é mínima, é criticada? Por que quando você bota uma blusa não tem lá a plaquinha “isto aqui foi incentivado pelo governo”? Por que quando você entra num Fiat, num Chevrolet ou num Volkswagen não vem escrito “este automóvel não pagou IPI”? A gente foi pego pra cristo. A Maria Bethânia foi aprovada pra captar sei lá quanto. Aí o Ministério da Cultura te pede uma contrapartida social, e o Hermano Vianna e o Andrucha [Waddington] têm a brilhante ideia de fazer aquilo ficar livre na internet... Meu filho falava: “Mãe, o que a tia Beta fez?”. “Nada, meu filho!”

discussão era se uma artista do porte da Bethânia precisaria usar recursos públicos. Ela é uma grande artista, fala poemas como ninguém, tinha um projeto e existe uma lei que é feita pra isso. Onde está o problema? Se a Lei Rouanet não é feita pra Maria Bethânia ler poemas, pra que essa lei é feita? Pra visita do papa? Pra reformar o Palácio do Alvorada, como já foi usada? Tem que discutir? Sim, mas então vamos discutir tudo. O que não dá é dizer que somos encostados no governo. Não sou encostada em ninguém, fofo. Trabalho que nem louca. Tô cansada, sabe? Não quero mais usar isso. Não tenho mais projetos inscritos. Usar lei de incentivo hoje me dá um arrepio.

o Amarildo? Como essa história caiu em você? A gente se envolveu com a campanha do Marcelo Freixo pra prefeitura, existia essa ligação. E o Freixo, que é um cara de direitos humanos e acompanhou todo o caso, um dia chamou a gente pra ir à casa do Amarildo. Subimos de carro até determinada altura, depois a pé. Chegamos à casa, um cômodo só, em cima de um esgoto. Quando entrei na casa, onde oito pessoas moravam, tive uma visão: meu banheiro cheio de creme. Cara, como a gente é alienada. Bom, depois o Freixo me ligou e disse: “Será que você não arruma 60 pessoas, e cada uma ajuda com R$ 1.000 e a gente compra uma casa pra família do Amarildo?”. Falei: “Mole, deixa comigo”. Existe uma ridicularização das pessoas que querem ajudar. “Fulano está fazendo isso para aparecer.” Ou “lá vem a chata da Paula pedindo dinheiro”. Dane-se, tem que fazer. Conseguimos muita coisa, além do dinheiro da casa. Produzi o vídeo Somos todos Amarildo, que é importante. Mas o projeto foi atropelado por essa coisa toda das biografias. Eu virei a censora.

Você ainda fica muito irritada com essa situação? Dá aquela revolta do inocente. O comportamento do inocente é sempre indignado. A gente vai sempre viver esse sentimento de indignação de ter sido tachada como censora, porque é muito distante da nossa realidade. Quatro grandes artistas na capa da Veja sendo chamados de censores? E um monte de gente repetindo essa bobagem? O Caetano fala isto: quando o Jânio de Freitas e o Pânico estão com a mesma teoria, alguma coisa tá errada. Mas qual é o lado bom disso tudo? A Glória Perez me disse: “Paula, você vai limpar as gavetas. Vai ver quem é quem”. Aquela sensação de que todo mundo gosta de você, que a gente agrada geral, é ilusão. Por isso não vou ser igual nunca mais. Vou dar uma boa limpada na vida.

 

"Se a Lei Rouanet não é feita pra Maria Bethânia ler poemas, pra que é veita? Pra visita do papa?"

 

Paula Lavigne esteve nas Páginas Vermelhas da Tpm #21, em maio de 2003. Vai lá: http://bit.ly/1awk9Rf

Las Magrelas

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Um espaço para a discussão da mobilidade na capital paulistana: Esse é o propósito do Las Magrelas, inaugurado há quase um ano na Vila Madalena, em São Paulo.

A discussão sobre a presença da bicicleta em grandes metrópoles como meio de transporte mais sustentável é cada vez mais presente no cotidiano de quem vive em meio à fumaça cinza e densa. Embora tenha ganhado muitos adeptos, a magrela não conta com estrutura necessária para quem quer adotá-la como principal meio de se locomover - faltam ciclofaixas, bicicletários, segurança, e o principal de tudo: informação, discussão e debates sobre as melhores formas para concretizar e se conscientizar sobre todas essas ideias.

Pensando nessas questões, há praticamente um ano, existe na Vila Madalena, em São Paulo, o espaço Las Magrelas. Unindo bar e bicicletaria, tudo gira em torno da conscientização sobre mobilidade urbana. Na parte de cima do espaço, ainda funciona o oGangorra, ambiente experimental de co-working. Lá, algumas empresas e coletivos estão envolvidos na proposta de trazer mais qualidade de vida para São Paulo, e se reúnem em encontros para compartilhar ideias e distribuir conhecimento sobre novos mecanismos de trabalho, a fim de conseguir, enfim, mudar o que incomoda na sociedade. Somado a isso, são oferecidas oficinas de grafitti, literatura, jardinagem urbana e exibições de filmes.

A ideia nasceu de dois amigos, Talita Noguchi e Rafael Rodolfo Chacon, que já vinham da bicicletada. Cada um começou a trabalhar em uma loja de bicicleta diferente, uma na zona sul da cidade, e outra na zona oeste. Com pouco mais de um ano nessa experiência, conseguiram aprender muita coisa e, somado com os amigos pilhando pra eles abrirem a própria loja, os primeiros rascunhos surgiram: uma oficina com uma geladeira de cerveja pra quem viesse arrumar a bike, ou deixar pra consertar, poder trocar uma ideia durante o trampo. Quando chegou a hora de dar vida às ideias, os dois tinham uma certeza, a de que queriam uma loja diferente das outras.

“As outras lojas parecem concessionárias, iguais as de carro. Como a gente gostava muito de mexer com a bike, consertar e montar, o foco maior era na questão do serviço, da mecânica. Então, começamos a planejar o lugar pensando na oficina. A ideia foi tomando outro corpo quando a gente começou a conversar com uns amigos e a galera também tava em uma energia de mudar de negócios, de sair de onde tava trabalhando pra começar a trabalhar com a questão da mobilidade. Por isso resolvemos fazer também o bar e oGangorra.”, conta Rafael Rodolfo, conhecido como Rodo.

Todas as pessoas que se interessaram e se engajaram com o projeto estão bem acolhidas. O bar, que fica no espaço central, é considerado o coração da casa. “A gente tem uma história muito grande com o ciclo ativismo, e sabemos que a permanência das pessoas em um lugar faz com que elas troquem ideia, por mais que sejam bobagens, e essas ideias começam a criar pernas e braços e podem se transformar em ações. Por isso a gente resolveu criar o bar, pras pessoas poderem permanecer, conversar e ativar certos círculos de amizade para poder fazer algumas ações na cidade. É um espaço de permanência e discussão.”, explica Talita enquanto apresenta todos os cantos – cada um deles com intervenções artísticas diferentes.

Trip A gente já sabe que o espaço nasceu estruturado. Mas como funciona cada parte aqui dentro?

Talita Nós temos três bancadas na parte de baixo, onde funciona a mecânica. Uma delas é pra quem curte consertar a própria bike, alugamos por hora. Também tentamos ensinar algumas coisas de vez em quando, porque a gente acredita muito que a bicicleta é um instrumento de independência e liberdade, então se você não souber mexer nela, você não consegue atingir esse objetivo. O bar tem um showroom, área de exposição, várias intervenções urbanas e artísticas. A cozinha é colaborativa, não tem um único chefe. A gente tenta abranger o máximo possível no espaço, porque tem desde vegetariano e ciclista, até o cara que anda de terno com carro. Subindo a gente vem parar no oGangorra, que é o espaço de co-working. Visa juntar os coletivos de qualidade de vida, tem alguns focos de mobilidade urbana mas acaba sendo um geralzão.

Desde que vocês se instalaram aqui na Vila Madalena, sentiram alguma mudança no bairro?
Acho que a bike tá crescendo muito em São Paulo, independentemente desse espaço estar vingando ou não. Esse bairro, principalmente o quarteirão, vem ficando cada vez mais vivo. Depois que a gente abriu, outros comércios também abriram logo em seguida ou ao mesmo tempo. Dá pra perceber que aos poucos existe um resgate do comércio local. Percebo uma mudança no aproveitamento do espaço público ultimamente. O número de pessoas procurando o co-working cresceu.

A consciência por parte dos motoristas aumentou, você sente? Já faltou mais consciência por parte de motoristas de ônibus e carros, ainda hoje eu ouço reclamações sobre abuso. Mas eu acho que se a pessoa é mal educada, ela é mal educada dentro do carro, dentro do ônibus, dentro do táxi e em cima de uma bicicleta. A bicicleta está cada vez mais visível comparando com alguns anos atrás, mas ainda tem muita coisa pra se fazer. Volante não muda caráter, não tem nada que muda caráter. Falta conscientizar todo mundo. Não é um problema de meio de transporte, é um problema educacional. As soluções são mais complexas e as pessoas não conseguem enxergar, então vira uma guerra. Óbvio que de um lado morre mais gente, infelizmente é uma realidade. Mas a gente precisa começar a enxergar que não existem instrumentos que resolvam a cidade, somos nós que mudamos. Falta visibilidade.

Quanto às iniciativas de instituições privadas instalarem pontos de aluguel de bicicleta na cidade, qual a sua opinião? Isso é uma coisa que já vem de fora. Nos Estados Unidos também existe isso. Tem várias críticas, mas também tem muitos pontos a favor. Quer queira, quer não, isso está se inserindo de uma forma que as pessoas conseguem usar a bike. Por mais que sejam instituições que estejam fazendo isso e a forma com que estão fazendo venha sendo discutida, aumentou o número de pessoas usando a bicicleta. E fazer as pessoas usarem bike dentro de São Paulo é um mérito que não dá pra tirar de nenhuma instituição. A forma como isso foi planejado e está acontecendo sim, tem seus defeitos. Começou na região central e está se expandindo agora. As bikes talvez não sejam as mais adequadas – não sei porque eu nunca usei, mas vejo tanto críticas boas quanto ruins. O que eu vejo de bom é exatamente isso, as pessoas gostam porque têm a oportunidade de fazer, e não gostam porque não é a qualidade que elas queriam. Mas pelo que você paga, eu não sei se está sendo incoerente. Eu acho bem bacana.

Existem algumas críticas sobre a localização, sem ciclofaixas por perto... Espaços como ciclovias e ciclofaixas são segregadores na verdade. O que a gente precisa não é de espaço segregador, a gente precisa criar uma consciência de educação no trânsito. Se continuarem segregando as pessoas, elas não vão saber compartilhar. Acho que o ciclista tem que ir pra rua pra todo mundo aprender a compartilhar, porque é assim que você gera educação no trânsito. Se você não bota a bicicleta na rua, como você vai mostrar pro motorista que tem gente querendo usar o espaço de uma forma diferente? Você não mostra.

E legislação, o que a gente tem previsto em lei pro uso da bicicleta no trânsito? Tem algumas coisas básicas na bicicleta que você tem que ter. O capacete, por exemplo, é uma coisa que todo mundo acha que é obrigatório e não é. O que é obrigatório é espelho retrovisor – o Brasil consegue ser o único lugar do mundo que exige isso. Que é ter que cuidar de si mesmo porque não pode contar com a boa vontade dos outros. Tem algumas regrinhas que falam sobre a bicicleta, que pode ocupar os bordos da pista, a lei do um metro e meio pra ultrapassagem, não pode trafegar pela calçada...

No Brasil, São Paulo é o lugar que tá dando mais enfoque pra bicicleta? Acho que é uma coisa que está rolando muito da nossa geração. É um movimento em vários aspectos, não só da bike. As festas de rua, sabe? Várias coisas surgindo. Jardinagem urbana... A galera está se juntando, vários coletivos nascendo e juntando forças pra fazer várias coisas. Mas isso não é só em São Paulo. Curitiba, Porto Alegre, a galera está muito esforçada em relação à qualidade de vida. Aracaju também parece que vem se tornando uma cidade incrível pra bicicleta por causa dos coletivos, tem muita gente se esforçando em relação a isso.

E ao mesmo tempo, existem muitas cidades pequenas que usam a bicicleta como meio de transporte principal e ninguém presta atenção. Exato, ninguém enxerga muito isso.

Dicas para quem quer começar a andar de bike na cidade
por Talita Noguchi 

Em primeiro lugar é importante superar as barreiras psicológicas, porque isso atrapalha tanto em relação a andar de bicicleta, como qualquer outro âmbito da vida pessoal. Se ela existe, precisa ser ultrapassada.

Adquirir uma boa bicicleta pra uso urbano vai ajudar muito. Porque se você tiver uma bicicleta muito ruim, você se desestimula. Não por ser é ruim andar de bicicleta, mas por ser uma bike ruim para fazer isso.

Se orientar quanto às leis de trânsito, saber seus argumentos, saber se posicionar na rua e todas as formas de se manter seguro. Existe muito material – mesmo pela internet – que pode orientar em relação a isso. 

Pessoalmente acho bacana a pessoa sempre pensar em objetos de segurança. Por exemplo, se vai andar de bicicleta à noite, é legal ter objetos de iluminação. Nem que seja um refletor pequeno.

Vale a visita: Las Magrelas e oGangorra
R. Mourato Coelho, 1344 - Vila Madalena
https://www.facebook.com/oGangorra // https://www.facebook.com/LasMagrelas

Fala que eu te escuto

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Talvez a única pessoa que não considere Eduardo Coutinho o mais importante diretor de documentários do país seja ele mesmo - o que já diz muito sobre esse "paulista auto-exilado no Rio". Mais até do que ele provavelmente gostaria de revelar. Ao contrário de seus personagens, que tagarelam sobre amor, morte, desejo, família, medo, religião e dinheiro como se estivessem diante de um espelho e não de uma câmera, Coutinho mantém sua vida privada longe do público. Para alguém que escolheu filmar o outro, falar de si é quase um despudor. Chega a ser um esforço físico.

No início da entrevista, a voz se recusa a sair, as palavras são mastigadas e engolidas. O único som escutado sem esforço é o da tosse insistente, cultivada em mais de 45 anos de uma dedicação ao cigarro que nem a bronquite foi outrosz de interromper. Seu corpo fica recostado na cadeira, já um pouco inclinada para trás, o mais longe possível do gravador. Como você vai ler daqui a pouco, não demora muito para Coutinho embalar na conversa e frisar, agora numa fala ligeira, que foi bem ali, no Cecip, o Centro de Criação de Imagem Popular, que as coisas recomeçaram para ele.

Antes disso, é preciso contar como foi o começo. No início dos anos 60, Coutinho volta de uma temporada estudando cinema na França. Passa da teoria à prática no Centro Popular de Cultura, da União Nacional dos Estudantes. Com a UNE-Volante, roda o país atrás de imagens dos bolsões de pobreza. Mais para realismo socialista que Cinema Novo, o maior mérito da produção foi levar Coutinho ao lugar certo, na hora certa: o sertão da Paraíba, duas semanas após o assassinato do líder camponês João Pedro Teixeira. Ninguém sabia, mas era o início de Cabra Marcado para Morrer.

E, quase ao mesmo tempo, foi também o fim. Mal começam, as gravações são interrompidas pelo golpe de 64. O projeto de transformar a saga de João Pedro num longa-metragem, com a viúva Elizabeth Teixeira interpretando a si mesma, fica suspenso por 17 anos. Durante boa parte desse período, Coutinho trabalha no Globo Repórter, dirigindo alguns programas memoráveis como Theodorico, Imperador do Sertão, em 1978. Nada, porém, que o fizesse esquecer doCabra. O filme afinal é retomado três anos depois. Não como ficção, mas como documentário, o mais extraordinário já realizado no país.

No auge
Dessa vez, a idéia é voltar aos locais de filmagem, no interior da Paraíba e de Pernambuco, e reencontrar o elenco original, em especial Elizabeth e seus 11 filhos. Sem escorregar no melodrama ou na panfletagem, Coutinho mostra o impacto de quase duas décadas de ditadura militar naquela família. A partir de histórias da vida privada, narra a História na primeira pessoa do singular. O Cabra é premiado no Brasil, Portugal, França, Itália, Alemanha e Cuba. Mesmo assim, Coutinho passa outros 15 anos quase sem chegar aos cinemas - O Fio da Memória, de 1991, mal chega a ser distribuído.

É aqui que voltamos ao Cecip. Essa organização não-governamental, criada para fazer filmes educativos para comunidades carentes, vários deles dirigidos pelo próprio Coutinho nessa segunda entressafra, produz Santo Forte, com apoio da RioFilme. Em 1999, esse documentário sobre religiosidade, rodado na favela Vila Parque da Cidade, no Rio, chega aos cinemas. Era o tal recomeço, agora sem interrupções. Nos anos seguintes, Coutinho lançaria Babilônia 2000Edifício Master - onde morou, no início dos anos 60 - ePeões. Todos já pela VideoFilmes, a produtora dos irmãos João e Walter Salles.

Aos 72 anos, Coutinho segue no auge. Com estréia marcada para novembro, O Fim e o Princípio, que o leitor vai conhecer melhor nesta entrevista, é um de seus grandes filmes. Como sempre, o diretor escancara o processo de filmagem e se deixa flagrar em várias cenas. Essas aparições são o máximo de exposição que Eduardo Coutinho gostaria de ter, além de sua recorrente declaração genealógica: casado há 35 anos com a pernambucana Maria das Dores, pai de Pedro e Daniel, avô de Maria Eduarda. Fora isso, ameaça se fechar num humor peculiar que chega a ser folclórico, e não parece durar muito. "É meio ceninha, mesmo", concede. Gravando...

Boa tarde... 
Sacrifício... 

Qual é o sacrifício, Coutinho? 
Falar. Não gosto de dar entrevista... Quer uma água? Você vai gravar? 

Já estou gravando. Você prefere ouvir que falar? 
Evidente, né? Por isso eu filmo. 

Se todo mundo fosse assim, você não teria feito nenhum filme. 
Exatamente, se não tenho a palavra, não tenho filme. Se as pessoas não falam, e não falam bem, com firmeza, não tenho filme... Quando vou num debate, respondo as perguntas relevantes, até porque sei que as pessoas estão interessadas. Se for uma pergunta imbecil, não tem muito o que dizer.

Você faz perguntas imbecis quando filma? 
Toda hora. Algumas elimino, são só um ruído. Outras, não. Neste último filme, um personagem diz que não vai estar vivo dali a um ano. Eu tinha que dizer alguma coisa, aí falei: "Precisa ter fé". O cara, que já tinha dito antes que havia rezado muito mas nunca tinha sido atendido, retruca: "Fé?!". Isso me desmoraliza, mas deixei no filme. Não por masoquismo, é que faz parte da relação de filmagem.

Filmo em lugares terríveis, mas evito tratar os personagens como coitadinhos. Ou como heróis. A distância justa é nem olhar de baixo pra cima, nem de cima pra baixo

Em Edifício Master você aparece desconcertado quando um cara pede um emprego para você, no meio da entrevista. 
Não sabia o que dizer, gaguejei. Ele me desarmou inteiramente, e a todo momento isso pode acontecer. Não tenho problema em mostrar essas coisas, ainda que me desautorizem como diretor... Tem documentários em que não se ouve a voz que pergunta. Ora, as pessoas que falam sozinhas estão no hospício. Ali é uma conversa, um improviso absoluto.

E como você lida com o improviso na vida? 
Na vida, lido mal com tudo [risos]. Aliás, não falo da minha vida pessoal. Pra encerrar esse assunto, bota que sou casado com uma pernambucana, tenho dois filhos e uma neta. Põe minha neta, senão ela fica triste. Na vida lido com culpa, como a maioria das pessoas. Os filmes, filmo sem culpa. Filmo em lugares terríveis, mas evito tratar os personagens como coitadinhos. Ou como heróis. A distância justa é nem olhar de baixo pra cima, nem de cima pra baixo... Minha filmagem vive do acaso. Claro, faço escolhas e consulto minha equipe, sempre mais otimista que eu. Em geral, sou pessimista... Às vezes, na hora da filmagem a pessoa me conta uma história dez vezes melhor do que tinha contado antes, na pesquisa. 

Por quê? 
É mais ou menos a frase do Didi, "treino é treino, jogo é jogo". Claro, não é sempre assim. Teve um personagem que na pesquisa disse que era gay, e na filmagem falou que não queria tocar no assunto, porque tinha namorada. Aquele que canta Frank Sinatra, no Edifício Master, na pesquisa revelou que se naturalizou americano e lutou no Vietnã. Depois pediu que não se tocasse no assunto, porque a guerra ficou maldita e tal. Aqui estou falando porque ele está muito velho, num asilo, então acho que não faço mal contando isso agora.

Por que as pessoas aceitam falar de si mesmas em um filme? 
Um cara chamado Pierre Bourdieu, sociólogo, fala que a necessidade essencial do ser humano é se justificar diante do mundo. E o mundo são os outros, ninguém se legitima sem os outros. O inferno são os outros, sem o outro você não existe, você não é reconhecido. Quando fala para os outros, a pessoa sente que tem nesse momento a possibilidade de se justificar. E a forma de se expressar é sempre única, singular. A pessoa quer ser reconhecida como singular.

Como você faz para não julgar seus personagens? 
É aquela velha história: tentar saber as razões do outro, não as minhas. Quando é um cara pobre, um excluído, é muito mais fácil. Nunca filmei pedófilo, nunca filmei quem matou dez; não conseguiria. No caso do Theodorico (latifundiário protagonista de Theodorico, Imperador do Sertão), tem o problema da empatia. Ele é um cara monstruoso, mas não excepcionalmente monstruoso, então pude me relacionar com ele. E é claro que eu sabia que, sem polemizar, ele me diria mais. Adorava quando ele falava que o homem pode ter dez mulheres porque o touro tem dez vacas, ou que a vida na roça é extraordinária, bem ao lado de uma família miserável... 

É dar corda pro cara se enforcar? 
Não, ele não se enforcou. Talvez tenha ganho mais prestígio; as coisas, naquela época... Dou corda para que ele diga o que pensa, sem censura. Sem forçar nada. Tem documentário, como o do Marcel Ophuls entrevistando ex-nazistas, que precisa criar armadilhas [para fazer os personagens falarem] ... Quero filmar pessoas que vão ter prazer em falar comigo, e eu em falar com elas. Não faço armadilha, odeio. 

As pessoas que não são conhecidas são mais desprotegidas, minha responsabilidade com elas é muito maior


Armadilhas como se mostrar simpático a uma pessoa e depois fazer um filme contra ela? 
Isso é canalhice... Conheço uma fraude extraordinária. Um cineasta polonês veio ao Brasil fazer um documentário, com a tese de que os bicheiros eram a essência do Carnaval. Ele dizia às pessoas o que elas deveriam falar! Contratou uma atriz polonesa para se passar por alguém que ficou surda por conta de um foguete que estourou perto do seu ouvido, e graças a um bicheiro teria aprendido a língua dos surdos-mudos. E ela narra o filme, com legendas... Canalhice.

Já tinha lido você contando essa história. É por isso que você não entrevista pessoas famosas, que falam muito com a mídia e têm um discurso pronto? 
As pessoas que não são conhecidas têm pouco a perder. São mais desprotegidas, minha responsabilidade com elas é muito maior. No outro extremo está o ídolo total, o Roberto Carlos, sei lá. Esses jamais vão dizer alguma coisa interessante, eles querem ser ídolos de todos, ser um denominador comum. Então, não vão me dizer nada interessante, entende?

Você tem ou já teve vontade de ser ídolo? 
Não tenho ilusões. Tirando exceções como Michael Moore, documentário foi, é e será marginal. As pessoas vão ao cinema para sonhar, e a ficção facilita isso com uma história inventada, com atores. Por isso Carandiru tem 4 milhões de espectadores e O Prisioneiro da Grade de Ferro, 30 mil. Isso não quer dizer que eu aceite o gueto. Adoraria que as televisões financiassem e passassem [documentários]. Acho ótimo ser reconhecido, e, quando o prêmio é em dinheiro, melhor ainda. Sei que nesse campo marginal tenho prestígio, desde Santo Forte [lançado em 1999] meus filmes vão pros cinemas.

Foram cinco filmes depois dos 65 anos, uma idade em que a maioria das pessoas pensa em parar. 
Tô com 72 anos, tinha 65 na época em que fui fazer Santo Forte. Havia 15 anos que não lançava um filme no cinema. Tava morto, numa crise pessoal absoluta: "Minha vida tá perdida, não tenho mais o que fazer, meus filhos estão criados". Fui procurar a RioFilme, o [então diretor José Carlos] Avellar. Tava de porre nesse dia, pra falar tinha que estar um pouco de porre. Aí contei que queria fazer um filme sobre religião, numa favela, todo baseado na palavra. Só teria o Cabra, um único filme na minha vida, se tivesse morrido sem fazer Santo Forte ... [Bate três vezes na madeira.]

Quando você começou a fumar? 
Aos 26 anos, por isso estou vivo. Se tivesse começado com 15... Hoje fumo menos da metade do cigarro e não trago mais. Se tragar, minha garganta não agüenta. Fumar é uma coisa que faz parte da minha vida, odeio quando querem me fazer sentir culpado por isso. A nicotina, o gesto, a fumaça... Tanto que fumar à noite é detestável, o bom é ver a fumaça. Mas os problemas estão aparecendo... 

Que problemas? 
Bronquite. E catarata, estou para operar. Não me preocupo em ficar numa cadeira de rodas, mas cego é difícil... A visão é o órgão essencial para mim, quando entrevisto uma pessoa tenho que olhar para ela. Para ver televisão já está pior. 

Você assiste TV? 
Assisto, sem muito interesse. Minha mulher vê, aí às vezes acompanho. 

Você já usou ou usa alguma droga? 
Já usei. Não uso mais por uma razão que não tem nada a ver com moral: tenho o maior bode com todas. Experimentei maconha e cocaína. Nunca tomei ácido, acho que não voltava! Já tive alucinações com maconha, o que é um absurdo. Alucinações violentíssimas, horrorosas. Simplesmente não dá pra mim. Uma hora tentei fazer um filme usando cocaína, na época da montagem... Não adiantou porra nenhuma. 

Quando você decidiu fazer cinema? 
Era cinéfilo desde criança. Imagina cinéfilo no Brasil, nos anos 40: só chanchada. Adorava, vi 11 vezes Carnaval de Fogo [de Watson Macedo, com Oscarito e Grande Otelo fazendo Romeu e Julieta]. Passar de cinéfilo a cineasta é um passo... 

Como foi o seu? 
Tinha um programa de perguntas chamado O Céu É o Limite. Me inscrevi para responder sobre cinema em geral, mas perdi no primeiro dia... Graças a Deus, [o dono da TV Tupi, Assis]Chateaubriand começou com aquelas coisas escrotas que fazia: uma campanha contra o José Ermírio de Moraes [dono da Votorantim, patrocinadora de O Céu...], que não queria dar mais dinheiro para o programa. Aí o Moraes foi para a TV Record e abriu um concorrente, O Dobro ou Nada.

E você foi lá? 
Disse que era especialista em Charles Chaplin... Não sabia nada dele, tinha visto uns cinco filmes e só. Passei nove semanas concorrendo; na quarta, já tinha lido tudo escrito sobre ele. Sabia do cardápio de um jantar em Paris aos nomes das equipes técnicas dos seus filmes, e são uns 90 filmes... Era jovem e a memória funcionava, hoje não decoraria dois nomes. Levei um prêmio de 2000 dólares, era dinheiro pra caralho! Fui viajar pela Europa, e um amigo me inscreveu para uma bolsa do Idhec [Instituto de Altos Estudos Cinematográficos], na França. Isso foi em 57. Três anos depois, voltei pro Brasil e fui filmar para o CPC [Centro Popular de Cultura] da UNE.

Você voltaria a Paris em 68, não é? Em maio aconteceram as manifestações, como estavam as coisas? 
Cheguei em setembro, não tinha mais nada, não se notava nada nas ruas. Mas estive na Tchecoslováquia, em Praga. Isso foi choque, o resto é bobagem.

No fim da Primavera de Praga, quando os russos invadiram a cidade? 
Quase tomei tiro! Fui convidado para um festival de cinema na Bulgária, e apareceu uma chance de ir a Praga. Cheguei uma semana antes da invasão. No dia, alguém me chamou às 10 da manhã, porque durmo tarde e não acordei nem com os tanques... Levantei e vi uma marca de tanque a meio metro da minha janela, na cidade universitária! Fui a pé para o centro, lembro da praça principal com a estátua do Kafka, o povo chorando e os tanques soviéticos. Uma hora, ouvi uns tiros e me escondi num prédio... Morrer na Tchecoslováquia, numa doutrina em que não acreditava muito?! Puta que o pariu!

Como você escapou de lá? 
Voltei pra cidade universitária, onde estavam outros cinco brasileiros. Enquanto a gente conversava sobre o que fazer, veio uma saraivada de tiros em direção à nossa janela! Juntamos todos os colchões do alojamento e passamos a madrugada debaixo deles... No dia seguinte, liguei para a embaixada brasileira. Imagina procurar a embaixada de um país com ditadura para sair de um país comunista [risos]... O cara me colocou num trem para refugiados, fui para a Alemanha e depois pra Paris. Não vi nada na História de importante, mas na franja da História vi isso.

Estamos terminando... queria perguntar que tipo de entrevistado você se considera? 
[Rápido] Sou péssimo, não nasci pra isso. Falo mais depressa do que penso, então sai muita coisa que não quero dizer, depois leio e me arrependo. Espero que esta entrevista ajude as pessoas a se interessarem pelo filme. O filme é que interessa.



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